O novo presidente do TST
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Mineiro de Belo Horizonte, o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, tem a Justiça do Trabalho no sangue e na alma. Filho de um dos mais respeitados magistrados trabalhistas da história de Minas Gerais, conta nesta entrevista exclusiva para o DJ Minas sua trajetória, seu aprendizado como corregedor-geral da Justiça do Trabalho e seus desafios ao lado dos dois ministros mineiros que compõem a direção do TST. A relação com o Supremo Tribunal Federal (STF) e os riscos para a empregabilidade criados pela inteligência artificial são alguns outros pontos abordados por quem reconhece que viveu a “vida respirando os princípios de justiça social”.
O Sr. encerrou, no mês passado, mandato de corregedor-geral da Justiça do Trabalho. Quais as maiores conquistas alcançadas por sua gestão?
A experiência na Corregedoria-geral foi essencial para balizar a trajetória futura na presidência. A partir da corregedoria geral foi possível fazer um diagnóstico da Justiça do Trabalho em todas as regiões do país, em todas as unidades administrativas e jurisdicionais para identificar nossos maiores problemas e também nossas melhores práticas. Somos vinte e quatro tribunais em regiões socioeconômicas bastante diversas, com diferentes abordagens jurisdicionais em perspectivas de atuação em face de condições geográficas, econômicas e sociais, a exigir uma atuação concertada para alcançarmos o desiderato de acesso à justiça e garantia de direitos. Todavia, o maior desafio foi a implementação da Lei 14.824 de 2024, que alterou profunda e estruturalmente a configuração e atuação da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho com a ampliação das suas atribuições administrativas de forma excepcional. A corregedoria geral ficou simetricamente posicionada com a Corregedoria do Conselho da Justiça Federal, e ambas estruturadas sob a égide da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. De uma corregedoria regimental ascendemos a uma corregedoria com as mesmas atribuições da Corregedoria Nacional de Justiça e, para isso, foi necessária uma reestruturação no regimento do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que recebeu na sua estrutura a corregedoria, e não mais sob a égide do tribunal. Assim, os poderes fiscalizatórios administrativo, financeiro e disciplinar se tornaram mais efetivos e eficientes com a atuação ativa da corregedoria geral.
O Sr. foi eleito e assumiu a presidência do Tribunal Superior do Trabalho. Ao seu lado, como vice-presidente, assumiu o ministro Guilherme Caputo Bastos e, como corregedor-geral, o ministro José Roberto Freire Pimenta. Todos os três mineiros. Este fato inédito aumenta, ainda mais, a responsabilidade da nova direção e, ao mesmo tempo, gera uma sinergia maior? Como o Sr. enxerga essa oportunidade?
Somos três colegas de carreira da magistratura trabalhista e todos com muito tempo de serviço dedicado à Justiça do Trabalho. Qualquer administração exige de nós compromisso e muita dedicação, além de um respeito recíproco nas nossas atuações em prol da nossa instituição, porque as decisões são balizadoras de toda a atividade da Justiça do Trabalho, em face da verticalização administrativo-financeira e disciplinar, porque somos integrantes natos da composição do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Tudo isso exige de nós integração, serenidade e firmeza nas nossas decisões, além do que a ação integrada de nossas competências em cada um dos cargos é o que definirá o sucesso de nossas ações em prol da nossa justiça.
O Sr. vem de uma das famílias mineiras mais ligadas ao Direito do Trabalho, já que seu pai, o saudoso ministro Vieira de Mello, é dos mais lembrados da história do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Além disso, seu irmão Caio Vieira de Mello foi, também, vice-presidente do TRT-3. O que isso pode facilitar quanto ao exercício do mais alto posto da Justiça do Trabalho do país?
Meu pai foi juiz do trabalho e ministro do Tribunal Superior do Trabalho totalizando uma carreira de 44 anos de magistratura e meu irmão foi vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho e ministro do Trabalho. Vivi minha vida respirando os princípios de justiça social e isso foi determinante para minha escolha profissional, pois este foi meu mundo, por meio do qual entendi que o acesso à justiça deve ser garantido àqueles que realmente precisam da justiça e não daqueles que se servem da justiça. A minha jurisdição recebe pessoas vulneráveis, em relações assimétricas, e a Justiça do Trabalho, por força da lei, é o locus onde eles podem ter acesso a direitos e garantias. É uma justiça que exige uma sensibilidade especial do magistrado, porque a ele incumbe a conciliação do trabalho com o capital, em prol do crescimento econômico da nação, onde todos têm o direito a uma proporção dessa riqueza, porque para elas contribuem e de forma proporcional a lhes permitir uma vida digna e útil.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado, nos últimos anos, contrário a decisões da Justiça do Trabalho em relação a alguns temas. Alguns entendem que, ao agir assim, o STF pratica ativismo judicial. O que o Sr. pensa a respeito e qual será sua postura na relação com a mais alta Corte do Judiciário?
Tenho reiterado que para nós do Tribunal Superior do Trabalho não existe conflito com o STF. Temos trabalhado intensamente para a formalização de precedentes para trazer segurança e estabilidade às relações de trabalho em todo país, o que envolve não só os precedentes do TST, como do STF. Ocorre que, diferentemente do STJ, temos competência concorrente com o STF em matéria constitucional, e sobre a qual temos que nos manifestar em última instância trabalhista, e temos percebido uma fuga ao sistema recursal trabalhista, com reclamações per saltum para o STF, sem que se esgote a jurisdição trabalhista, ocasionado assim essa ideia que não corresponde à realidade. Temos alertado o STF desse desvio jurisdicional com vistas a comprometer a higidez do sistema, e vamos atuar para corrigir essa distorção.
A inteligência artificial (IA) é uma realidade que alterará muito, segundo estudos, a própria cadeia produtiva e o mercado de trabalho em geral. A Justiça do Trabalho está preparada para enfrentar esse desafio, eis que o desemprego pode aumentar substancialmente com a eliminação de postos de trabalho que serão substituídos pela IA e pelos robôs?
O papa Leão XIV adotou esse nome seguindo a preocupação do papa Leão XIII, que foi quem editou a rerum novarum em face da preocupação com a situação dos trabalhadores diante da revolução industrial ao fim do século XVIII, em razão da condição de exploração do trabalho humano, da concentração de riquezas e da necessidade de uma distribuição proporcional da riqueza. Esse foi um documento de 1891. Leão XIV lançou a necessidade de protegermos os trabalhadores diante do que ele chama de rerum digitalium, renovando a preocupação com a precariedade das condições de trabalho diante do avanço da inteligência artificial e da tecnologia. O fenômeno do trabalho convive com os avanços da ciência e da tecnologia desde sempre, e os empregos foram se transformando ao longo dos tempos, pois a proteção contra a automação consta, inclusive, do texto constitucional. Inúmeros empregos poderão desaparecer em alguns anos, mas outros surgirão. Assim foi inclusive com a chegada das máquinas a vapor e dos computadores ainda na década de setenta do século passado.
Quais são suas metas para essa gestão que se inicia à frente da presidência do TST? Qual será sua bandeira principal e qual o legado pretende deixar ao final de seu mandato?
Há muitas políticas públicas que necessitam ser cumpridas, como também uma pauta jurisdicional muito pesada em face da necessidade de julgarmos os incidentes de recursos repetitivos e darmos vazão ao número de processos a serem julgados. Todavia, não quero falar de promessas, mas de me empenhar profundamente para, junto com as magistradas e magistrados, servidoras e servidores, fazermos um trabalho em prol do fortalecimento da Justiça do Trabalho como uma justiça indispensável à democracia, porque ela tem um trabalho extremamente eficiente e silencioso para a sociedade brasileira. A proteção do tecido social é indispensável para a paz social, e que não duvidem disso, pois as gerações futuras estarão certamente comprometidas.