'O agente secreto' desarquiva o passado nacional e reafirma poder da imagem
Leia crítica do longa de Kleber Mendonça Filho, que estreia em 700 salas do país nesta quinta (6/11). Catártico, filme embaralha gêneros cinematográficos
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“É muita mutreta pra levar a situação que a gente vai levando de teimoso e de pirraça...” cantou Chico Buarque, com ironia e com afeto, em “Meu caro amigo”, de 1976, ao dar notícias do país durante a ditadura militar.
A segunda metade dos anos 1970 foi a época escolhida por Kleber Mendonça Filho para fincar “O agente secreto”, vibrante viagem no tempo com o cinema e o país como protagonistas. Tempos de violência institucional, como escancarou “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”, e de riso dominical com Os Trapalhões, lembrados com fotografias exibidas no início do filme. Tempo de convivência da graça popular com a mordaça da censura e a ameaça da arbitrariedade. Tempo de mutretas, tempos de pirraça.
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Ao estrear nesta quinta-feira (6/11) em 700 cinemas de 370 cidades do país e se tornar a produção nacional do circuito de lançamento mais amplo deste ano, “O agente secreto” enfrentará o desafio de conquistar um público diversificado e que esteja disposto a embarcar numa montanha-russa que oscila de ritmo e alterna gêneros com desenvoltura e ousadia.
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Se a personagem Dona Sebastiana (Tania Maria) provoca empatia imediata e desanuvia tensões logo nos primeiros minutos, outras aparições (como a do alemão Udo Kier) parecem menos “encaixadas” à trama principal protagonizada por um Wagner Moura contido e irrepreensível, como Fernanda Torres em “Ainda estou aqui”.
Conexão com "Ainda estou aqui"
A conexão entre os dois filmes brasileiros de maior projeção internacional dos últimos anos se estabelece na escolha de enfocar a ditadura não pelos generais, ainda que as fotos oficiais dos presidentes militares apareçam nas paredes, mas pela instauração do medo e da opressão que separa pais, mães e filhos. Walter Salles e Kleber Mendonça Filho revisitam o passado para expor as cicatrizes que carregamos hoje – e, muitas vezes, não enxergamos como marcas da violência institucionalizada. As formas de recriação, contudo, são bem diferentes e igualmente bem-sucedidas.
A segunda parte de “Ainda estou aqui” é sóbria, austera, cinza, quase minimalista. Desde os primeiros minutos e até o pulo no tempo para o desfecho anticlimático em tom menor, “O agente secreto” é insurgente e catártico, algumas vezes delirante, outras simplesmente desconcertante. Ou, como tem afirmado o seu diretor, “crocante”. Como cantou Belchior, se apropriando dos Beatles, “a felicidade é uma arma quente”.
E isso se dá também pela forma que o cineasta abriu o seu baú de referências visuais e afetivas, transbordando questões individuais e regionais para uma experiência coletiva capaz de bater forte em quem jamais tenha ouvido falar da lenda urbana da “Perna Cabeluda”, se assustado no carnaval com a La Ursa ou escutado a hipnótica Banda de Pífanos de Caruaru, ainda mais numa cena eletrizante de perseguição. É Pernambuco falando para o mundo, é Recife molhada de suor, sexo e sangue: rios, pontes e corpos ardentes nos parques e poltronas de cinema, subitamente enrijecidos nas ruas.
Para Kleber Mendonça Filho, como fizeram Quentin Tarantino (“Bastardos inglórios” e “Era uma vez em… Hollywood”) e Steven Spielberg (“Os Fabelmans”) em filmes recentes, e o próprio pernambucano no documentário “Retratos fantasmas”, o cinema não é apenas uma sala de projeção. É cenário e personagem. O Cine São Luiz, no Centro da capital pernambucana, é refúgio do delírio e do desejo, porto seguro representado na serenidade, algo melancólica, do projecionista Alexandre (composição brilhante do mineiro Carlos Francisco), sogro de Marcelo (Wagner Moura).
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Por meio dos filmes que assistiu no São Luiz, Veneza e outras salas do Recife, do que observou e escutou ao perambular pelas ruas do Centro, das próprias lembranças da atividade profissional da mãe (a historiadora Joselice Jucá, que gravava entrevistas em fitas cassete para preservar a memória de uma comunidade), o cineasta faz uma personalíssima transfusão de gêneros (thriller de paranoia, subgênero típico dos EUA nos anos 1970, horror com um pé, ou uma perna, no trash, uma pitada de melodrama familiar), e dos traumas e pesadelos de uma geração. Pessoas desaparecem, imagens permanecem, ainda que apenas nas lembranças de outras pessoas. Por isso, o ‘agente secreto’ pode ser o próprio diretor, imbuído na missão de unir ideias e catarse e produzir arquivos – nada mortos, muito vivos – de sua cidade, de seu país, de sua arte e de nossos fantasmas.
Onde ver o filme em BH
A partir desta quinta-feira (6/11), "O agente secreto" está em cartaz na capital mineira em salas no Cineart Boulevard (14h10, 14h30, 17h20, 17h40, 20h30 e 20h50), Cineart Cidade (13h40, 14h, 16h50, 17h10, 20h e 20h20); Cineart Del Rey (14h20, 17h, 17h30, 20h10, 20h40), Cineart Minas Shopping (14h, 15h20, 17h10, 20h20 e 20h45), Cineart Ponteio (14h, 17h10, 17h30, 20h20 e 20h40); Cinemark BH Shopping (15h40, 16h30, 16h45, 17h30, 19h10, 20h, 20h20, 21h25); Cinemark Diamond Mall (15h40, 18h, 19h10, 20h40, 21h20), Cinemark Pátio Savassi (14h40, 15h30, 16h30, 18h, 19h, 20h, 21h20 e 21h50), Cinépolis Estação BH (14h30, 15h, 18h, 18h30, 21h30, 22h), UNA Cine Belas Artes (14h, 17h, 20h, 15h, 18h, 21h) e Centro Cultural Unimed-BH Minas (13h, 16h, 19h, 14h, 17h, 20h) e às (10h, somente nos dias 8/11 e 9/11).