Padeira de BH defende o glúten e a fermentação natural
Fundadora da Albertina Pães Especiais enxerga que a fermentação natural é o caminho para uma alimentação mais saudável
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Siga no“Ficar comendo pão sem glúten do supermercado não é uma escolha saudável”, dispara Renata Rocha, fundadora da Albertina Pães Especiais, no Bairro Lourdes, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, em entrevista ao podcast Degusta. A arquiteta que virou padeira desmistifica a crença que se cristalizou em torno da panificação. Segundo ela, o vilão não é o trigo, mas, sim, a forma como se produz o alimento. Por isso, tornou-se uma das grandes defensoras da fermentação natural.
Renata sempre gostou de cozinhar. Seu caminho se cruzou com a panificação há 12 anos, quando assistiu à série da Netflix “Cooked”, baseada no livro homônimo do norte-americano Michael Pollan. Um dos capítulos mostrava o processo de fermentação natural para fazer pães.
“Aquilo me encantou profundamente, tive uma epifania. Comecei a investigar sozinha por bastante tempo até conseguir ter uns resultados mais ou menos interessantes e fiquei muito obsessiva. Acho que me interessei por essa parte bioquímica e misteriosa. Parecia que estava descobrindo a origem da vida, como e o que acontecia naquela pequena colônia que poderia fazer aquela mágica.”
Na busca por conhecimento, ela encontrou o livro “Tartine Bread”, de Chad Robertson, à frente da padaria Tartine Bakery, nos Estados Unidos. O chef levou de volta para a mesa a discussão sobre fermentação natural, com a constatação de que “aquele pão que a gente estava comendo nos anos 1980, 1990 era um alimento ultraprocessado, hiperindustrializado e a gente tinha deixado para trás uma cultura muito importante”.
Por causa desse livro, em 2020, a arquiteta foi estudar no San Francisco Baking Institute, em San Francisco, referência mundial em panificação. Lá, ela fez um curso de dois meses. O fundador da escola, Michel Suas, escreveu outra obra essencial para todo padeiro: “Panificação e viennoiserie: abordagem profissional”. O livro é considerado uma “bíblia” para quem se interessa ou quer trabalhar com pães.
Transição de carreira
Segundo Renata, o mais encantador foi entender que o processo ocorre espontaneamente. “Farinha e água, quando combinadas, produzem um ambiente propício para leveduras e bactérias que estão presentes tanto no ambiente quanto no próprio trigo e vão fermentar. O resíduo dessa fermentação, o dióxido de carbono, vai inflar aquela malha de glúten. Então, aquilo cresce e vira pão.”
Depois, ela se sentiu desafiada a dominar o grande mistério da panificação e não quis mais parar. “Não sei o que acontece dentro da cabeça da gente, mas tirar um pão do forno que você fez é uma das coisas mais gratificantes que já senti. Primeiro é 'consegui dominar esse mistério de alguma forma'. Aí vem o segundo problema: como é que eu consigo repetir?”, comenta.
Tudo isso mexeu muito com a Renata e mostrou a ela um novo jeito de ver o mundo. A técnica a ensinou a ser resiliente (“você erra muito e aí tem que fazer de novo”) e respeitar o tempo das coisas (“não tem jeito de apressar”).
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Mais qualidade
Em 2021, quando abriu as portas da Albertina Pães Especiais, ela decidiu que só trabalharia com fermentação natural, certa de que nos traz um alimento de mais qualidade. Desde então, a padeira está ali para provar que nem pão nem glúten fazem mal para a saúde (a não ser para os intolerantes e celíacos).
“O glúten é uma proteína de cadeia muito longa, então a gente tem dificuldade, sim, de digerir. Principalmente se alimentando desse glúten sem fermentação durante muitos anos. Mas, durante a fermentação adequada, ações enzimáticas vão acontecendo e essa proteína vai sendo quebrada, então a gente consegue digerir”, explica.
Renata encara seu trabalho como uma forma de desfazer a crença que colocou o glúten como vilão. “A gente não teria escolhido uma espécie de gramínea para cultivar e para iniciar o nosso processo civilizatório se ela fosse danosa para o nosso organismo”, reflete.
Segundo a padeira, de fato, com a industrialização, o pão consumido a partir dos anos 1980 passou a não ser bem digerido. Mas ela acredita que a fermentação natural é o caminho. “Não só para o pão, mas a gente sabe isso sobre queijos, por exemplo. Quem tem intolerância à lactose pode comer um queijo maturado que não se sente tão mal quando se toma um copo de leite.”
Cardápio criativo
A Albertina Pães Especiais trabalha com fornadas quinzenais, assim a criatividade pode ser constantemente explorada. Na semana em que o podcast foi gravado, estavam no cardápio pães como o sourdough (em inglês, massa azeda, o mais básico de fermentação natural) de trigo germinado, baguettine de parmesão e o pan de leche, que lembra brioche.
“É um pão típico da Venezuela, mas que eles usam um tipo de fermento específico, que é um fermento natural, mas com adição de rapadura. Chama talvina.” O padeiro venezuelano Pedro Salazar foi quem levou a receita para a padaria.
Renata também serviu durante o papo alguns folhados, mostrando que a massa do croissant é muito versátil e pode ganhar vários formatos e sabores. O cronut, por exemplo, mistura de croissant e donut, tinha recheio de maple syrup com bacon. Já o danish era de tomate assado com creme de ricota e telha de parmesão.
Na parte dos doces, comemos o canelé de Bordeaux, doce típico francês, feito com baunilha e rum, que virou carro-chefe. “Resolvi fazer porque é o meu doce preferido da vida e não conseguia comprar, então falei: 'Tenho que aprender'. Desde então, ele nunca saiu do cardápio.”
Outro doce famoso da padaria é o cookie, que também sai desde o primeiro dia. “É uma massa que a gente tem muito orgulho e também tem fermentação natural envolvida”, destaca. Além do levain (sinônimo de fermento natural), leva manteiga noisette (levemente queimada), chocolate e flor de sal.
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Serviço
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