Parada LGBT+ em Teófilo Otoni sofre ataque a bomba
Não é a primeira vez que a Parada enfrenta situações hostis; em 2024, um rapaz foi agredido dentro de um ônibus após defender a realização do evento
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Siga noUm grupo de homens dentro de um veículo lançou uma bomba de artifício por volta das 21h30 desse sábado (23/8), próximo à Praça Tiradentes, em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, durante a realização da 4ª Parada do Orgulho LGBT+. Apesar do susto, não houve feridos.
Não é a primeira vez que a Parada enfrenta situações hostis. Em 2024, um rapaz foi agredido dentro de um ônibus após defender a realização do evento, relembra André Luiz Dias, diretor do Instituto In-Cena, organizador da Parada em parceria com o Coletivo LGBTudo. “A ação desse sábado aconteceu no momento em que havia vereadores, representantes do SindUTE, da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB e parceiros culturais na Praça”, disse André.
Segundo ele, tanto o Instituto quanto o Coletivo estão reunindo informações para registrar boletim de ocorrência. A reportagem aguarda retorno da Polícia Militar sobre o caso.
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A Parada e seus desafios
A Parada LGBT+ em Teófilo Otoni tem caráter formativo, pedagógico, artístico e social, buscando discutir pautas da comunidade e ampliar espaços de acolhimento. O evento deste ano teve como tema “Saúde Mental dentro do universo LGBT+” e reuniu conversas com profissionais de psicologia, ressaltando o impacto da saúde mental para esse público.
Apesar da relevância cultural e social, a realização do evento enfrenta dificuldades. André relata que a gestão municipal, ligada a grupos de extrema direita e segmentos religiosos, negou apoio em pontos básicos, como a liberação de banheiros físicos.
“A prefeitura nos negou até o acesso aos banheiros públicos da Praça, que funcionam só até 12h no sábado, mas tem o seu horário estendido em eventos culturais. Oficializamos o pedido, mas não tivemos retorno. Ainda fizemos a proposta de pagar os funcionários pelas horas extras trabalhadas, mas também recebemos uma negativa. Isso mostra o quanto ainda enfrentamos preconceito e falta de compreensão do caráter social do evento”, critica.
A vereadora Eliane Moreira (PT) chegou a intervir após pressão da organização e conseguiu liberar parte da estrutura, mas o aluguel de banheiros químicos já havia sido realizada pelo valor de R$ 500.
Custos e rede de apoio
Com pouca ajuda institucional, os custos ficaram concentrados nas entidades organizadoras e apoiadores locais. Segundo André, foram gastos aproximadamente R$ 20 mil, dos quais:
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R$ 7,3 mil para a estrutura da Parada
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R$ 3 mil em iluminação
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R$ 2 mil em alimentação
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R$ 4 mil em cachês artísticos
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R$ 8 mil em hospedagem
Cerca de 66 pessoas estiveram envolvidas diretamente, sendo 23 da Baixada Fluminense; 4 drag queens de Belo Horizonte; dois profissionais para iluminação e música também da capital; dois artistas de Governador Valadares; entre artistas da própria cidade.
Apesar das dificuldades, o evento movimentou a economia local. “O setor de táxis, hotéis, restaurantes e até barracas da praça lucram com a Parada. Mas toda a rede de financiamento ainda sai do próprio coletivo e dos apoiadores. A cultura gera renda, mas não temos o reconhecimento do poder público municipal”, explica André. "Vimos um comentário de um vendedor de cachorro quente que elogiou a organização, educação e a música", complementa.
“Esse movimento não é só sobre arte. É para que adolescentes, como os dois jovens de 17 anos que se beijaram na Praça, possam ter liberdade. Esse movimento é para eles, para todos nós”, destaca André.
Resistência
Teófilo Otoni, marcada por forte influência religiosa, ainda apresenta resistência a pautas ligadas à diversidade sexual e de gênero. Para André, isso reforça a importância da Parada como espaço de visibilidade. “Nós estamos falando de um espaço social e político para acolher. Meus filhos estavam na Praça e viram o ataque. Isso mostra como ainda precisamos enfrentar o preconceito. Mas, ao mesmo tempo, uma senhora atravessou a praça e nos elogiou. É isso que nos fortalece, mesmo diante da desumanidade”, afirmou.
O Coletivo LGBTudo, criado por Bruny Murucci, marido de André, há sete anos, vem articulando ações internas e de visibilidade para a comunidade. Em 2024, conquistou dois prêmios nacionais: o Prêmio do Ministério da Cidadania e o Prêmio Sérgio Mamberti (Funarte), reconhecendo o trabalho artístico e social. Em setembro, o coletivo receberá mais uma homenagem: a de honra ao mérito pelas ações sociais e culturais no Palácio das Artes.
Crime de homofobia
Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a homofobia e a transfobia ao crime de racismo (Lei nº 7.716/1989). A pena prevista é de reclusão de um a três anos e multa, podendo chegar a cinco anos se praticada por meio de comunicação. A decisão torna a homofobia um crime inafiançável e imprescritível. Em 2023, o STF ainda reconheceu que atos de injúria contra pessoas LGBTQIA+ também podem ser enquadrados como injúria racial, uma vez que a Lei nº 14.532/2023 equiparou a injúria racial ao crime de racismo.
Além disso, a Constituição de 1988 garante igualdade de direitos e o Brasil é signatário de tratados internacionais contra discriminação. Dependendo das circunstâncias, atos homofóbicos também podem ser enquadrados como injúria, difamação ou lesão corporal.