Publicidade
Carregando...


A Lei 9.307/1996, que instituiu a arbitragem no Brasil, completará 30 anos ano que vem. A arbitragem no Brasil deu certo? É uma medida eficaz para agilizar a solução de conflitos ou o brasileiro mostra uma resistência à sua utilização, pela cultura contenciosa que desenvolveu?


Sim, a arbitragem no Brasil deu muito certo. Mais do que isso, a arbitragem no Brasil é definitivamente um caso de sucesso. Desde a edição da Lei 9.307/1996 e, especialmente, após a declaração de sua constitucionalidade pelo STF, em 2001, o instituto consolidou-se como um dos principais meios de solução de conflitos empresariais. Hoje a arbitragem é amplamente adotada em contratos no setor de infraestrutura e energia, em disputas societárias, bem como em conflitos envolvendo a administração pública, que cada vez mais utiliza a arbitragem. Os dados mais recentes disponíveis confirmam isso: em 2023, nas oito principais câmaras do Brasil, foram iniciados 318 novos procedimentos arbitrais, envolvendo mais de R$ 29 bilhões em disputa.


O Brasil tem uma cultura historicamente voltada para os métodos judiciais de solução de conflitos, mas isso vem mudando de forma significativa ao longo dos últimos anos. Há uma inegável tendência de busca para outros métodos mais adequados para solução de conflitos, especialmente os empresariais, entre os quais se destaca a arbitragem, que tem como principais vantagens a especialização dos árbitros, a celeridade e a confidencialidade que em regra é adotada.


Quais os gargalos da arbitragem no Brasil para que se efetive como uma via capaz de reduzir a judicialização, cada vez mais crescente? Quantos processos arbitrais a CAMARB já administrou em sua história?


É preciso, antes de tudo, relativizar a expectativa de que a arbitragem seja a solução para a sobrecarga do Poder Judiciário. O caminho para reduzir a judicialização passa, sobretudo, por uma mudança cultural na forma como lidamos com conflitos, estimulando outros meios consensuais de resolução de controvérsias, como a mediação, a conciliação e a negociação.


A arbitragem destina-se apenas a litígios que envolvem interesses patrimoniais e disponíveis, e, em regra de maior complexidade. Ela não é, nem deve ser, a via adequada para se resolver toda e qualquer disputa. Basta ver que, enquanto o Brasil conta com dezenas de milhões de processos judiciais em curso, as arbitragens em andamento no Brasil, se consideradas as principais Câmaras, giram em torno de 1.200.


Há sim desafios que precisam ser enfrentados para que a arbitragem se desenvolva ainda mais em nosso país. O desafio cultural é um deles. O conhecimento do procedimento arbitral e sua adequação a determinados litígios precisam de constante divulgação.


É preciso também que se invista cada vez mais na formação de profissionais que atuarão como árbitros e advogados em arbitragens. Para a isso, a CAMARB, atualmente presidida pelo Dr. Christian Lopes, advogado e árbitro com larga experiência, desempenha importantíssimo papel, com a sua Competição Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial, o maior evento de arbitragem da América Latina e a maior competição acadêmica em língua portuguesa do mundo, que, há quase 20 anos, ajuda na formação de estudantes e jovens advogados brasileiros e integrantes de comunidades lusófonas para os futuros litígios arbitrais.


O Poder Judiciário brasileiro, de igual modo, sempre exerceu importantíssimo papel na consolidação do instituto como método adequado de solução de conflitos. Seja quando afirma as convenções de arbitragem, seja quando rechaça as ações anulatórias de sentenças arbitrais desprovidas de fundamento e que buscam reexaminar o mérito da decisão arbitral.


Ao longo de 27 anos de atuação, a CAMARB já administrou mais de 500 procedimentos arbitrais.

Muitos reclamam que a arbitragem não é tão ágil como se imaginava, seus custos são altos e privilegia um pequeno grupo de profissionais que atuam como árbitros. Isso é verdade?


A percepção de que a arbitragem não é tão ágil quanto se imaginava deve ser analisada com cautela. Segundo os dados mais recentes, o tempo médio de duração dos procedimentos arbitrais nas oito principais instituições brasileiras foi de pouco menos de dois anos.


A celeridade de um procedimento arbitral depende de múltiplos fatores, dentre eles a complexidade da matéria em disputa, a postura das partes envolvidas e a disponibilidade de advogados, árbitros e peritos. Em casos que demandam produção de prova técnica, especialmente em disputas decorrentes de contratos de construção, os prazos podem naturalmente se alongar, o que não pode ser visto como uma falha do instituto, mas sim algo decorrente da complexidade da matéria em discussão que, certamente, se levada ao Poder Judiciário, poderia ter trâmite bem mais alongado.


Quanto aos custos, é importante compreender que eles são relativos e variam de acordo com o montante em disputa. Em um primeiro momento, as custas dos procedimentos arbitrais podem assustar e parecer mais elevadas. Contudo, é preciso que se considere que os procedimentos arbitrais resolvem-se em tempo infinitamente menor que aquele usualmente gasto no Poder Judiciário, o que inevitavelmente acarreta economia financeira, sobretudo se considerados os custos de oportunidade. Além disso, na arbitragem não há, em regra, salvo se convencionado pelas partes, os chamados honorários de sucumbência, que, no processo judicial, decorrem de imposição legal, e variam de 10% a 20%.


As custas e despesas da arbitragem refletem também a especialização dos árbitros e a maior celeridade e flexibilidade conferidas ao procedimento.


Não acredito que a arbitragem privilegie um pequeno e seleto grupo de profissionais. O mercado, como se disse, ainda não é muito grande e, em decorrência disso, o número de profissionais nele envolvidos tende a ser menor, mas isso não significa qualquer tipo de privilégio. Os árbitros, assim como os advogados são, em regra, escolhidos livremente pelas partes e é cada vez maior o número de profissionais qualificados para essa função.


Além disso, as instituições de arbitragem estão constantemente preocupadas em promover a qualificação e as oportunidades de acesso a profissionais que desejam atuar nesse mercado, incentivando a diversificação. Há, especialmente no Brasil, uma enormidade de eventos, cursos e grupos de estudos especializados cuja participação é aberta ao público, contribuindo para a formação contínua e a democratização do conhecimento sobre a arbitragem.


A CAMARB inaugurou, em 2022, uma representação em Portugal. Como anda esse projeto ? A cultura da mediação e arbitragem na Europa é diferente da nossa? Há contratos entre empresas de países de língua portuguesa que estabelecem cláusula compromissória arbitral vinculada a tribunais arbitrais de países como os Estados Unidos, por exemplo, de cultura totalmente distinta. Por que isso acontece? Há uma solução?


A CAMARB, ao inaugurar seu escritório de representação em Lisboa, deu um passo importante na consolidação de sua atuação internacional e no fortalecimento das relações entre Brasil e Portugal no âmbito da resolução adequada de disputas. Desde então, o projeto vem avançando de forma consistente, com marcos significativos, como a celebração do convênio de cooperação entre a CAMARB e a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira (CCILB) em dezembro de 2024. A partir disso, em março de 2025, foi publicada a Resolução Administrativa nº 34/25 que determina que os procedimentos de arbitragem, mediação e dispute boards, solicitados antes ou após a assinatura do referido convênio, que em suas respectivas convenções de resolução de disputas façam menção à CCILB, serão administrados pela CAMARB, nos termos de seus Regulamentos e Tabelas de Custas e Despesas vigentes à época da solicitação do procedimento. Por meio desse convênio, a CCILB tornou-se também entidade associada da CAMARB.


A presença da CAMARB em Portugal também se reflete em sua Lista de Árbitros, que atualmente conta com 23 profissionais portugueses e na estrutura administrativa local, que conta com um vice-presidente Lisboa, responsável por coordenar as atividades da representação.


A CAMARB apoia os principais eventos de arbitragem que acontecem em Portugal, e conta já há alguns anos com a participação de equipes portuguesas na Competição Brasileira de Arbitragem e Mediação Empresarial. De forma a fortalecer o vínculo com a comunidade acadêmica, foi firmado também um convênio de cooperação com a Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Essas iniciativas reforçam o intercâmbio entre os dois países, promovendo a disseminação de boas práticas na arbitragem em ambos.


Sobre a cultura de arbitragem e mediação na Europa, um fator relevante que devemos levar em consideração é o tempo. Enquanto a nossa Lei de Arbitragem está completando 30 anos, há países europeus que já possuem muito mais tradição na condução de procedimentos arbitrais, como é o caso do Reino Unido e da França.


Apesar disso não se pode dizer que haja, no âmbito das arbitragens que tramitam na Europa e no Brasil, uma diferença cultural radical. A arbitragem na Europa adota, em geral, padrões internacionais que, por vezes, se aproximam mais do sistema de common law e não tanto da prática de civil law que temos no Brasil. Mas gradualmente o Brasil tem se alinhado a esses padrões, aproximando-se de práticas internacionais já consagradas. Exemplo disso são o uso cada vez mais frequente das IBA Rules, a adoção de depoimentos escritos e a realização de provas técnicas por meio de peritos das partes e não de perito indicado pelo Tribunal Arbitral.


Quanto à escolha de tribunais estrangeiros, casos envolvendo empresas europeias podem eventualmente prever cláusulas compromissórias com sede da arbitragem nos Estados Unidos na expectativa de ter um foro neutro para resolução dos conflitos. Não se trata necessariamente de buscar uma solução para isso, é natural que partes de países distintos escolham um foro neutro para resolução de seus eventuais conflitos, dissociado de seus respectivos países.


Não obstante, é certo que a escolha da sede da arbitragem depende também da confiança das partes e advogados nas instituições locais, no Poder Judiciário local, e na maturidade da prática arbitral. À medida que o Brasil e outros países lusófonos consolidam boas práticas internacionais e promovem a capacitação de seus profissionais, como a CAMARB vem fazendo, as partes passam a ter mais segurança no procedimento arbitral.

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay