LONGA-DOCUMENTAL

"Aqui não entra luz" expõe a dura realidade das empregadas domésticas

Filme garantiu o prêmio Candango de Melhor Direção à paulistana Karol Maia, e será exibido neste sábado (27/9) no Cine Humberto Mauro

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Foram uns bons minutos de aplausos depois da exibição de “Aqui não entra luz”, no Festival de Cinema de Brasília deste ano. O longa-documental da paulistana Karol Maia não só emocionou quem esteve na sessão – o que rendeu à diretora o candango de melhor direção no evento –, como também jogou luz em um problema que já chamava a atenção do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) no início dos anos 1930: o quartinho de empregada – entre outros espaços de subordinação destinado aos funcionários – como continuidade “natural” da senzala.

Em quase 80 minutos de filme, o espectador conhece a história de mulheres que trabalharam como domésticas no Maranhão, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas. Seus depoimentos são contundentes, escancarando a crueldade com que foram tratadas – uma delas foi chamada de “preta, feia, fedorenta” – ao mesmo tempo em que escutavam os patrões dizerem que elas eram consideradas e tratadas “como se fossem da família”.

“Acho que esse filme foi sendo construído junto com a minha percepção de negritude e de racismo”, diz a diretora. “Foi se desenvolvendo à medida em que eu ia entendendo que o Brasil é um país estruturalmente racista, que organiza a vida das pessoas com base nisso, seja no campo da economia, da cultura e mesmo na forma de morar”, afirma.

No entanto, ao contrário de Freyre, “Aqui não entra luz”, que será exibido neste sábado (27/9), às 16h30, no Cine Humberto Mauro dentro da programação do CineBH, não defende a ideia de que o convívio íntimo entre patrões e empregados crie uma espécie de “harmonia” brasileira. Pelo contrário, o filme trata da exclusão, falta de afeto e desprezo pelos quais muitas empregadas domésticas são vítimas em seus trabalhos.

MÃE E FILHA

O fato de ser filha de empregada doméstica fez com que a diretora tivesse maior compreensão das histórias contadas pelas personagens do filme. Karol, inclusive, traz a mãe como mais uma personagem de “Aqui não entra luz”. É como se a cineasta buscasse, por meio de realidades diversas, a mulher que lhe deu a vida.

Essa busca se desenrola de forma silenciosa, até ganhar corpo na cena final. Nesse momento, o caráter já íntimo do documentário se intensifica, revelando também a angústia de carregar por sete anos anos a realização do projeto.

Inicialmente, a ideia da diretora era de fazer um filme que comparasse os quartinhos de empregada com as antigas senzalas pela arquitetura. E, de fato, ela percorreu diferentes capitais brasileiras registrando projetos arquitetônicos. “Mas acabou que, a partir dos encontros com as trabalhadoras domésticas, entendi que as histórias delas eram muito maiores. Aí, o filme foi ganhando vida própria e tomou rumo bem diferente do que eu tinha imaginado anteriormente”, afirma Karol.

São histórias fortes. Relatos de trabalho em troca de comida, carteira nunca assinada e distrações proibidas – como rádio e televisão. Contudo, são compartilhados dentro de uma narrativa que não faz sensacionalismo da dor. Durante a exibição do filme no Festival de Brasília, por exemplo, houve momentos em que a plateia gargalhou. Eram cenas em que as entrevistadas, sobretudo a maranhense Mãe Flor, lembravam de ter dado respostas ríspidas aos patrões exploradores, colocando-os no devido lugar.

EMPATIA

“Queria evitar a monotonia da dor, destacando a subjetividade de cada uma das mulheres que está ali presente”, conta a diretora. “A Mãe Flor, por exemplo, é muito direta e objetiva, o que causa empatia nas pessoas”, acrescenta.

“Aqui não entra luz” é o primeiro longa-metragem de Karol Maia. Contudo, para ela, o reconhecimento na categoria de Melhor Direção é consequência da relevância política do filme.

Embora a proposta não seja inédita – o tema já foi abordado por Preta Rara no livro “Eu, empregada doméstica: a senzala moderna é o quartinho da empregada”, e também por Leusa Penha de Souza no filme “Filhas de lavadeiras” –, “Aqui não entra luz” reafirma a importância de narrar a história de uma população negra que sustentou o país com trabalho, cultura e reinvenção. Tal reconhecimento reforça, ainda, a convicção de Karol em um cinema no qual pessoas negras ocupem a direção e os espaços de decisão.

“A gente escuta frequentemente a história do Brasil pela perspectiva dos invasores. Mas, enquanto essa história que eles contam estava acontecendo, havia uma população sustentando esse país de fato. É essa população que precisamos ouvir”, conclui.

“AQUI NÃO ENTRA LUZ”

(Brasil, 2025, 79 min, de Karol Maia. Documentário). Filme será exibido neste sábado (27/9), às 16h30, no Cine Humberto Mauro (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). Entrada franca, mediante retirada de ingressos na bilheteria a partir de uma hora antes da sessão.

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