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O Sr. se formou em direito, em 1985, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e é mestre e doutor pela PUC/SP. Foi promotor de Justiça e, após pedir exoneração, foi procurador do Sesi e da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, de onde saiu para assumir o cargo de procurador da República do Ministério Público Federal. Chegou ao TRF-5ª Região pelo quinto do ministério público e foi nomeado, em 2015, para o Superior Tribunal de Justiça, onde é ministro até hoje. O Sr., no STJ, faz parte da 5ª Turma, que trata de matéria penal, sendo, inclusive, um dos expoentes da Corte nesse tema. Temos um código penal de mais de 80 anos, que remonta a década de 1940. Como o Sr. enxerga a necessidade de um novo código e as iniciativas do legislador em instituir novos crimes e penas conforme o anseio popular?
Mais do que um novo Código Penal, precisamos de um novo Código de Processo Penal ou, quando menos, de uma revisão do atual CPP. Ele tem muitos trechos antiquados, quando não em descompasso com a atual Constituição. Embora seja frequentemente atualizado, o legislador esquece trechos que deixam o estatuto processual criminal muito frágil e lacunoso, e isso dificulta a escorreita aplicação da lei penal diante da realidade do crime no Brasil hoje em dia, dominada pelas organizações criminosas, pelo crime internacional e pela criminalidade cibernética. Esse problema do CPP, eu o vejo como o principal responsável pelo uso abusivo do habeas corpus: os réus e advogados não contam com uma estrutura processual – especialmente recursal – rápida e eficaz, e, naturalmente, voltam-se para o HC. Eu proponho para o processo penal o mesmo que se fez com o processo civil nos anos 1990. As chamadas minirreformas. Com elas é possível contornar a dificuldade de aprovar todo um novo código, mediante leis curtas, que incidem em pontos cruciais do atual CPP e o renovam para a realidade de hoje em dia.
Em comemoração aos seus 10 anos como ministro do STJ, foi lançado o livro “Marcelo Navarro Ribeiro Dantas – 10 anos no Tribunal da Cidadania”. O que significa essa obra para o Sr. e o que os operadores do direito poderão extrair dos textos que a compõem, elaborados por 25 autores?
Essa obra foi uma grande surpresa, que meu gabinete e vários amigos – e a Livraria Migalhas – prepararam em minha homenagem sem que eu soubesse. Significou uma grande felicidade pessoal pelo reconhecimento do meu trabalho. Para o leitor, é um repositório de artigos jurídicos de alta qualidade, escritos por grandes profissionais do direito, a respeito de vários assuntos de enorme interesse e que há de enriquecer a estante de qualquer um. Há trabalho de ministros e outros magistrados, professores, advogados... enfim, uma coletânea de excepcional qualidade.
O Sr. é tido como um magistrado dotado de uma qualidade técnica diferenciada e extremamente querido entre seus pares, o que foi ressaltado, inclusive, no prefácio elaborado pelo ministro Gurgel de Faria. Na visão do Sr., quais os principais desafios atuais da Justiça criminal? O sistema de justiça está preparado para enfrentar os chamados crimes eletrônicos que, de 281 mil casos em 2023 saltaram para mais de 2,1 milhões em 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública?
Os elogios a mim dedicados pelo ministro Gurgel de Faria devem ser atribuídos à grande e fraterna amizade que temos. Os desafios do sistema de Justiça criminal são muitos. Um deles, de que falei acima, é resolver o problema da fragilidade da legislação processual penal. Outro é estruturar um sistema de precedentes, para que nossa jurisprudência tenha mais estabilidade, coerência e previsibilidade – numa palavra, segurança jurídica. Ainda outro, é atualizar seus sistemas, não apenas os judiciários, mas os dos órgãos administrativos que lidam com a aplicação da lei e das decisões da Justiça, para enfrentar a criminalidade cibernética. É preciso, aí, não olvidar o treinamento de pessoal e garantir verbas para uma atuação mais eficaz de todas as instituições envolvidas. Precisamos partir do básico: no Brasil, a taxa de resolução dos crimes é muito baixa. Como podemos, assim, querer que eles sejam punidos, se não sabemos sequer quem os cometeu? E, acima de tudo, precisamos de uma mudança de mentalidade na sociedade. É necessário abrirmos os olhos para o fato de que, simplesmente criando mais crimes ou aumentando as penas dos que existem, estamos apenas enxugando gelo debaixo do nosso sol tropical. Não é a duração da pena, e sim a certeza de sua aplicação, que poderá dissuadir o delinquente. Não é simplesmente prendendo mais gente que iremos acabar com o crime organizado. Certo tipo de encarceramento apenas fornece mais mão de obra barata para as ORCRIMs. O que nos faz falta, cada vez mais, é uma investigação menos burocrática, mais tecnológica e baseada na inteligência, para quebrar as cadeias financeiras, que dão vigor às facções criminosas.