A linguagem invisível do olhar
Não há mentira possível em um espaço no qual o olhar se mantém
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Vocês já pensaram o quanto o olhar pode ser significativo? Com o olhar, conseguimos expressar coisas que, às vezes, nossa boca não consegue falar. Dizem os poetas que o olhar é a janela da alma, talvez por ser ele o primeiro idioma que aprendemos para nos comunicar com o mundo exterior. Com o nosso olhar, falamos aos outros sobre afetos, intenções e até mesmo dores que nem pretendíamos que as outras pessoas percebessem. O olhar é uma linguagem sutil, feita de pausas e silêncios repletos de significado, um espaço no qual o nosso interior se revele sem pedir permissão.
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Há diferentes tipos de olhar, alguns pedem abrigo, outros nos oferecem, há também os olhares que nos desejam, nos motivam, nos inspiram e, alguns que, por sua intensidade, se tornam inesquecíveis. Parece que quando alguém nos olha verdadeiramente, no fundo dos olhos, somos despidos de uma estrutura de proteção que rotineiramente costumamos usar nas interações sociais. Sentimos, ainda que por alguns instantes, que somos vistos de modo completo, e isso sem que seja preciso nem uma palavra para intermediar o extenso diálogo que acontece naqueles instantes.
São poucos segundos, mas nos quais dois mundos se encontram e a linguagem perde completamente sua função. Roland Barthes, em seu lindo livro, Fragmentos de um Discurso Amoroso, diz que o olhar é o mais intenso dos discursos, em suas palavras: "Olho o outro e ele me olha, e esse olhar basta para que eu sinta o amor acontecer". A paixão surge essencialmente pelo olhar, quando as palavras entre o casal se tornam desnecessárias, pois o olhar já comunicou todo o desejo e espanto pela chegada daquela inesperada alegria. Nesses breves instantes acontece um verdadeiro gesto de entrega e o estabelecimento dos primeiros vínculos da relação amorosa.
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Quando dois olhares apaixonados se encontram, há uma espécie de fusão e o tempo parece parar. Parece que absolutamente nada ao redor importa nessa forma de eternidade concentrada naqueles momentos infinitos. De algum modo, há uma espécie de entrega, delicada, mas plena, uma cumplicidade que se estabelece sem que nenhum gesto se realize de fato.
Mas, quando o olhar é verdadeiro, ele contém também algo de vulnerável. Por meio dele, muitas vezes, entregamos aquilo que buscávamos proteger, como o afeto, o medo ou a esperança. Um olhar genuíno nos desarma e nos deixa nus, não há defesa possível e todas as nossas proteções cotidianas desaparecem. Provavelmente por essa razão, muitas pessoas desviam o olhar quando são olhadas no fundo dos olhos, talvez elas não suportem ser vistas de uma forma tão intensa ou temam que os outros descubram aquilo que buscam esconder. Desviar o olhar é, muitas vezes, uma forma de preservação, uma tentativa de manter intactos os mecanismos de defesa que sempre nos protegeram.
Não é mesmo simples manter o olhar quando sabemos que ele cria um espaço de cumplicidade não pactuado, mas que gera uma conexão genuína, onde as máscaras e os subterfúgios não têm qualquer utilidade. Acredito que não há mentira possível quando o olhar se sustenta, pois ele revela aquilo que buscamos esconder. Há algo confessional no olhar: ele mostra medo, desejo, dúvida, ansiedade e uma enorme variedade de sentimentos que moram na alma, mas não encontram expressão nas palavras. Olhemos mais...
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
