Presidente da Ocemg: "Não se constrói paraíso social em cima de ruína"
Ronaldo Scucato, presidente da Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg), fala sobre o futuro das cooperativas
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Siga noO entrevistado desta edição do EM Minas, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e o Portal Uai, é Ronaldo Scucato, presidente da Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg). Em 2025, o cooperativismo volta aos holofotes por ter sido instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) o Ano Internacional das Cooperativas. Aos 88 anos, e há quase 74 trabalhando dentro do cooperativismo, ele é referência nacional e internacional no setor.
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Ao longo da entrevista, Scucato traz dados recentes sobre o cooperativismo em Minas Gerais, que responde por quase 15% do Produto Interno Bruto (PIB) do estado. Entre suas reflexões sobre o cooperativismo, o presidente do Sistema Ocemg fala que a prioridade do fator social é demagogia, destacando que o pilar econômico é que deve prevalecer, já que é desse resultado que se colhe o que será aplicado no social.
Como foi o seu primeiro contato com o cooperativismo?
As coisas foram acontecendo. Eu precisava trabalhar, era um rapazinho, e consegui um emprego na cooperativa de consumo do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) no dia 21 de dezembro de 1951. Eu fui trabalhar no balcão, e foi lá que eu aprendi a gostar das pessoas, porque as pessoas gostavam muito de mim. Eu fui muito ajudado. E foi lá que eu fiquei por 40 anos, e, quando me aposentei, eu era o presidente da cooperativa de crédito e diretor-geral da cooperativa de consumo.
Ao longo dessas décadas o trabalho foi árduo?
Muito! Nem sempre o cooperativismo foi reconhecido como hoje, inclusive pela ONU, que decretou este ano de 2025 o Ano Internacional das Cooperativas. Em 2012, dado ao comportamento das cooperativas na crise financeira de 2008/2009, como atuaram na crise financeira global, reconheceu-se na ONU o Ano Internacional das Cooperativas. Agora, novamente nós estamos aí como exemplo de sustentabilidade, de inclusão e de respeito à pessoa e ao ser humano.
O senhor fala que o cooperativismo é para reforçar o valor humano, as pessoas, mas ele também é responsável pelo desenvolvimento econômico do estado.
Hoje em dia nós temos o ESG, que são as questões ambientais, a governança e a gestão no cooperativismo. Bom, o social é muito importante, mas não é o prioritário. A prioridade realmente é o econômico. Você precisa de uma economia bem feita, empresas, inclusive cooperativas, muito bem administradas, a gestão, a governança e ter o resultado positivo. E é desse resultado que você tira a parte adequada e aplica no social. A prioridade do social é demagogia. O social é rebocado pelo econômico. Sabe por quê? Não se constrói um paraíso social em cima de uma ruína econômica. Então, as cooperativas estão no mercado e trabalham muito bem, fazem bem feito.
“Queremos formar novos líderes para que o nosso projeto cooperativista seja perene”
Quais são os setores que têm o cooperativismo mais forte em Minas Gerais?
Vamos começar pelo agro, que representa uma parte importantíssima dos R$ 157,8 bilhões movimentados pelas cooperativas na economia do estado em 2024. Nisso aí, 53 bilhões vieram do agro, conforme o nosso anuário, da pecuária, do leite, do café, do algodão, da soja, das frutas, da cachaça, das flores. O agro é muito diversificado.
Depois vêm as cooperativas de crédito. Nós temos o Sicoob com as suas duas grandes centrais, a Crediminas e a Cecremge. O crédito em Minas Gerais tem também o Unicred, tem o Cresol, o Sicredi chegou agora e está crescendo. Nossas 181 cooperativas de crédito movimentam R$ 83,2 bilhões.
O terceiro ramo é o da saúde, principalmente as Unimeds, que representa 123 cooperativas que movimentam em torno de R$ 16,5 bilhões. Esses são os três setores mais importantes, mas nós temos um quarto setor em grande e acelerado desenvolvimento, que é o do transporte. São 169 cooperativas, de carga, que tiveram um trabalho fantástico na pandemia, e de pessoas, principalmente os táxis e o transporte escolar.
Fale sobre o trabalho do Sistema Ocemg para formar lideranças.
Temos 3,7 milhões de cooperados e mais de 60 mil pessoas trabalhando em cooperativas em Minas Gerais. O trabalho de capacitação, de treinamento, de reciclagem, de educação é o nosso legado. Não vamos chegar a lugar nenhum se não mudarmos a mentalidade das pessoas e transformarmos a cultura do próprio país. Nós temos, e eu falo isso com muito orgulho e com menos vaidade, um dos melhores projetos de capacitação de lideranças em gestão do país. E isso não sou eu que digo, são as pessoas, as lideranças que reconhecem o nosso trabalho.
“Novamente estamos aí como exemplo de sustentabilidade, de inclusão e de respeito”
Recentemente teve uma formação de líderes em Londres...
Nós começamos a preparar a nossa liderança aqui, com a nossa pedagogia, com o nosso grupo, preparando com os nossos cursos internos, o Formacoop, e passamos para a parceria com a Dom Cabral, onde construímos o alicerce de um tour internacional.
Preparados na Dom Cabral, os grupos vão para Lisboa para ver Gestão de Negócio. Em Lisboa já foram 13 grupos de 25 dirigentes. Feito Lisboa, nós vamos para Sankt Gallen, na Suíça, para ver Governança. Já foram nove grupos, e agora está indo o décimo.
Feita a Governança, nós vamos a Dublin, no Trinity College, aquele colégio por onde passaram Oscar Wilde e Samuel Beckett, a grande universidade de Dublin, onde o pessoal vai ver Inovação. Feita a questão da Inovação, nós vamos para Aarhus, na Dinamarca, onde o próprio rei Frederik X se formou. Lá tem um fantástico projeto para as nossas lideranças em Criatividade.
Feito Aarhus, nós pulamos então para o top do ranking mundial em MBA, em Gestão, em Liderança, de acordo com o ranking do Financial Times, nós vamos para a London Business School. Fomos o primeiro grupo de brasileiros aceitos na London, porque muitos brasileiros individualmente já tinham ido, mas em grupo nós fomos os primeiros. E eles se encantaram com o nosso grupo, a qualidade do pessoal aqui de Minas Gerais, e instituíram o nosso projeto para o mundo.
Agora eu descobri o Wharton, na Filadélfia, que tinha desbancado o MBA da London, e já estamos no terceiro grupo. Não satisfeitos com a Filadélfia, nós fomos para a Insead, na França, para onde levamos o primeiro grupo de dirigentes. E eu já estou preocupado para onde levarei esse grupo rompedor no próximo ano. Estou pensando em Singapura.
O senhor tem um título reconhecido internacionalmente no cooperativismo…
Não sei, eu tenho uns títulos por aí. Eu fico muito alegre porque, cronologicamente, eu sou o decano do cooperativismo brasileiro. Não tem ninguém em exercício como eu estou até hoje, com a minha idade. Eu sou o mais antigo cooperativista, mesmo porque, o ex-ministro Roberto Rodrigues e tantos outros, vieram muito depois. Quando a Ocemg foi constituída, eu já era cooperativista. Aliás, eu já era cooperativista quando a OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), a nossa casa máter, foi constituída.
Qual é a importância dos jovens para o Sistema Ocemg e para o cooperativismo?
Precisamos dar apoio total à juventude. Nós precisamos do jovem que chega com a fluência digital, com conhecimento de robotização, a internet das coisas, a inteligência artificial e toda tecnologia que vai chegando com uma rapidez muito grande. Precisamos de decisões eficazes no momento, não podemos ficar esperando, pensando a respeito do que decidir. Nós precisamos de cabeças jovens.
Precisamos parar de ficar aplaudindo a mídia internacional e, às vezes, a nacional denegrindo o nosso jovem, dizendo que ele não quer nada, só balada, que são um bando de nem-nem, que nem estudam e nem trabalham. Não é assim. Não vamos cometer esse crime com aquele que está chegando. O jovem quer trabalhar, o jovem quer estudar, o jovem quer ser orientado e é por isso que nós, na Ocemg, temos projetos específicos para a juventude. Nós queremos formar novos líderes para que o nosso projeto cooperativista seja perene.
As mulheres também tiveram uma importância muito grande na vida do senhor.
Eu devo a duas mulheres onde eu cheguei: à minha mãe, Júlia, e à minha avó, Hortense. E é por isso que dentro do cooperativismo, especialmente da Ocemg, nós temos um comitê de mulheres. São 11 mulheres fantásticas no nosso comitê, tem uma médica pediatra, temos a presidente de uma cooperativa rara, a única cooperativa da América do Sul, aliás, acho que das Américas, de manutenção de aeronaves.
Foram a sua mãe e a sua avó que te incentivaram a não desistir de estudar e ser quem o senhor é, com cinco títulos acadêmicos, inclusive mestrado e doutorado…
Quando tomei bomba em matemática, o professor disse que eu não formaria nunca porque eu não tinha raciocínio lógico. Eu cheguei em casa chorando porque, naquela época, com 12 anos, realmente era um menino. A minha mãe buscou a mãe dela e as duas falaram: “Você vai estudar sim e vai ser brilhante porque nesse mundo ninguém sabe tudo, nem o professor, que, se soubesse, não teria falado isso”. Elas não foram lá brigar com o reitor, não foram brigar com o professor que falou que eu era burro. Elas me ajudaram e é por isso que eu reverencio as mulheres, e na Ocemg elas têm prioridade.
E quais são os próximos passos do Sistema Ocemg?
Cada um de nós tem que ter um legado. Eu costumo dizer que é preciso andar com a “LIA”. São três letras. O “L“ é o legado, que não é deixar uma casa na praia, um helicóptero, nada disso, é deixar a cultura, o bem-estar, o gostar das pessoas.
O “I” é a integridade, é fazer a coisa bem feita, fazer coisa boa, parar com o radicalismo ideológico, as pessoas terem conexão com o ambiente, cuidar do nosso lar, da nossa Terra. É as pessoas terem compromisso com a família e com os amigos. É a pessoa ter o controle das suas próprias ações. Isso é muito importante para que a gente tenha sucesso nos nossos empreendimentos. O cooperativismo é assim. É por isso que nós defendemos o cooperativismo como o meio sustentável de progredir.
O “A” é o amor, é fazer as coisas com afeto, olhando nos olhos das pessoas e passando para ela uma energia positiva a cada contato que você tem. Esse é um cooperador, é a pessoa que está aí. Nós estamos formando os nossos dirigentes conduzindo desta forma o legado, a integridade e o afeto do amor.