x
CLIMA

Cidade da Grande BH vive dia de caos depois de tempestade

Distrito de Santa Luzia tenta salvar o que sobrou nas casas invadidas por água e lama. Heroísmo, solidariedade e gratidão amenizam o desespero

Publicidade
Carregando...

Perdas, tristeza e, em meio à tempestade, atos de extrema coragem para salvar vidas. Dia de caos em três bairros do distrito de São Benedito, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde, na tarde de quarta-feira (29), uma forte chuva provocou a destruição de cinco casas, alagamento de ruas e cheia do córrego entre o Cristina, o Palmital e o São Cosme. As águas que passam por um canal subiram mais de um metro, segundo moradores, transbordaram e invadiram vias públicas. Ontem, o prefeito Paulo Henrique Paulinho e Silva, decretou estado de calamidade pública.

Nesse cenário assustador, houve momentos de solidariedade humana e determinação. O barbeiro Walisson Washington Santos Batista, de 24, conhecido por Liliu do Corte, conseguiu resgatar do interior de um carro uma menina, que estava no banco da frente. Ao passar pela Avenida Pereira dos Santos, tomada pelas águas, no Bairro Cristina A, o veículo conduzido pela mãe da garota parou e começou a flutuar, de acordo com o rapaz. Liliu entrou na “lagoa” que se formou, conseguiu tirar a criança e a entregou a uma vizinha. Na sequência, com ajuda do colega Emanuel Philipe Pereira Santos Alves, de 19, empurrou o carro para uma parte mais alta da avenida.

“Fiz o que qualquer pessoa de bem faria num momento desses”, afirma Liliu, há dois anos em ação na Barbearia Dias, de Igo Dias, no Cristina A. Na manhã de ontem, a equipe do Estado de Minas esteve no estabelecimento e presenciou alguém passando num carro, acenando e gritando: “Herói!”. O jovem apenas sorriu e se lembrou do episódio da quarta-feira, às 17h. “Estava aqui na barbearia, na hora, sem um cliente, quando vi o carro descer a avenida e seguir em direção à água que subia na parte mais baixa, perto do canal. Uma pessoa na rua sinalizou para o carro parar, mas quem o conduzia continuou. Aí, o veículo parou”.

Ao ver a cena, Liliu enxergou uma criança – “De sete ou oito anos, não sei”, observa –, que gritava e levantava os braços. “Foi quando entrei na água e retirei a menina pela janela. Havia uma conhecida minha no passeio, e lhe entreguei a menina. Em seguida, eu e meu colega (Emanuel Philipe Pereira Santos Alves), puxamos o carro para um ponto mais alto da avenida”. Ouvindo a conversa, Emanuel avisa que nem ligou ao entrar na água imunda que dominava a via pública.

Passado o momento de tensão, Liliu diz que recebeu “um telefonema de agradecimento” de uma filha da motorista, de quem não sabe o nome ou endereço. “A família está muito nervosa. Pediram para não serem identificados”, disse o barbeiro. “Como entrou muita água no motor, o veículo ficou aqui na avenida”.

Herói da vez: Walisson Batista, o Liliu do Corte, se lançou nas águas para tirar uma criança de um carro que flutuava nas águas que tomaram uma avenida

Herói da vez: Walisson Batista, o Liliu do Corte, se lançou nas águas para tirar uma criança de um carro que flutuava nas águas que tomaram uma avenida

Jair Amaral/EM/D.A Press


MARCAS DO DESESPERO

Na manhã de ontem (30), moradores das áreas mais atingidas mostravam no rosto as marcas do desespero, devido à força da tempestade, dos prejuízos pelas perdas materiais e da impotência pela espera de obras que os tirem dessa situação de penúria. “Perdi tudo, tudo mesmo. Veja como estamos. Caíram as paredes da cozinha e do quarto. Moro aqui há 21 anos”, contou a cozinheira Renilde da SilvaOliveira, que vive na casa da Rua Inácio Loiola de Oliveira.

Renilde chegava do trabalho, por volta das 17h, quando viu a moradia inundada, com água na altura de 1,20 metro. “Minha filha caçula, de 16, saiu com água ‘pra cima’ da cintura”, diz a cozinheira, que foi acolhida pela amiga Maria Neide Bento Macedo, residente em parte elevada do Cristina B – a filha foi para a casa da irmã. Um abraço carinhoso da amiga, mesmo com as lágrimas de Renilde, mostrou que a solidariedade se torna fundamental para aliviar um pouco o sofrimento. Com as paredes no chão, ela espera receber o auxílio-aluguel para seguir adiante.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia

Apoio: Maria Neide abraça Renilde, que acolheu em sua casa depois de amiga perder sua moradia e seus pertences nos temporais

Apoio: Maria Neide abraça Renilde, que acolheu em sua casa depois de amiga perder sua moradia e seus pertences nos temporais

Jair Amaral/EM/D.A Press

DEMOLIÇÃO E DESALOJADOS

Enquanto moradores, incluindo crianças, procuravam pertences no meio da lama, equipes da Defesa Civil e da Secretaria Municipal de Obras chegavam ao local. O coordenador da Defesa Civil de Santa Luzia, Wilmar Ferreira da Silva, considerou a situação “caótica”, informando que a forte chuva deixou cinco famílias desalojadas e uma desabrigada, as quais se encontram em casas de familiares e amigos. Ele verificou a situação dos imóveis mais danificados, agora interditados, e adiantou que alguns serão demolidos. No fim da tarde, nota da Prefeitura de Santa Luzia revisou o número, informando que 11 famílias tiveram que deixar suas casas: sete no Palmital, uma no Asteca e três no Bairro Cristina.

Também percorrendo a área no entorno do curso d’água chamado pelos moradores de Córrego da Favelinha, o secretário executivo de Obras da prefeitura local, Haroldo Dias, contou que existe um “estudo de viabilidade” para construção de uma avenida sanitária no trecho atingido pelas enchentes. O objetivo da administração recém-empossada é apresentá-lo ao governo federal para realização da obra.
Logo após chegar ao local, o secretário recebeu uma equipe de trabalhadores para auxiliar os moradores na limpeza de suas casas. Na de Adilson Gonçalves de Souza, pedreiro, que mora com os filhos (três crianças e um adolescente), geladeira, fogão e móveis foram retirados do interior da casa. “Todo ano é assim, e a prefeitura não faz nada”, destacou Pâmela Alves, casada, dois filhos, que mora na parte superior do imóvel de Adilson. Por enquanto, o pedreiro e os filhos estão abrigados no espaço de uma loja lateral, na qual também entrou água.

Também morador da Rua Inácio Loiola, quase na esquina da Rua Valdivino de Oliveira, onde casas desabaram, Arilson Rodrigues dos Santos, de 65, mostrava como sua residência ficou: inabitável. “Para não perder a televisão, levei para a casa de um vizinho. O barro tomou conta o chão, do sofá. O vidro da mesinha da sala desapareceu nessa confusão”, mostrou, Arilson, a estrutura de madeira vazia.

Desolação: Arilson Rodrigues mostra a residência inabitável e conta que salvou a televisão levada para a casa de um vizinho

Desolação: Arilson Rodrigues mostra a residência inabitável e conta que salvou a televisão levada para a casa de um vizinho

Jair Amaral/EM/D.A Press


RATOS E COBRAS

Do outro lado do canal que atravessa os três bairros, o quadro é o mesmo: móveis empilhados na rua, colchões encharcados, eletrodomésticos nos passeios, gente de vassoura e enxada na mão, olhos ainda de espanto. “O problema não é só a perda de bens materiais. O pior é que, quando o córrego enche, vêm junto muitos ratos e cobras. Eles entram para dentro das casas, as pessoas ficam apavoradas”, contou o pedreiro José Henrique Ferreira Filho. Embora não tenha sido atingido, explicou que estava junto aos vizinhos “para ajudar”.

Com uma foice nas mãos, o técnico de manutenção em hospital Geraldo Bibiano Ferreira limpava o mato para facilitar a passagem de quem transita entre os bairros Cristina, Palmital e São Cosme. “Quando saí para trabalhar, em BH, a água aqui na Avenida Joaquim Rodrigues da Rocha já estava subindo. Fiquei preocupado e mantendo contato com minha família. Ao voltar, pela manhã de ontem, vi todas as dificuldades.”

Moradores ouvidos pelo EM informaram que as cheias e seus efeitos dramáticos são constantes nesta época de chuvas. Para grande parte da comunidade, enquanto não se constrói a avenida sanitária é preciso alargar o canal da avenida e construir uma bacia de contenção das águas. Do contrário, acreditam, será eternamente assim.

Ao longo do dia, pertences inutilizados pela enchente foram sendo depositados na rua, um retrato dos prejuízos provocados pelos temporais

Ao longo do dia, pertences inutilizados pela enchente foram sendo depositados na rua, um retrato dos prejuízos provocados pelos temporais

Jair Amaral/EM/D.A Press

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia

AÇÕES EMERGENCIAIS

No fim da tarde de ontem, a Prefeitura de Santa Luzia fez um balanço, contabilizando alagamentos e quedas de árvores, além de danos a equipamentos públicos e residências. “Desde então, as equipes das secretarias municipais estão mobilizadas para atender as demandas emergenciais e minimizar os prejuízos causados à população”, disse, em nota. De acordo com o texto, diversas unidades escolares foram afetadas pela chuva. Entre os danos, um portão arrancado, um muro que cedeu, infiltrações no telhado que causaram vazamentos, alagamento e acúmulo de lama. A nota informou ainda que a Secretaria de Obras segue em fase de estruturação das equipes e contratação de empresas para responder às demandas emergenciais. Já a Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania presta assistência às famílias atingidas, nos Centros de Referência à Assistência Social (Cras) e com visitas domiciliares. A pasta distribui alimentos, kits de higiene e limpeza, cestas de frutas, legumes e água mineral. Além disso, famílias que se enquadrem nos critérios legais vão receber auxílio-moradia, informa o texto.

Tópicos relacionados:

chuvas clima grande-bh santa-luzia

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay