Animação cristã 'Rei dos reis' apresenta Jesus Cristo às crianças
Em cartaz em BH, filme para a geração TikTok está de olho no mercado cultural cristão. A plataforma é a mesma do sucesso 'The chosen'
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Siga noWalter é obcecado pelo lendário rei Artur. Mal sabe ele que existe um rei muito mais legal, com superpoderes incríveis, e quando for maior de idade talvez até se empolgue ao descobrir que esse cara aí conseguia transformar água em vinho dos bons.
A história de Jesus Cristo é narrada a esse adorável garotinho por seu pai, ninguém menos do que Charles Dickens. Não é só invencionice narrativa. O autor de “Oliver Twist” e “Um conto de Natal” de fato escreveu sobre o messias do cristianismo.
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“A vida de Nosso Senhor” é obra pensada para consumo interno – fê-la para seus filhos – e só foi publicada em 1934, mais de seis décadas após a morte de Dickens.
E foi assim que o romancista inglês virou escada para recontar mais uma vez a saga de Jesus em “O rei dos reis”, em cartaz nos cinemas brasileiros, animação que é fermento para um bolo que não para de crescer: a indústria cultural voltada a cristãos.
Dickens, na trama, repassa o Novo Testamento ao gosto da geração TikTok, gastando em torno de uma hora e meia para ir do bebê fofo nascido de mãe virgem numa manjedoura ao episódio superleve da crucificação.
Amadorismo
Obras tão abertamente proselitistas não eram levadas a sério no mercado. Tratadas como subproduto tosco, tinham atuações caricatas e uma “estética Smilinguido” que soava amadora. E muitas vezes era mesmo.
“O rei dos reis” ainda é bem afetado, com roteiro que parece saído de uma escola dominical, mas um tanto mais profissional na técnica. OK que o pescoço de Jesus é girafudo demais, mas isso é um detalhe.
Os atores convocados para dublar personagens no original em inglês escancaram a pretensão de sentar na mesa dos adultos do meio: o sr. e a sra. Dickens são Kenneth Branagh e Uma Thurman, Oscar Isaac é Jesus Cristo, Forest Whitaker empresta a voz ao apóstolo Pedro, Pierce Brosnan fala por Pôncio Pilatos e Mark Hamill, o eterno Luke Skywalker, encarna o rei Herodes.
O coreano Jang Seong-ho, diretor da animação, é tido como craque em efeitos visuais, e o tanto de estrela hollywoodiana no elenco dá alguma credibilidade ao filme da Angel Studios. É a mesma plataforma que lançou as primeiras temporadas da badalada “The chosen”.
Esta série também retrata Jesus como sujeito muito iluminado e tal, como é de se imaginar, mas com abordagens inovadoras, como apresentar Mateus (esse mesmo que assinou um Evangelho) autista e Maria Madalena violentada sexualmente por um soldado romano.
A dieta cultural de “O rei dos reis” é outra. É como um salgadinho ultraprocessado que não tem grande valor nutritivo, mas que engana o cérebro com aditivos evangelizadores empacotados como entretenimento.
Hit milenar
Ruim a história-base não é, por óbvio, ou não seria hit há mais de dois mil anos. Amaciada, claro, já que para as crianças, seu público-alvo, algumas cenas mais gráficas da Bíblia poderiam assustar.
Se a ideia é cativar a audiência cristã, ponto para o filme. Mas se, espelhando o que Jesus diz no Novo Testamento, o propósito era ir “por todo o mundo” pregando “o evangelho a toda criatura”, ajudaria diminuir um pouco o volume doutrinário.
O filme Não fura a bolha religiosa, o que pode fazer algum sentido mercadológico. Há espectadores de sobre para produtos do gênero, alto em proselitismo adicionado. (Ana Virginia Balloussier/Folhapress)
“O REI DOS REIS”
Coreia do Sul, EUA, 2025. Animação dirigida por Seong-ho Jang. Em cartaz em salas dos shoppings BH, Big, Boulevard, Cidade, Contagem, Del Rey, Estação, Minas, Monte Carmo, Norte, Partage Betim e Via
“THE CHOSEN”
Série de Dallas Jenkins. Com Jonathan Roumie, Amber Shana Williams, Paras Patel e Elizabeth Tabish. Domingos, à meia-noite, no SBT/Alterosa, após o “Programa Silvio Santos com Patrícia Abravanel”