Dutra iniciou o governo com um discurso de austeridade e alinhamento ao Ocidente. No primeiro ano,

Dutra iniciou o governo com um discurso de austeridade e alinhamento ao Ocidente. No primeiro ano, "relegalizou" partidos

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O colapso do Estado Novo, em 1945, abriu caminho para a reconstrução institucional do país. O marechal Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de GetúlioVargas e um dos articuladores de sua queda, foi eleito presidente com o apoio do Partido Social Democrático (PSD). Sua posse, em 31 de janeiro de 1946, simbolizou a tentativa de conciliar a herança autoritária com as aspirações democráticas do pós-guerra.


O Brasil vivia um momento de transição. As feridas da ditadura ainda estavam abertas, mas o país experimentava um surto de esperança. A nova Constituição, promulgada em setembro de 1946, devolveu eleições diretas, restabeleceu o regime federativo, garantiu direitos individuais e reconheceu liberdades civis e sindicais. Era uma carta democrática, embora marcada por concessões ao conservadorismo militar.


O texto mantinha instrumentos de controle sobre sindicatos e limitava o direito de greve, refletindo o medo de uma “revolução vermelha” em plena Guerra Fria. Nos bastidores, o anticomunismo começava a orientar a política externa e a segurança interna do país.


Dutra iniciou o governo com um discurso de austeridade e alinhamento ao Ocidente. No primeiro ano, “relegalizou” partidos — inclusive o PCB — e restabeleceu a liberdade de imprensa. Mas a tolerância durou pouco. Em 1947, sob pressão dos Estados Unidos, rompeu relações diplomáticas com a União Soviética e declarou ilegal o Partido Comunista. Centenas de sindicalistas foram presos, jornais fechados e rádios censuradas. O país retornava, em parte, à lógica da repressão política.


No campo econômico, Dutra seguiu a linha liberal. Liberalizou importações, reduziu gastos públicos e valorizou o cruzeiro, estimulando temporariamente o consumo urbano. O entusiasmo, porém, durou pouco. O déficit nas contas externas e a escassez de divisas obrigaram o governo a adotar medidas de contenção, levando à estagnação.


Mesmo assim, Dutra consolidou a reconstrução institucional do pós-guerra. Fortaleceu as Forças Armadas, modernizou a infraestrutura de transportes e ampliou a presença do Brasil em organismos internacionais como a ONU e a OEA.


O fim de seu mandato, em 1951, marcou a volta de Getúlio Vargas ao poder — agora legitimado pelo voto popular. O novo Vargas buscou se reinventar: manteve a Constituição de 1946, mas reinterpretou-a sob um viés nacionalista. Criou a Petrobras, fundou o BNDE, elevou o salário mínimo e incentivou a indústria pesada. Sua política trabalhista e a defesa da soberania econômica reacenderam o apoio das massas e o ódio das elites.


A partir de 1953, o governo entrou em crise. O atentado da Rua Tonelero agravou o confronto entre o Catete e os quartéis. Acuado, Vargas escolheu o gesto extremo. Ao suicidar-se, deixou uma carta que se tornaria um manifesto político: “Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte”.
A morte de Vargas transformou o ex-ditador em mártir popular e encerrou simbolicamente o ciclo iniciado em 1930. O Brasil saía mais industrializado e urbanizado, com uma identidade política moldada pela ideia do Estado protetor.


Mas a tutela das Forças Armadas e a crença no salvador da pátria permaneceram. A democracia inaugurada por Dutra e consagrada pela Constituição de 1946 duraria pouco: seria interrompida em 1964, quando outro regime autoritário, em nome da “ordem e da segurança”, voltaria a calar o país. 

 

As Constituições do Brasil de Vargas a Dutra

 

1934
Promulgada em 16 de julho de 1934, a Constituição foi resultado da Assembleia Constituinte eleita após a Revolução de 1930 e a pressão da Revolução Constitucionalista de 1932. Inspirada na Carta de Weimar, trouxe avanços democráticos: voto secreto, sufrágio feminino, Justiça Eleitoral e direitos trabalhistas. Introduziu o princípio da função social da propriedade e buscou equilibrar capital e trabalho. Apesar do caráter progressista, manteve centralização no Executivo e refletiu as tensões entre modernização e autoritarismo. Sua vigência foi curta: em 1937, Getúlio Vargas dissolveu o Congresso e impôs nova Constituição, inaugurando o Estado Novo.


1937
Outorgada em 10 de novembro de 1937, a Constituição conhecida como “Polaca” foi imposta por Getúlio Vargas após o golpe que instaurou o Estado Novo. Inspirada no modelo autoritário da Polônia, concentrou poderes no Executivo, extinguiu partidos e suspendeu eleições. Vargas passou a governar por decretos-leis e nomear interventores nos estados. A Carta suprimiu liberdades civis, instituiu censura à imprensa e criou o Tribunal de Segurança Nacional para julgar crimes políticos. Defendia a “unidade nacional” acima da democracia, transformando o país em um Estado policial. Manteve-se em vigor até 1945, quando o regime ruiu e o Brasil iniciou a redemocratização.


1946
Promulgada em 18 de setembro de 1946, após o fim do Estado Novo, a Constituição simbolizou o retorno da democracia. Elaborada por uma Constituinte plural e eleita pelo voto direto, reafirmou o regime federativo, restaurou liberdades civis e devolveu autonomia a estados e municípios. Restabeleceu eleições diretas, garantiu o habeas corpus e manteve os direitos trabalhistas criados por Vargas. Refletindo o pós-guerra, conciliou liberalismo político e justiça social, equilibrando o poder entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Apesar dos avanços, limitou greves e manteve vigilância sobre sindicatos, sob influência militar. Sob o governo Dutra, inaugurou a redemocratização brasileira.