

Desistência silenciosa: o movimento pelo equilíbrio
Na sociedade do desempenho, cada um de nós se torna explorador de si mesmo
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O debate remonta às lutas operárias do século 20, mas ganhou corpo, recebeu um nome e viralizou nas redes sociais a partir de 2022, quando um “tiktoker” chamou de quiet quitting ou desistência silenciosa a prática de se cumprir apenas o necessário no trabalho, sem se envolver além do necessário. Isso não significa negligência ou irresponsabilidade no desenvolvimento das tarefas, mas uma busca de equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal, fugindo, assim, da lógica corporativista de que as pessoas devem viver exclusivamente para produzir.
Em uma cultura que foca no desempenho, na qual nossas identidades muitas vezes são moldadas pela lógica da produtividade, a Desistência Silenciosa surge nas redes sociais como um movimento que vem ganhando cada vez mais adeptos. Em um modelo corporativo que sufoca a individualidade e premia aqueles que cumprem jornadas extenuantes de trabalho, o movimento pretende dizer um “basta” ao cansaço crônico que se instala para o cumprimento de metas cada vez mais difíceis de se atingir, isso associado à falta de bem-estar ocasionada pelas renúncias que o trabalho exige.
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Os precursores do movimento entendem que a alta performance pode se tornar uma armadilha, causando um desequilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, o que muitas vezes leva a problemas de saúde mental. Em 2019 a Organização Mundial de Saúde classificou a Síndrome de Burnout, não como uma doença, mas como um fenômeno ocupacional relacionado ao trabalho, resultante de estresse crônico mal gerenciado no local de trabalho, que leva à sensação de exaustão, negativismo em relação ao trabalho e redução da eficácia profissional.
Em seu livro, A sociedade do cansaço, Byung-Chul aponta que estamos transitando de uma sociedade disciplinar, que pune e proíbe, para uma sociedade de desempenho, na qual cada um de nós se torna explorador de si mesmo. E passamos a nos explorar de tal modo que muitas vezes não reconhecemos nossos limites, esgotando nossa mente e corpo. Para o autor, quando acontece de nos colapsarmos, muitas vezes isso não é decorrente de uma pressão externa, mas de uma pressão interna para produzir e vencer, não importa o preço que temos que pagar.
O que o movimento sugere a todos nós é que a exaltação da produtividade contínua nos adoece. Ao contrário de nos engajarmos em uma luta alucinada por mais desempenho, devemos buscar meios de equilibrar de modo adequado nossa vida pessoal e profissional. Nesse sentido, podemos desistir silenciosamente de participar dessa cultura produtivista, preservando nossa saúde mental e nos reapropriando de nossa própria existência, que tem o trabalho como um de seus pilares, mas não o único. Não precisa ser um protesto explícito, mas simplesmente uma recusa à lógica de que devemos sempre estar produzindo para termos algum valor.
A vida não pode ser pensada apenas pela perspectiva material e tangível, ao contrário, ela abriga valores que são intangíveis, mas que nos são essenciais para que tenhamos uma vida agradável. O trabalho não deve ser apenas um meio de sobrevivência ou de busca de validação externa, mas uma dimensão que integre as outras dimensões da existência. O quiet quitting é, assim, não uma fuga, mas um convite para que equilibremos o nosso ser produtivo com nosso ser existencial. Ele é o reconhecimento de que nosso valor não deve ser medido apenas pelos resultados que produzimos, mas também pela qualidade das conexões que cultivamos e pelo espaço que criamos para nós mesmos.