Em cadeia nacional, vargas anuncia a proclamação do novo regime
Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas anunciou ao país o início de uma nova era. Do Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, falou em “salvar a nação” e “corrigir os rumos da política”. Na prática, o pronunciamento transmitido pelo rádio decretava o fechamento do Congresso, a outorga de uma nova Constituição e o nascimento do Estado Novo — uma ditadura que unificou o país sob o lema da ordem e silenciou qualquer voz dissonante.
O discurso marcou o fim da democracia e o começo de um regime que se sustentaria por medo, propaganda e controle. O Brasil trocava o pluralismo das urnas pelo uníssono das marchas cívicas. Vargas, gaúcho de São Borja, já dominava a arte do poder. Fora senador, governador e ministro da Fazenda antes de chegar à Presidência em 1930, após o golpe que depôs Washington Luís e impediu a posse de Júlio Prestes — um movimento que a história batizaria, com indulgência, de Revolução de 1930.
O país ansiava por modernidade, e Vargas respondeu com centralização. Enfrentou a Revolução Constitucionalista de 1932 e cedeu à pressão paulista com a Constituição de 1934, que trouxe o voto secreto, o voto feminino e a promessa de equilíbrio social. Mas sob o verniz reformista, crescia o projeto de um poder pessoal e absoluto.
Em 1935, a Intentona Comunista, liderada por Luís Carlos Prestes, serviu de pretexto ideal para o endurecimento. Vargas percebeu o valor político do medo. Dois anos depois, o suposto Plano Cohen — documento falso forjado por integralistas, divulgado como alerta de uma revolução comunista — ofereceu-lhe o álibi perfeito. O pânico foi encenado, o inimigo inventado. O Congresso foi dissolvido, os partidos extintos, as bandeiras estaduais queimadas. “Não temos mais problemas regionais; todos são nacionais”, disse Vargas.
O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) tornou-se o coração da censura. Controlava jornais, rádios, cinema, música e até a iconografia do Estado. O jornal O Estado de S. Paulo foi confiscado e entregue a interventores. A imprensa regional desapareceu ou se submeteu ao discurso oficial. Vargas passou a falar diretamente ao povo pelo rádio — o meio mais poderoso da época —, consolidando a imagem paternal do “pai dos pobres”.
Mas o Estado Novo também foi construtor. Sob o mesmo governo que prendia escritores e calava opositores, o país deu seus primeiros passos rumo à industrialização. Criaram-se a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce e a Fábrica Nacional de Motores. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, garantiu direitos básicos — férias, jornada limitada e Justiça do Trabalho.
O regime, entretanto, sustentava-se no medo. Intelectuais e sindicalistas eram perseguidos. O humorista Aparício Torelly, o Barão de Itararé, saiu da prisão espancado e sarcástico: “Entrei cidadão, saí barão”. O escritor Graciliano Ramos transformou sua experiência de cárcere em denúncia: “Memórias do Cárcere”, publicado postumamente, é um documento de horror e lucidez.
A lealdade dos militares, que sustentavam Vargas, começou a ruir quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Combatendo o fascismo na Europa, os oficiais viam a contradição de voltar a um país sem liberdade. Em 1943, o Manifesto dos Mineiros exigiu o retorno à democracia. No início de 1945, José Américo de Almeida rompeu o silêncio em defesa das liberdades civis.
Em 29 de outubro de 1945, pressionado pelos generais Eurico Gaspar Dutra e Góis Monteiro, Vargas renunciou. Deixou o Palácio Guanabara em silêncio. Um ano depois, a Constituição de 1946 restauraria as liberdades. O Estado Novo acabava, deixando atrás de si uma nação transformada — moderna, mas ferida; industrializada, mas silenciada.
Motivos da derrocada
Pressão dos militares
Os generais Eurico Gaspar Dutra e Góis Monteiro, que haviam sustentado o regime, passaram a exigir a saída de Vargas. A contradição entre combater o fascismo na Europa e manter uma ditadura no Brasil tornou-se insustentável dentro das Forças Armadas.
Desgaste político e isolamento
Após oito anos de autoritarismo, censura e centralização, Vargas viu ruir suas bases de apoio civil. Governadores, empresários e intelectuais se afastaram, cansados do controle estatal e da falta de liberdade política.
Influência da Segunda Guerra Mundial
O Brasil lutava ao lado dos Aliados — Estados Unidos, Inglaterra e França — em defesa da democracia. A vitória iminente sobre o nazifascismo reforçou no país o discurso pró-liberdades e minou o argumento da necessidade de um governo forte.
O Manifesto dos Mineiros (1943)
O documento, assinado por políticos e intelectuais de Minas Gerais, rompeu o silêncio da elite civil. Foi o primeiro grito público por redemocratização, servindo de inspiração para movimentos semelhantes em outros estados.
Crescimento da oposição
Partidos e lideranças voltaram a se articular nos bastidores. A candidatura de José Américo de Almeida, apoiada por setores democráticos, galvanizou o sentimento de que a transição era inevitável.
A própria estratégia de Vargas
Percebendo o esgotamento do regime, Vargas tentou controlar a transição e preparar sua volta pelo voto, mas os generais anteciparam-se. Em 29 de outubro de 1945, sob pressão do Exército, ele renunciou e deixou o poder em silêncio.