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O entrevistado dessa edição do D&J Minas, o advogado Marcus Vinícius Furtado Coelho, é tratado, até hoje, como “eterno presidente” da OAB Nacional, tal a sua capacidade de articulação na classe, embora seu mandato à frente da entidade tenha se encerrado em 2016. Fã e discípulo do pensamento do jurista baiano Ruy Barbosa, sobre quem escreveu rica obra literária, "MV", como é carinhosamente chamado pelos mais íntimos, é presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB/MG; foi um dos 12 juristas que fez parte da Comissão do Senado Federal, responsável pela elaboração do novo Código de Processo Civil, de 2015. Com este conhecimento de causa, fala-nos sobre a Constituição Federal, que completa 37 anos e, principalmente, sobre a importância e a consolidação das alterações implementadas pelo novo CPC, após uma década de sua entrada em vigor. Vale a leitura linha a linha. 

O Sr. tem toda uma história perante a OAB, da qual foi presidente nacional entre 2013 e 2016. Nascido em Paraibano, no Maranhão, e criado no Piauí, o Sr. não teve uma infância e uma adolescência de facilidades. Hoje é um vitorioso na advocacia. Quais conselhos o Sr. pode dar para aqueles advogados e estudantes que lutam com dificuldade nos rincões de nosso país e que sonham em vencer nesta profissão?

A advocacia é, por essência, uma profissão vocacionada à superação. Não apenas pela natureza dos desafios enfrentados no exercício cotidiano da defesa de direitos, mas também pelas histórias de vida que compõem os quadros da nossa classe. A trajetória pode ser difícil, mas é possível superar as adversidades com estudo, perseverança e fé no direito como instrumento de transformação.


Aos advogados e estudantes que enfrentam dificuldades, o principal conselho é manter o foco na formação jurídica consistente e buscar oportunidades de integração com a comunidade jurídica, seja por meio da participação em eventos, comissões temáticas ou cursos de capacitação.


É oportuno recordar as palavras de Ruy Barbosa no célebre discurso "Oração aos Moços", fruto do convite feito a Ruy para ser paraninfo dos formandos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na turma de 1920. Na lição ofertada aos jovens bacharéis em direito do Largo São Francisco, Ruy expôs com maestria: “Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniquidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas".
Suas sábias palavras são exemplo não somente para a jovem advocacia, mas seguem inspirando advogados de longo trajeto profissional a continuar seguindo o rumo da legalidade e da liberdade.


O Sr. é presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB/MG. A nossa Constituição vai completar 37 anos. Como o Sr. analisa a necessidade de reformas constitucionais para adequar a Carta Magna aos efeitos, por exemplo, que o avanço brutal da tecnologia causou às relações humanas de 1988 até hoje? Seria o caso até de uma nova Constituinte?


A Constituição de 1988 é um marco civilizatório da redemocratização brasileira e permanece como uma das mais avançadas em termos de garantias fundamentais e proteção dos direitos individuais e sociais. É evidente que o mundo de 2025 é profundamente distinto daquele de 1988, sobretudo no que se refere às novas tecnologias e às relações sociais mediadas por inteligência artificial. Essas transformações impõem desafios interpretativos e regulatórios relevantes ao direito, especialmente no campo da segurança da informação e da regulação das novas formas de trabalho.


No entanto, a Constituição de 1988 tem se mostrado suficientemente aberta para permitir a incorporação de novos direitos — como o direito à proteção de dados pessoais, agora reconhecido expressamente — e para oferecer diretrizes principiológicas às legislações infraconstitucionais. A resposta mais adequada, portanto, não é uma nova Constituinte, mas o aperfeiçoamento contínuo do texto constitucional por meio de emendas pontuais, do desenvolvimento legislativo e da atuação interpretativa das Cortes superiores. Uma nova Constituinte só se justificaria diante de uma ruptura institucional, o que não é o caso. Além disso, o risco de retrocesso em direitos já consolidados desaconselha aventuras constituintes. O caminho deve ser o do aperfeiçoamento democrático e institucional, com respeito ao núcleo intangível da Constituição: a dignidade da pessoa humana, a separação de poderes e os direitos fundamentais.


O Sr. foi um dos 12 juristas que fez parte da Comissão do Senado Federal responsável pela elaboração do Novo Código de Processo Civil, de 2015. Conte-nos um pouco sobre como nasceu a ideia da necessidade de um novo regramento processual.


A elaboração de um novo Código de Processo Civil foi motivada por um diagnóstico claro: o CPC de 1973, embora tenha representado um avanço importante à época, encontrava-se defasado diante das exigências contemporâneas de celeridade, racionalidade e efetividade da jurisdição.


A proposta surgiu a partir da iniciativa do então presidente do Senado Federal, senador José Sarney, que instituiu, em 2009, uma Comissão de Juristas com a missão de apresentar um anteprojeto de novo CPC. A composição da comissão foi plural, reunindo acadêmicos e operadores do direito com experiências distintas, o que contribuiu para a elaboração de um texto tecnicamente sólido e socialmente sensível.
O novo Código foi pensado para simplificar o processo, valorizar a jurisprudência, promover a autocomposição e assegurar a razoável duração do processo, conforme previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. Buscou-se também prestigiar os precedentes qualificados, criar instrumentos que evitassem a litigiosidade excessiva e reforçar a cooperação entre os sujeitos processuais.
Além disso, a reforma teve como foco central a valorização da advocacia. O novo CPC ampliou as prerrogativas dos advogados, como o reconhecimento dos honorários advocatícios em todas as fases do processo, inclusive em sede de cumprimento de sentença e execução contra a Fazenda Pública, e conferiu segurança jurídica à atuação profissional.


O CPC de 2015, portanto, não é apenas um conjunto de normas técnicas, mas a expressão de uma visão mais moderna, democrática e eficiente da jurisdição civil.


Poucos sabem, mas para a redação do Novo CPC foram realizadas mais de 100 audiências públicas. Como foi essa etapa? O cidadão brasileiro pode-se sentir tranquilo de que houve um amplo debate com a sociedade?


A etapa de audiências públicas foi, sem dúvida, uma das marcas mais relevantes e democráticas do processo de elaboração do novo Código de Processo Civil. Desde a apresentação do anteprojeto pela Comissão de Juristas ao Senado Federal, em 2010, o texto passou por um amplo e aprofundado ciclo de debates institucionais e sociais, com o objetivo de garantir transparência, participação e legitimidade.
Foram realizadas mais de 100 audiências públicas em diversas capitais e regiões do país, além do recebimento de 80 mil e-mails, envolvendo contribuições de juristas, acadêmicos, magistrados, além de representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, da advocacia e da sociedade civil. A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio de suas seccionais e comissões temáticas, também teve participação ativa no processo.


Esse esforço foi fundamental para colher sugestões, identificar críticas construtivas e adaptar o texto às realidades locais da prática forense. Muitas das inovações incorporadas ao CPC de 2015 resultaram diretamente desse diálogo com a sociedade e com os profissionais que lidam diariamente com o sistema de justiça.


O cidadão brasileiro pode, portanto, ter a tranquilidade de que o novo regramento não foi imposto de forma verticalizada ou tecnocrática. Ao contrário, ele é fruto de um processo legislativo democrático, participativo e comprometido com o aprimoramento da prestação jurisdicional.


O CPC completou 10 anos no mês de março recém findo. Para os leitores que não atuam na área jurídica e para os estudantes e advogados no início de carreira, o Sr. pode destacar qual a importância do Código de Processo Civil na vida do cidadão?


O Código de Processo Civil (CPC) é a norma que organiza e regula o funcionamento dos processos judiciais nas áreas que envolvem conflitos privados — como questões familiares, contratos, responsabilidade civil, obrigações e direitos patrimoniais. Ele define, de forma clara, como se inicia, se desenvolve e se encerra um processo perante o Poder Judiciário. Por isso, embora seja um instrumento técnico, sua importância afeta diretamente a vida do cidadão.


A principal função do CPC é garantir que o acesso à justiça seja efetivo, célere e justo. Em outras palavras, ele é o conjunto de regras que assegura que os direitos previstos na Constituição e nas leis possam ser concretizados por meio de decisões judiciais. Sem um processo bem estruturado, não há como transformar o direito em realidade.


O CPC de 2015 introduziu avanços relevantes nesse sentido. Ele fortaleceu a duração razoável do processo, estimulou a conciliação, conferiu maior previsibilidade às decisões judiciais e valorizou a atuação da advocacia. Também trouxe mecanismos para uniformizar a jurisprudência, evitando decisões contraditórias sobre temas semelhantes, o que traz mais segurança jurídica à sociedade.


Mesmo quem nunca precisou recorrer ao Judiciário é beneficiado por um sistema processual eficiente. Um Código moderno contribui para a estabilidade das relações sociais, a previsibilidade nas relações econômicas e a confiança nas instituições.


Portanto, o CPC é um instrumento essencial para a efetivação da cidadania. É ele que viabiliza o exercício dos direitos de forma organizada, imparcial e equilibrada, sendo peça-chave no funcionamento do Estado Democrático de Direito.


Um dos objetivos do novo Código foi tornar o processo judicial mais célere. Após 10 anos, atualmente temos 80 milhões de processo ativos. O Sr. acha que esta é uma evidência de que esse objetivo não foi alcançado? Na sua visão, quais as principais alterações implementadas para aumentar a celeridade processual?


O elevado número de processos ativos no Brasil é um dado relevante, mas não pode ser tomado, por si só, como indicativo de que o Código de Processo Civil de 2015 falhou em seu objetivo de conferir maior celeridade ao processo judicial. A morosidade da justiça brasileira decorre de um conjunto de fatores estruturais que vão além do texto legal.

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