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Juraciara Vieira Cardoso
Juraciara Vieira Cardoso
Professora da UFMG, graduada em Direito, mestre em Direito Constitucional e doutora em Filosofia do Direito
VITALidade

A tragédia não é morrer, mas nunca ter vivido de verdade

Quanto mais plenamente você vive sua vida, menos trágica é sua morte

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O tema da morte sempre me interessou, creio haver uma ética da vida na prospecção genuína da nossa morte. Se não pensamos no quanto nosso tempo é finito e escasso, acabamos desperdiçando em tarefas automáticas do dia a dia e nos esquecemos daquilo que verdadeiramente nos importa. Deixamos de lado aquilo que nos torna infinitos em nome de situações ou arranjos que foram criados para os “outros”, mas não para nós.
 

Não é raro que, para nos encaixarmos naquilo que os outros esperam de nós ou para nos sentirmos amados, sufoquemos nossos desejos mais genuínos e nosso ser essencial. No entanto, perdidos nas projeções daquilo que as outras pessoas esperam de nós, não conseguimos alcançar nem mesmo uma relativa estabilidade existencial. Ao contrário, nos tornamos seres sedentos sabe-se lá do quê, presos em um vazio que nada é capaz de aplacar.  

Acabei de ler um livro interessantíssimo, de autoria do psiquiatra e professor Irvin D. Yalom e sua esposa, a historiadora e professora Marilyn Yalom, chamado “Uma questão de vida e morte”. No livro, os autores decidiram narrar, de modo conjunto, os momentos finais da vida de Marilyn, que havia sido diagnosticada com mieloma múltiplo; e, ao final, Yrvin nos conta como está sendo o seu processo de luto após a perda da esposa.
 
Não posso afirmar que se trata de uma história feliz, mas, longe de ser triste, o livro é um convite à vida bem vivida. Por meio da vivência de Irvin e Marilyn é possível perceber que quando uma vida é bem vivida, segundo os padrões do próprio dono daquela vida, a morte chega não como uma tragédia, mas como o fim esperado da existência. Nas palavras de Marilyn: “A morte de uma mulher de 87 anos que não se arrependeu da sua vida não é uma tragédia, pois quanto mais plenamente você vive sua vida, menos trágica é sua morte”.

Creio que a tragédia a qual Marilyn se refere é nos encontrarmos nos momentos finais da nossa narrativa e percebermos que levamos uma vida que pouco tinha a ver com nossas aspirações mais profundas. A tragédia está na percepção que se viveu uma vida preso a coisas ou situações que pouco nos auxiliaram na árdua tarefa de darmos um sentido próprio para nossa existência.
 
Quando digo que há uma certa ética na ideia de que somos finitos e que nosso tempo é escasso, quero dizer que somente quando sentimos o gosto da morte na garganta todos os dias, por mais desagradável que seja esse pensamento em um primeiro momento, é que podemos compreender a importância de cada gesto, de cada palavra e de cada contato. Aprendemos com a brevidade da vida que não devemos permanecer nem mais um minuto sequer em situações desconfortáveis, que em nada auxiliam para a construção daquele “eu” que aspiramos ser.
 
Somos socialmente educados para fazermos o que “todos fazem”, de modo que não é simples nos desvencilharmos daquilo que esperam de nós. É fazendo o que todos fazem, seguindo as normas sociais e evitando o questionamento profundo sobre nossa existência que imaginamos conseguir uma vida mais plena, protegidos da angústia da morte. No entanto, ao evitarmos encarar nossa finitude, perdemos a oportunidade de vivermos de forma consciente e cuidadosa, tanto conosco quanto com os outros. E o perigo de não ter a ideia da morte como companhia diária é o de que, como o personagem Ivan Ilitch, de Tolstói, só nos demos conta de que desperdiçamos nossa existência quando já não houver tempo para fazer mais nada.
 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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