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Site explica taxa de 20% e idas e vindas em vaquinha para socorrista de Juliana Marins

Campanha para ajudar socorrista de Juliana Marins gera crise na página Razões para Acreditar e levanta dúvidas sobre taxas de sites de vaquinhas

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma campanha para ajudar Abdul Agam, socorrista voluntário que participou do resgate da brasileira Juliana Marins no Monte Rinjani, na Indonésia, transformou-se em uma crise para a página Razões para Acreditar, que tem 6,3 milhões de seguidores no Instagram, e gerou dúvidas sobre as políticas de taxas cobradas por sites de vaquinhas e arrecadação para causas sociais.

Especializado em histórias positivas, o Razões para Acreditar tem também uma plataforma de arrecadação de fundos, o Voaa, na qual foi criada a campanha para o alpinista indonésio.

Neste domingo (30), os organizadores decidiram devolver o dinheiro a quem doou e cancelar a vaquinha, que arrecadou mais de R$ 520 mil, após serem alvo de críticas por cobrarem uma taxa de 20% sobre o valor -porcentagem padrão do site, que neste caso chegaria a R$ 104 mil.

Um dia depois, após mais críticas, a empresa voltou atrás e disse que enviaria o valor para Agam, mas sem cobrar nenhuma taxa. "A escuta atenta aos comentários e sugestões nos mostrou que, mesmo após o cancelamento, esse apoio continua sendo importante, e foi por isso que decidimos manter a campanha", respondeu à Folha de S.Paulo, por escrito, o sócio-fundador do Razões para Acreditar, Vicente Carvalho.

Segundo ele, a taxa de 20% cobre custos operacionais e permite reinvestimento em mídia e amplificação. "Assumimos 100% da curadoria, verificação, produção de conteúdo, gestão jurídica e financeira e acompanhamos de perto cada história até seu desfecho", disse, acrescentando que essa operação exige "uma estrutura robusta, custos fixos e um modelo de operação mais criterioso".

Carvalho rebateu alegações de que sua equipe teria pedido exclusividade a Agam na arrecadação -o guia inicialmente negou a ajuda, depois colocou seus dados bancários e, por fim, trocou-os pelo link da Voaa. "A decisão de compartilhar o link da campanha da Voaa foi dele, de forma espontânea."

Ele afirmou que estuda melhorias na comunicação dessa taxa aos doadores. Atualmente, o desconto de 20% é informado na página de cada vaquinha, nos Termos de Uso do site e na seção de dúvidas. "Mesmo com todos esses cuidados, reconhecemos que toda comunicação pode, e deve, ser revisada constantemente."

A própria política de taxas será reavaliada, acrescentou, "com responsabilidade, para preservar a sustentabilidade da plataforma e a integridade das campanhas".

Via de regra, as plataformas de financiamento coletivo cobram alguma taxa, que varia de acordo com o modelo de negócios e com os serviços agregados. A reportagem ouviu especialistas em cultura de doação e fundadores de outras plataformas do tipo para entender por que esses valores são cobrados e como são aplicados.

Primeiro serviço do tipo, criado já 16 anos, o Vakinha desconta, além de uma taxa de 6,4% do total doado, R$ 0,50 por doação e um valor extra pelo saque do dinheiro arrecadado -de R$ 5 para um prazo de três dias e R$ 9,99 para aqueles feitos em 1 dia útil.

Luiz Felipe Gheller, CEO da plataforma, diz que esses valores bancam os gastos com meios de pagamento, 50 funcionários e serviços como tecnologia antifraude. "A taxa tem que ser justa e relacionada ao valor entregue. A pessoa sempre tem a opção de fazer de graça direto na conta bancária, mas usando um serviço de terceiro, com toda a segurança e a reputação envolvidas, é normal que se pague pelo serviço. A gente sempre foi super transparente", diz.

Sites como Abacashi e Kickante cobram 6% sobre o valor arrecadado, enquanto no Catarse, o valor é de 13% -4% são para remunerar serviços de pagamento e anti-fraude e 9%, para custear equipe, ferramentas e impostos.

Para Roberta Faria, CEO da Mol Impacto, o problema não é a taxa, ainda que se possa discutir o valor. "O problema é como se pede a doação e como se presta contas sobre tudo o que está envolvido no pacote, para criar uma relação aberta de confiança entre quem doa, quem recebe e quem faz essa mediação. As explicações têm que fazer parte da jornada do usuário e não podem estar só em letras miúdas no rodapé", afirma.

Segundo Faria, o episódio pode ter um lado positivo, que é deixar claro que "nenhuma organização social ou negócio de impacto trabalha só por amor à causa". "Há impostos e custos -e, no caso dos negócios, há também lucro- sem os quais o trabalho social como um todo não é viável e sustentável. Essa é uma conversa difícil, mas necessária", afirma, apontando que dados do terceiro setor apontam que o overhead -a taxa que cobre os custos da campanha e da gestão da organização- costuma ser de 25% sobre cada dólar doado.

"Pagamos taxas por todos os produtos e serviços que usamos, como bancos e aplicativos de entrega, sem a mesma dureza no questionamento que se faz quando se trata de uma doação -não se pergunta com a mesma indignação quanto de fato fica para o motorista do aplicativo, por exemplo."

Para Tati Leite, CEO do Grupo Benfeitoria, esse tabu parece estar na raiz da polêmica. "No fundo, estamos acorrentados à ideia de que prosperar com causas sociais é pecado. Mas de outras formas, está liberado", diz. "Esse pensamento limita o ecossistema de impacto como um todo."

A Benfeitoria cobra uma taxa de 4,5%, que cobre os custos fixos como transações financeiras, sistemas anti-fraude e de disparo de emails automáticos, licenças de softwares e impostos.

Para bancar outros gastos administrativos e a margem de lucro, tanto o doador quanto quem cria a campanha é convidado a deixar uma comissão voluntária. "Em momentos de muito movimento, temos margem. Em momentos de pouco movimento, prejuízo. Mas, com emoção, a conta fecha -e por conta da generosidade brasileira, uma das maiores belezas que temos", diz Leite.

Algumas empresas optam por taxas variáveis. Especializada em criar páginas de doação para ONGs, a Bliiv desconta do total arrecadado um valor que vai de 3% a 10%. "Quanto mais se capta, menor é a taxa. Assim, mantemos um equilíbrio", afirma Rodrigo Franzot, CEO da empresa.

Ele aponta para o desafio que é informar sobre custos administrativos sem desencorajar o ato de doação. "Se um site de ingressos cobra uma taxa, mesmo que a pessoa ache ruim, ela não desiste porque quer ir ao evento. No caso de doações, a vontade esfria, a pessoa deixa para depois e acaba não doando. Tem que alinhar bem a forma de comunicar. O que não pode é tentar esconder a informação."

Daniela Saraiva, coordenadora do Movimento por uma Cultura de Doação, diz que a polêmica atual pode causar ruído na opinião pública, mas pode ser uma chance de mostrar as necessidades de quem trabalha no campo social.

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Ela destaca a necessidade de que organizações da sociedade civil tenham recursos para seu desenvolvimento institucional, invistam em tecnologia e em "profissionais qualificados, bem remunerados, capazes de implementar programas de mudança sistêmica e de comunicar suas causas e seus resultados de maneira engajadora e clara". "A profissionalização do setor vem daí", afirma.

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