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Juraciara Vieira Cardoso
Juraciara Vieira Cardoso
Professora da Universidade Federal de Lavras, graduada em Direito, mestre em Direito Constitucional e doutora em Filosofia do Direito
VITALIDADE

O direito de morrer: quando viver se torna insuportável

Talvez a maior expressão de liberdade esteja em poder escolher quando encerrar o próprio enredo

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Vocês já se perguntaram o que faz com que uma pessoa prefira a não existência, apesar de suas poucas respostas, a estar vivo? Que tipo de dor existencial é essa que o simples fato de deixar de senti-la já é suficiente para a decisão de colocar termo àquilo que chamamos viver? Talvez nunca tenhamos uma resposta que satisfaça todas as explicações por trás da decisão de alguém que deseja simplesmente deixar de existir. 


 

Há alguns meses, a jovem Carolina Arruda, de 27 anos, chamou a atenção nas redes sociais por criar uma espécie de vaquinha online para arrecadar fundos que a possibilitasse submeter-se à eutanásia ou ao suicídio assistido fora do Brasil. Diagnosticada com neuralgia do trigêmeo, considerada uma condição que expõe seu portador às piores dores do mundo, Carolina pretendia interromper sua vida com a ajuda dos internautas. 


 

No entanto, por aconselhamento médico, antes de tirar a própria vida, a jovem se submeteu a vários tratamentos para tentar minimizar as dores, o que parece não ter surtido o resultado esperado, já que a poucos dias, em suas redes sociais, Carolina voltou a afirmar que está reconsiderando a possibilidade de eutanásia ou suicídio assistido. Em seu desabafo, a jovem afirmou que já havia passado por seis cirurgias, tomado vários medicamentos e se submetido a inúmeros tratamentos alternativos, mas as dores persistiam e estavam cada vez mais intensas. 


Às vezes é difícil admitir que para alguém que amamos a vida tenha se tornado um fardo insuportável. Nós nos sentimos responsáveis por devolver-lhes o prazer de estarem vivos, ao invés de apenas admitirmos que a dor é algo percebido de modo muito subjetivo e que não cabe a nós, como observadores externos daquela vida, opinarmos na biografia alheia como se fosse a nossa. Não que não seja razoável chamar à realidade as pessoas que amamos às vezes, no entanto, depois de tudo considerado, a decisão sobre a manutenção ou não da vida deve ser um ato de autonomia do sujeito.

 


É preciso que fique claro que no Brasil é proibida tanto a prática da eutanásia quanto do suicídio assistido, razão pela qual a jovem optou pela vaquinha online, já que pretendia, em um primeiro momento, colocar fim ao seu sofrimento na Suíça, local onde tais práticas são liberadas. No Brasil é permitida apenas a ortotanásia, que seria a interrupção de tratamento considerado fútil, uma vez que teria como propósito apenas o prolongamento de um processo de morte já iniciado. 


Esclarecido tal ponto, o que se vê nas redes sociais depois que Carolina voltou a afirmar que pretende colocar fim a sua vida é um misto de apoio, inclusive financeiro, e de reações odiosas, que vão desde chamá-la de fraca, sem fé e solitária até mesmo vozes que se levantam para lhe indicar treinamentos motivacionais ou dizer que, em razão de sua decisão, a jovem iria direto para o inferno. 


É preciso considerar que, em um Estado Liberal, que tem na autonomia da vontade um de seus pilares, o desejo de não viver mais deve ser analisado segundo a história biográfica de cada pessoa e não da coletividade como um todo. Quando se pretende julgar, como fazem os internautas, é preciso que o façam de acordo com a integridade daquela vida que sofre, que padece e para a qual o viver se tornou insuportável.


Para Jean-Paul Sartre somos forjados a cada instante por nossas escolhas, uma vez que, para ele, não há essência anterior que justifique a nossa existência. Assim, como escolher quando tudo se reduz a uma sucessão interminável de dor? Até que ponto essa vida se afirma como liberdade ou como prisão? Em um mundo no qual a existência é lançada ao acaso, talvez a maior expressão de liberdade esteja em poder escolher quando encerrar o próprio enredo, sem ser julgado de modo leviano.

 

 

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