
Por que temos medo de elogiar?
Elogiar é, no fim das contas, permitir-se afetar e talvez por isso seja tão raro quanto necessário
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Elogiar é, no fim das contas, permitir-se afetar e talvez por isso seja tão raro quanto necessário
Na arte, elogio, pode ser o “Da Loucura”, do escritor Erasmo de Roterdã, livro no qual, por meio de uma sátira, o autor faz uma reflexão sobre a natureza humana e a racionalidade. Também pode ser o “Da Sombra”, ensaio crítico no qual o japonês Jun'ichir Tanizaki chama nossa atenção sobre como a estética japonesa valoriza o imperfeito, o transitório e o obscuro, em contraposição com o excesso de luz do Ocidente. Por fim, pode ser o “Do Horizonte”, escultura monumental na Espanha, na cidade de Gijón, que nos mostra que é possível integrar homem, arte e natureza.
Na filosofia, o elogio pode ser o “Da Filosofia”, escrito por Maurice Merleau-Ponty, obra na qual enfatiza a importância da filosofia para uma completa exploração da existência humana e da realidade. Ou o “Da Dúvida”, poema filosófico de Bertold Brecht, que vê na dúvida o principal elemento para o progresso humano. Quem sabe não pode ser também o “Do Ócio”, de Bertrand Russell, que desafia a lógica do trabalho excessivo, ao propor a redução das horas de trabalho e a valorização do tempo livre.
Se nos direcionarmos para o campo das pesquisas, veremos que o elogio pode se transformar em mais autoestima, em mais meios para o desenvolvimento da nossa personalidade e em estímulo para nossa motivação intrínseca. No ambiente de trabalho, as pesquisas indicam que funcionários que recebem elogios com regularidade, tendem a ser mais produtivos. Uma metanálise conduzida pelo pesquisador Edward L. Deci, com milhares de participantes, concluiu que, se usado adequadamente, o elogio tem efeitos na motivação e no comportamento; e que os grupos elogiados mostram mais interesse e envolvimento nas atividades do que os grupos não elogiados.
Mas se o elogio é tão fecundo, por qual razão ele ainda é tão escasso em nosso cotidiano? Deve haver algo em nossa cultura que nos habitua a desconfiar dele. Desde cedo aprendemos que o elogio “estraga” “ilude” ou “infla o ego”, razão pela qual o guardamos como moeda rara, distribuída de modo calculado para poucos escolhidos. Em muitos espaços, como ambientes escolares e de trabalho, a crítica é vista como sinônimo de seriedade, enquanto o elogio é rotineiramente confundido com bajulação ou ingenuidade. Isso nos direciona para um convívio social no qual o reconhecimento sincero do outro é guardado por temor de parecer fraco, submisso ou tolo.
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Alguns vão dizer que não é esse o problema para a escassez de elogio, mas sim a dificuldade que temos de sustentar o valor do outro. De algum modo, acreditamos que elogiar e valorizar o outro retira nosso próprio valor. Assim, há quem se silencie diante da excelência alheia não por modéstia, mas por despeito. Incapaz de reconhecermos no outro aquilo que admiramos, recalcamos o elogio como quem esconde um segredo. Assim, ao invés de louvarmos o que é grande, somos ensinados a desqualificá-lo, como se o brilho alheio fosse um atentado contra nossa própria dignidade.
Não bastasse, nós contemporâneos somos muito desconfiados diante da linguagem afetiva. Estamos tão acostumados aos discursos estratégicos e treinados para detectar segundas intenções em tudo, que muitas vezes não sabemos distinguir o elogio sincero da lisonja disfarçada. Com isso, nos privamos de oferecer e receber o reconhecimento legítimo. E assim seguimos, muitas vezes sedentos de afeto, mas cautelosos demais para nos deixar tocar. Elogiar é, no fim das contas, permitir-se afetar e talvez por isso seja tão raro quanto necessário.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.