De líder da Revolução de 1930 a presidente eleito em 1951, Getúlio Vargas moldou o Brasil entre o autoritarismo e o populismo. Caiu em 1945, voltou nos braços do povo e, acuado por pressões políticas, suicidou-se em 1954. Sua morte levou multidões às ruas em comoção nacional.
Entre o “pai dos pobres” e o chefe do Estado policial, Getúlio Vargas construiu o Brasil moderno e deixou um legado de conquistas e feridas. Poucos personagens na história brasileira reúnem tantas contradições quanto Getúlio Dornelles Vargas. Ditador e reformista, autoritário e popular, ele moldou a estrutura política e econômica do Brasil contemporâneo ao mesmo tempo em que implantou um dos regimes mais repressivos da América do Sul no período entre guerras.
Nascido em 1882, em São Borja (RS), Vargas cresceu em um ambiente influenciado pelo positivismo militar e pelas disputas políticas regionais do fim do Império. Formou-se em Direito, ingressou na carreira pública e, nos anos 1920, tornou-se deputado federal e ministro da Fazenda. Sua habilidade em conciliar opostos — cafeicultores, industriais, militares e trabalhadores — o levou à liderança da Revolução de 1930, que derrubou Washington Luís e impediu a posse de Júlio Prestes, inaugurando a chamada Era Vargas.
Nos anos seguintes, o país passou por profundas transformações. O Brasil rural e oligárquico deu lugar a uma nação que se urbanizava e industrializava rapidamente. A centralização política foi apresentada como sinônimo de modernização. Vargas dizia governar “em nome dos humildes”, mas dissolveu partidos e censurou a imprensa. Sob o manto do progresso, construiu um Estado autoritário, que controlava sindicatos, manipulava a opinião pública e reprimia dissidentes.
Com o golpe de 1937 e a instauração do Estado Novo, o país adotou uma Constituição inspirada em modelos fascistas europeus, redigida por Francisco Campos. O Congresso foi fechado, o Judiciário perdeu autonomia e o poder se concentrou nas mãos do Executivo. Nascia um Estado policial, sustentado por propaganda, vigilância e medo.
A partir do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), Vargas projetou a imagem de líder paternal, o “pai dos pobres”. Falava ao rádio com tom afável e emocional, apresentando-se como protetor dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, seu governo promovia prisões arbitrárias, torturas e deportações. O chefe de polícia Filinto Müller se tornou o símbolo da repressão.
Contudo, Vargas também foi o arquiteto de avanços institucionais e econômicos. Criou a Justiça do Trabalho, instituiu o salário mínimo, regulamentou férias e jornadas, fundou a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce e o Conselho Nacional do Petróleo. Sob sua liderança, o país consolidou uma estrutura industrial que o colocaria entre as principais economias da América Latina.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o ditador adotou uma postura pragmática. Flertou inicialmente com o Eixo, mas, percebendo a inevitável vitória dos Aliados, alinhou-se aos Estados Unidos, em troca de financiamento para a indústria do aço e a construção da CSN. Essa guinada fez do Brasil o único país sul-americano a enviar tropas à Europa.
Em 1945, a contradição tornou-se insustentável: o país combatia o fascismo no exterior enquanto vivia sob uma ditadura em casa. Pressionado por militares e civis, Vargas foi forçado a renunciar. Retirou-se para São Borja, mas manteve grande influência política.
Seis anos depois, voltou ao poder pelo voto direto, em 1951, prometendo reconstruir o país com base no nacionalismo e na valorização do trabalho. Criou a Petrobras (1953), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e aumentou o salário mínimo em 100%, conquistando o apoio popular e o ódio das elites.
A oposição, liderada por Carlos Lacerda, e parte dos militares o acusavam de corrupção e autoritarismo. O atentado da Rua Tonelero, em 1954, que matou o major Rubens Vaz e feriu Lacerda, precipitou a crise final. Acuado, Vargas suicidou-se em 24 de agosto de 1954, no Palácio do Catete, deixando a célebre Carta-Testamento: “Saio da vida para entrar na História”.
Lira Neto, autor da trilogia Getúlio, define o ex-presidente como “um equilibrista entre a espada e o microfone”. Para o biógrafo, Vargas foi “um político de astúcia e cálculo, que moldava convicções às circunstâncias do poder”.
O homem que industrializou o país e institucionalizou a censura continua a dividir a memória nacional. De um lado, o reformista que garantiu direitos trabalhistas e impulsionou o desenvolvimento; de outro, o ditador que governou pela força e pela propaganda. O legado de Vargas é um espelho em que o Brasil ainda se vê — dividido, autoritário, socialmente desigual e, ao mesmo tempo, movido pela crença de que o Estado pode ser o instrumento de sua redenção.