O doce Breu, feito por Marina Mendes, ressalta a mineiridade com o limão capeta e o pequi crédito: Ricardo Dangelo
Três décadas de existência não é pouca coisa e, uma edição que celebra esse feito tem que ser inesquecível. Por isso, pouco mais de dois meses antes do início da maior e mais importante mostra de arquitetura e decoração do estado, que acontece de 12 de agosto a 28 de setembro, chefs e profissionais da gastronomia preparam seus cardápios e suas mentes para que tudo saia como planejado durante o evento.
A edição de 2025 vai contar com um restaurante, dois cafés e um bar. Todos os espaços terão cardápios baseados em ingredientes regionais como homenagem aos 30 anos de presença em terras mineiras. Até o momento, o bar da mostra, que será projetado por Mario Caetano e Marina Lipiani, ainda não teve seu operador definido.
Eduardo Faleiro, diretor-executivo da CasaCor Minas, explica que a gastronomia sempre foi um pilar na mostra de arquitetura. “A comida faz parte da experiência dentro da CasaCor e traz um pouco da nossa raiz e identidade.”
O tema de 2025 é “Semear Sonhos”, e visa a reflexão sobre sonhos coletivos para um futuro harmonioso; a integração entre o urbano e o natural; e o desenvolvimento de soluções sustentáveis e inovadoras.
Moquequinha de coxa e contra coxa de frango servida por Agnes Fakasvolgyi na Casa da Agnes insipira o cardápio da chef para a mostra Renata Alves/ Divulgação
Na edição do evento em Minas, no entanto, um dos objetivos é o resgate da mineiridade. O termo, comumente usado para se referir às características próprias dos mineiros e ao jeitinho acolhedor e sossegado do nosso povo, também se adequa ao campo gastronômico. Maria Arminda do Nascimento Arruda, em seu livro “A Mitologia da Mineiridade”, advoga que existem dois momentos históricos do estado essenciais para a gênese desse termo, desse sentimento que une o povo de Minas.
Um deles é o ápice da mineração no estado, no século 18, quando Minas esbanjava riqueza com essa atividade econômica. Outro momento importante acontece após os anos 1700: a ruralização da economia mineira. Esse último fato, aliás, pode ser relacionado com o estilo caseiro, moderado e tranquilo do mineiro e de sua comida, que abraça e conforta.
A ruralização também se relaciona à vida na fazenda e a símbolos marcantes da culinária de Minas Gerais, como o clássico fogão a lenha ou mesmo técnicas que, assim como a conservação de carnes na banha de porco, lembram “casa de vó”.
Na edição 2025, a CasaCor pretende revisitar traços da mineiridade por meio da gastronomia. Não se trata apenas de um resgate de ingredientes regionais, pois na mostra eles serão usados junto com técnicas diversas, muitas vezes internacionais.
A chef convidada para comandar o restaurante dos 30 anos é Agnes Farkasvolgyi, já muito conhecida entre o público belo-horizontino. Em suas criações ela traz elementos mineiros de sua infância e os mescla com técnicas de preparo e referências que carrega de viagens e cursos que fez mundo a fora.
Agnes cresceu com as comidas caseiras de sua avó, que sempre encantou a todos com preparos simples, mas feitos com muito carinho. Foi na juventude que a chef conheceu familiares de seu pai da Hungria, e, nessa oportunidade, mergulhou em novas gastronomias.
Ela não se contentou com o Leste europeu e buscou referências em todo o continente. Além da gastronomia de múltiplas nacionalidades, Farkasvolgyi se propõe a criar pratos que extrapolem o que se conhece por gastronomia e que dialoguem com suas outras formações acadêmicas: a física e as artes visuais.
Em 2025, a chef vai liderar um restaurante na mostra pela sétima vez, apesar de ser sua nona participação no evento – nas outras duas ocasiões, chefiou cafés. Dessa vez, ela tem mais uma responsabilidade: honrar o aniversário de 30 anos.
“A última edição que fiz foi em 2019, e depois dela imaginei que meu ciclo com a CasaCor já tinha se encerrado. Foi muito especial receber esse convite, principalmente por ser uma edição comemorativa”, explica.
Atualmente, Agnes está em fase de pesquisa de ingredientes e fornecedores para depois partir para o que chama de “análise combinatória”, quando testa as combinações de ingredientes e define o que ficou melhor.
Nesse levantamento inicial, Farkasvolgyi busca priorizar ingredientes regionais, como a couve e a carne de porco e também elementos sazonais, que estarão em seu “ápice” no momento em que será realizado o evento. “Vou buscar o que existe em volta de BH”, diz.
Doce brasilidade
A confeiteira Marina Mendes criou a pâtisserie tupiniquim, que mescla técnicas francesas com ingredientes brasileiros Geraldo Fonseca/ Divulgação
Com o coração dividido entre Bahia, Minas Gerais e França, Marina Mendes, fundadora do ateliê Sá Marina, vai ser responsável pelas sobremesas do restaurante da CasaCor Minas 2025. A confeiteira trabalha com o que chama de pâtisserie tupiniquim, integrando ingredientes brasileiros em técnicas francesas.
Formada inicialmente em direito, Marina se mudou para a Alemanha com seu atual marido (então namorado), que foi fazer um doutorado, e ela uma especialização na sua área. No período em que esteve na Europa, teve a oportunidade de conhecer outros países, mas foi a França que mexeu com sua cabeça e seu coração.
Marina conta que foi a primeira vez que viu tantos doces feitos sem leite condensado, e todas essas referências e sabores nunca saíram de sua mente.Pouco tempo depois de ter retornado ao Brasil, seu marido teve a oportunidade de um pós-doutorado. Dessa vez, Marina iria se mudar para o país que tanto se apaixonou: a França. Com o marido e a filha, foi morar em Toulouse e abandonou de vez o direito.
Na cidade francesa, a confeiteira adoçou o seu mundo com aulas de confeitaria e passou a dialogar com sua veia artística, que, mesmo com o passado no direito, permaneceu ativa. Quando se deu conta, estava fazendo encomenda de doces franceses para clientes franceses, e esse era um sinal de que estava indo na direção certa.
Depois de todas essas experiências, ao retornar ao Brasil, Marina passou a trabalhar com o que já havia idealizado na França: a pâtisserie tupiniquim, que resgata a brasilidade profunda e a riqueza dos sabores brasileiros.
Eduardo Faleiro conta que em uma edição da CasaCor, realizada no Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, teve a possibilidade de conhecer o trabalho de Marina, que tinha um ateliê no mesmo bairro. “Levamos alguns arquitetos para um evento no ateliê dela e, quando a Agnes a convidou para esta edição da mostra, topamos de cara, na verdade, nunca esquecemos dos seus doces”.
Além de trabalhar com uma confeitaria única em termos de técnica e ingredientes, Marina também aposta no apelo visual, criando verdadeiras joias comestíveis. Nesta edição do evento, em que a confeiteira faz sua primeira participação, isso será mais explorado ainda, e um grande diferencial.
A confeiteira ainda está elaborando o cardápio, mas já dá pistas de elementos que pretende trazer: o limão capeta e o pequi estão no seu radar. “Uma sobremesa garantida leva esses dois ingredientes muito apreciados em Minas. O “Breu” é composto por uma massa choux de cacau black e carvão ativado, duja de castanha de pequi, creme pralinée de castanha de pequi, gel de limão capeta, mousseline de pequi e curd de limão tahiti”, explica
Espaço feminino
Um dos espaços mais aguardados da CasaCor é o restaurante. A mostra, que será no prédio que por anos abrigou o Colégio Izabela Hendrix e, futuramente, será a PUC Minas Campus Lourdes, terá um espaço especial destinado à operação gastronômica. Embaixo da capela do prédio, em um espaço iluminado, os clientes poderão degustar as maravilhas criadas por Agnes e Marina.
Além das duas, outras mulheres estão envolvidas no espaço. Dulce Ribeiro, sócia-proprietária da Rex Bibendi, importadora de vinhos que funciona também como restaurante, vai ser a responsável pela carta de vinhos. E a mineiridade não está apenas nas comidas, afinal, Dulce vai utilizar somente rótulos mineiros nesse processo.
As arquitetas Silvana e Rafaela Mertens Rennó, que são mãe e filha, vão assinar o projeto arquitetônico do espaço. Para que todas as frentes – as três gastronômicas e a da arquitetura – conversem entre si e resultem em um espaço harmônico, o diálogo entre essas mulheres é imprescindível e deve, inclusive, ser recorrente.
Grãos especiais
O drinque C.Q.C. do Cria Café mistura café, queijo e cachaça, três paixões mineiras Cria Café/ Divulgação
Seria impossível celebrar a mineiridade sem o protagonismo do café, essa bebida que já foi até mesmo motor da economia do estado. Pensando na paixão dos mineiros pela bebida, a 30ª edição da CasaCor Minas vai contar com dois cafés. Um deles é um espaço pequeno no meio da mostra onde o Cria Café vai operar.
Alessandro Almeida, sócio-proprietário da cafeteria explica que o espaço é justamente o maior desafio dessa operação. As conversas com Marcela Castro, arquiteta responsável pelo ambiente, devem ser precisas, para que seja possível oferecer conforto ao cliente e comercializar o que Alessandro e Jéssica, sua sócia e companheira, desejarem.
O objetivo deles é trazer para a mostra o que há de melhor no Cria Café. Eles oferecem cinco perfis de cafés especiais com diferentes sensoriais, que vão desde opções com notas de doce de leite a notas de morango e tutti-frutti.
Alessandro e Jéssica servirão comidinhas também. “Com certeza vamos ter clássicos como o sanduíche de croissant e pão de queijo com recheios variados, o bolo de milho cremoso com queijo canastra e o bolo de tangerina”, comenta o sócio.
Levando os cafés para outro universo, o Cria Café vai oferecer ainda uma carta de drinques com a bebida. Dentre as criações inusitadas, se destacam o “Alma Canastra”, versão autoral do clássico Espresso Martini que leva café espresso, cachaça infusionada com queijo canastra e licor de café caseiro e o “C.Q.C”, que mistura os sabores do café, do queijo e da cachaça com uma aguardente de café, xarope de café e espuma de queijo.
Ana Elisa Saldanha, proprietária do Elisa Café também é presença garantida na CasaCor deste ano. Esta será sua segunda vez, porque participou em 2024, chefiando um café. Assim como faz no Elisa Café, Ana Elisa dará protagonismo aos cafés – só trabalham com grãos especiais escolhidos a dedo por ela, que tem contato direto com os produtores – e as comidinhas serão pensadas como acompanhamento para esta bebida tão apreciada.
Ana Elisa Saldanha participou da edição de 2024 da CasaCor Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press
O olhar gastronômico de Ana Elisa, que tem formação em uma escola da área em Paris, é atrelado a elementos mineiros, caseiros e de pequenos produtores em tudo que é comercializado em sua cafeteria. Na CasaCor, a mesma linha será seguida. “Não adianta trazer a inovação se ela não estiver alinhada com nossos produtos e produtores locais. Do fubá de moinho aos nossos chocolates, meles e, claro, o café, a receita é 100% brasileira, e, se possível, mineira”, diz.
Neste ano, o Elisa Café vai se situar no ambiente chamado “Garden Café”, projetado pela arquiteta Izabella Stambassi. A proposta é criar um espaço diferente de todas as outras estruturas, será local para degustar os cafés especiais, de uma cafeteria que é referência na cidade, em meio a um verdadeiro jardim.
História com diferentes temperos
Catupiri assado do Cabernet Butiquim agradou o público da edição de 2024 da CasaCor Fred Oliveira/ Divulgação
Desde a primeira edição da CasaCor Minas a gastronomia é uma das atrações. Os restaurantes são sempre esperados pelos frequentadores que, após passear e conhecer todos os ambientes e instalações arquitetônicas, aproveitam para degustar pratos, drinques e cafés preparados por profissionais com características únicas.
O evento coleciona nomes de peso da culinária belo-horizontina e, inclusive, guarda em sua história a atuação também de chefs de outros estados. É o caso de Onildo Rocha, paraibano que comandou por três anos, inclusive na última edição, o restaurante O Chef e o Cabra.
Nas três edições em que participou, o profissional encantou os visitantes e construiu uma história com o povo mineiro, afinal, além de apresentar seu trabalho, ele também absorveu muito da cultura culinária local. Um dos pratos criados por Onildo na última edição foi o tartar de atum com creme de abacate, molho ponzu de galinha caipira e pipoca de sagu.
Ainda em 2024, o Cabernet Butiquim com a chef Jana Barrozo protagonizou um bar de vinhos que, claro, também encantou o público com as comidinhas. Na ocasião, a chef buscou levar pratos clássicos do bar para o evento, como o cupim braseado com “bolotas” de mandioca com queijo e crisp de cebola e a almôndegas ao molho de tomate fresco e queijo gratinado.
Outros pratos como o catupiri assado com tomatinhos, azeitonas e anchovas, foram criados especialmente para a CasaCor. Jana explica que esses preparos quentes foram um sucesso justamente pelo clima frio que atingia o Espaço 356 – onde a mostra aconteceu.
Desafios
A chef do Cabernet Butiquim explica que a CasaCor também é capaz de ensinar muito, por ser um evento de longa duração, que recebe um grande número de pessoas e que pode acontecer longe de onde os restaurantes têm sua base de produção, ele exige muita preparação. O fato de, no espaço, não poderem usar o fogão a gás (precisaram trabalhar com fogão à indução e forno combinado) também dificultou a operação. “Acho que a limitação sempre ensina a gente, nós aprendemos muito, tudo tinha que ser muito bem planejado”, destaca Jana.
Um dos sucessos da CasaCor de 2021 foi o filé angus wellington do Restaurante do Palácio, operado pelo bufê Bravo Catering Victor Schwaner/ Divulgação
André de Melo, um dos chefs e idealizadores do bufê Bravo Catering, que foi responsável pelo Restaurante do Palácio na CasaCor Minas 2021, acredita que a efemeridade da operação é o que a torna mais especial. “É uma grande quantidade de energia que dedicamos, mas ela consegue ser mais intensa por ser por um período relativamente curto”, acrescenta o chef.
O Bravo já tinha participado de uma ação na edição anterior da CasaCor, mas o convite em 2021 para comandar o restaurante foi motivo de orgulho para André. Ele destaca que foi a primeira edição em que o restaurante funcionou dentro da estrutura do Palácio das Mangabeiras, um espaço que foi, por muitos anos, misterioso para boa parte dos belo-horizontinos. Pensando nisso, o bufê trouxe pratos com inspirações “palacianas”, como o bife wellington, um verdadeiro sucesso do restaurante.
Nomes de peso
Outros nomes importantes para a gastronomia da cidade passaram pela mostra. O chef Felipe Rameh, em 2016, foi responsável pelo restaurante Bento, no qual serviu um confit de pato com purê de batata e vinho madeira que conquistou o paladar dos clientes.
Ivo Faria, chef com décadas de atuação no mercado, também já comandou o restaurante da mostra no passado. Agnes Farkasvolgyi, que também estrela a edição de 2025, já participou da mostra outras nove vezes, inclusive, com cafés onde preparou brunches de comer com os olhos.
Receita: El Fuego – quentão de café do Cria Café
O driinque El Fuego, do Cria café, é um quentão de café Cria café/ Divulgação
Ingredientes:
150g de açúcar
50g de rapadura
5 unidades de cravo-da-índia
100g de gengibre em pedaços
500ml de água
20g de casca de laranja
20g de casca de limão
2 folhas de capim cidreira
40g de café moído
50ml de cachaça branca
1 unidade de pau de canela.
MODO DE PREPARO
Em uma panela, coloque o açúcar, a rapadura, o cravo e o gengibre.
Aqueça em fogo baixo, mexendo de vez em quando, até formar uma espécie de caramelo dourado.
Desligue o fogo e vá adicionando a água aos poucos, com cuidado e mexendo sempre.
Volte com a panela para o fogo baixo, junte a casca de laranja, de limão, o capim cidreira e o café.
Deixe essa mistura ferver por 25 minutos.
Coe tudo e transfira para uma garrafa térmica.
Para servir, misture 100ml desse xarope caseiro com 50ml de cachaça branca.
Finalize com um pau de canela e, se quiser dar um charme extra, uma raspinha de laranja na borda do copo.
*Estagiária sob supervisão de Isabela Teixeira da Costa
Serviço
30ª edição da CasaCor Minas
De 12/8 a 28/9
Rua da Bahia, 2020
De terça a sexta, das 14h às 21h (visitações até 22h)
Sábado, das 12h às 21h (visitação até 22h)
Domingo, das 12h às 19h (visitação até 20h)
Ingressos de terça a sexta: R$ 45 meia entrada e R$ 90 inteira
Ingressos para sábado, domingo e feriado: R$ 50 meia entrada e R$ 100 inteira