Celebração de almas

Como é o casamento na Umbanda: a união sagrada sob a luz de Oxalá

Um dos elementos mais marcantes da cerimônia é a vestimenta branca, usada não só pela noiva, mas por padrinhos e convidados

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No último sábado, sob a luz suave do fim de tarde, um casal de noivos se uniu em matrimônio, no parque do Mirante da Pampulha, em Belo Horizonte. Aquele dia, Festa de Cosme e Damião e dos Meninos de Angola, a cerimônia teve um caráter festivo maior.




A noiva carregava nas mãos um buquê de erês – com várias bonequinhas pretas feitas em tricô. Enquanto o noivo, descalço, caminhava pelo chão sagrado, o som dos tambores nos alertava, que aquele casamento era diferente. Era um ritual divino da Umbanda, comandado pela Mãe Carla Rodrigues, que pela segunda vez, teve as bênçãos dos Orixás e de Pai Oxalá, o criador de tudo, para abençoar o enlace dos noivos filhos de fé. 


Em um mundo cada vez mais diverso, onde as tradições espirituais se entrelaçam como fios de uma tapeçaria ancestral, o casamento de Nayara Oliveira e Ricardo França na Umbanda desperta curiosidade e admiração. Na cerimônia sincrética, a noiva fez uma homenagem à avó, carregando o terço que ela usava em vida.

Muitos se perguntam: como é esse rito tão cheio de simbolismo e vibração? Qual a diferença para o tradicional casamento católico? E por que, ao contrário das cerimônias ocidentais, os convidados também podem – e devem – vestir-se de branco, ao lado da noiva?


Vamos explorar essas questões com sensibilidade, em uma celebração frequentemente realizada ao ar livre, em conexão com a natureza – e destacando a bênção de Oxalá, o Orixá maior, conhecido como Deus Pai, guardião da criação, da fé e da harmonia universal.




Celebração de almas

Mãe Carla celebrou o casamento do Casal Nayara e Ricardo, na Pampulha,em BH
Mãe Carla celebrou o casamento do Casal Nayara e Ricardo, na Pampulha,em BH Tomaselli Fotografia

Na Umbanda, o casamento é um ritual profundo de fusão espiritual, muitas vezes realizado ao ar livre, em espaços como terreiros ou áreas naturais, onde a energia dos Orixás e da natureza se harmonizam. Essa característica de "casamento aberto" refere-se ao ambiente físico, que permite a livre circulação do axé (força vital) e a conexão direta com os elementos da criação. A cerimônia conduzida pela Mãe Carla Rodrigues, começou com entradas simbólicas: padrinhos representando equilíbrio (um para cada noivo), seguidos pelo líder espiritual e sua ajudante, que tocam sinos para invocar as presenças espirituais. As alianças, consagradas pelos Orixás, selam um compromisso que transcende o plano material.


Diferente de uma festa convencional, o foco está na troca de energias: cantos, danças suaves e oferendas alinham o casal com os guias e entidades. É uma união que acolhe o humano em sua totalidade – com alegrias, desafios e crescimento –, abençoada pelas forças da natureza e dos ancestrais. Como diz a Mãe Carla: “trata-se de deixar de ser parte para tornar-se todo, fortalecendo o axé do casal”. Mãe Carla ainda ressalta a presença dos Orixás na cerimônia: “a noiva quis homenagear o noivo com o ponto de Iansã que ele mais gosta, na hora que falei: ‘eparrey Iansã’, iniciou um vendaval e sentimos a presença da Mãe dos Ventos’.




Diferenças com o rito Católico



Embora a Umbanda dialogue com o catolicismo – muitos Orixás são sincretizados com santos, como Oxalá com Jesus Cristo ou Nosso Senhor do Bonfim –, o casamento umbandista se distingue pela sua fluidez e integração de elementos afro-indígenas. No rito católico, a cerimônia é hierárquica e litúrgica: o padre, como mediador exclusivo, conduz votos perante o altar, enfatizando a indissolubilidade do sacramento sob a autoridade eclesial. É uma solenidade vertical, com ênfase na confissão e na graça divina transmitida pela Igreja.


Na Umbanda, o ritual é circular e comunitário, muitas vezes ao ar livre, onde o pai de santo atua como canal vivo para as entidades. Invocações a Orixás como Oxum (amor e águas doces) ou Xangô (justiça) misturam-se a preces católicas, criando um sincretismo que honra múltiplas heranças. Não há rigidez dogmática; há espaço para a espontaneidade das giras espirituais, onde guias podem se manifestar para abençoar o casal. Essa abertura reflete a essência umbandista: uma religião de portas escancaradas, que celebra o amor como força transformadora, sem julgamentos, mas com respeito à jornada individual.


De acordo com a celebrante Mãe Carla: “o casamento católico segue um rito fixo dentro da liturgia da Igreja, com leitura bíblica, votos e bênção do padre. Já o casamento na Umbanda é mais livre e simbólico: envolve cantos sagrados (pontos), bênçãos com ervas, elementos da natureza e a presença espiritual dos Orixás e entidades. Enquanto o católico é mais silencioso e formal, o casamento na Umbanda é vibrante e participativo, mas ambos têm o mesmo propósito: abençoar o amor com seriedade e devoção”.


Para casais mistos – um católico e um umbandista, por exemplo –, o diálogo entre tradições é possível e enriquecedor, desde que enraizado no respeito mútuo. A maior semelhança? Ambas buscam a bênção de um ser Superior para guiar o amor.


 Branco para todos


Um dos elementos mais marcantes do casamento umbandista é a vestimenta branca, usada não só pela noiva, mas padrinhos e convidados. Por quê? O branco não é apenas estético, mas um portal para o sagrado. Representa pureza, paz espiritual e fraternidade, refletindo todas as cores do arco-íris em uma só luz unificadora. Na Umbanda, essa cor evoca serenidade e assepsia astral, preparando o ambiente – especialmente ao ar livre – para a elevação das vibrações.


Mais profundamente, o branco é a cor de Oxalá, o Orixá da criação, que rege a fé na Umbanda Sagrada. Vestir-se de branco é um ato de humildade e entrega, convidando a presença do Pai Maior para envolver a todos em sua capa de paz. Diferente do ocidente, onde o branco da noiva simboliza virgindade e exclusividade, na Umbanda ele é coletivo: uma teia de luz que conecta a comunidade ao divino, reforçando que o amor se expande, não se isola. Convidados em branco não "competem" com a noiva; eles criam o campo energético da união, sob a guarda de Oxalá.


Bênção de Oxalá

 

No casamento da Umbanda, um grande Congá foi instalado no jardim com Oxalá e santos católicos, orixás e entidades espirituais como caboclos e boiadeiros
No casamento da Umbanda, um grande Congá foi instalado no jardim com Oxalá e santos católicos, orixás e entidades espirituais como caboclos e boiadeiros Casa de Caridade ComPartilhar/Divulgação




Os convidados e padrinhos eram de diversas religiões: Umbanda, Candomblé, Católicos, Evangélicos e Agnósticos. “A emoção foi unânime. Todos, independentemente da religião, acolheram a cerimônia com respeito e se emocionaram profundamente com a força espiritual presente”, emociona Mãe Carla. No cerne da celebração – com o rito ao ar livre, as diferenças sincretizadas e o manto branco coletivo – pulsa a bênção de Oxalá, o Deus Pai.

Como Orixá da paz e da origem, ele é invocado no início e no fim da cerimônia, consagrando as alianças com sua energia criadora. "Recebam, da Umbanda e do Orixá Oxalá, a realização do laço de união em casamento", ecoam as palavras rituais, pedindo sabedoria, cumplicidade e axé para o casal. Oxalá não impõe; ele ilumina, ensinando que o amor verdadeiro é como o branco: puro em sua essência, mas capaz de abraçar todas as cores da vida.


Em tempos de intolerância, o casamento na Umbanda, muitas vezes celebrado sob o céu aberto, nos lembra que o sagrado é inclusivo. Que a bênção de Oxalá, Pai da Criação, toque não só os noivos, mas todos nós: que possamos vestir o branco da paz em nossos corações, celebrando uniões que honram a diversidade divina. Axé!



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