Tiago Baumfeld
Tiago Baumfeld
Ortopedista Especialista em Pé e Tornozelo. Doutor em Ortopedia pela UFMG.
PÉ & TORNOZELO

O corpo que você levou para o ano seguinte

O que mais compromete o corpo não é um grande erro isolado. É o acúmulo silencioso de pequenas negligências

Publicidade

Mais lidas

No calendário, o ano termina à meia-noite do dia 31 de dezembro. No corpo, não.

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O ESTADO DE MINAS NO Google Discover Icon Google Discover SIGA O EM NO Google Discover Icon Google Discover

O corpo não entende de réveillon, não reconhece fogos, não se reinicia com contagem regressiva. Ele atravessa o ano seguinte carregando exatamente aquilo que acumulou no anterior: força (ou a falta dela), mobilidade, inflamação, hábitos, sobrecargas, descuidos e pequenas decisões repetidas que, somadas, constroem um estado físico, bom ou ruim.

Enquanto fazemos balanços financeiros, profissionais e emocionais, raramente fazemos o mais óbvio: o balanço corporal. E isso é curioso, porque o corpo é o único patrimônio que acompanha todas as metas, todos os projetos e todos os anos. Não existe plano que sobreviva a um corpo adoecido.

No consultório, o fim de ano escancara isso. Pacientes chegam cansados, doloridos, rígidos, com lesões que não surgiram em dezembro, mas que só agora ficaram impossíveis de ignorar. “Empurrei o ano inteiro”, dizem. O corpo foi levando. Agora cobra.

O acúmulo invisível

O que mais compromete o corpo não é um grande erro isolado. É o acúmulo silencioso de pequenas negligências. Dormir mal por meses, sentar mal por anos, treinar errado por décadas, não treinar quando deveria, insistir na dor como se ela fosse parte natural da vida adulta.

O corpo é adaptável, e isso é tanto sua virtude quanto sua armadilha. Ele compensa, redistribui carga, cria atalhos. Até que não dá mais. Aí a dor aparece não como causa, mas como aviso tardio.

Quando alguém diz “meu corpo travou de repente”, quase sempre esse “de repente” levou muito tempo sendo construído.


Envelhecer não é o problema, perder função é

Existe uma confusão perigosa entre envelhecimento e decadência física. Envelhecer é inevitável. Perder função não é.

A diferença entre um corpo funcional aos 60 e um corpo limitado aos 40 não está na genética da maioria das pessoas, mas no histórico de uso.

Força muscular não se perde de um dia para o outro. Mobilidade não some por acaso. Equilíbrio não desaparece sem aviso. Esses elementos vão sendo corroídos lentamente, enquanto a vida acontece.

E aqui está um ponto central: o corpo que você leva para o ano seguinte é a soma das escolhas repetidas, não das intenções declaradas.


A falsa sensação de normalidade

Um dos maiores problemas da saúde musculoesquelética moderna é a normalização da dor. Dor no pé ao acordar. Dor no joelho ao subir escada. Dor lombar ao final do dia. Tudo isso vira “normal da idade”, “normal do trabalho”, “normal da rotina”. Não é.

O que acontece é que as pessoas ajustam a vida à dor, não o corpo à função. Param de agachar, evitam caminhar longas distâncias, escolhem escadas rolantes, mudam o jeito de calçar o sapato, reduzem atividades sem perceber. O corpo vai encolhendo junto com o repertório de movimento.

No fim do ano, quando o ritmo muda, as viagens acontecem e o corpo é mais exigido, a conta aparece.


O verdadeiro balanço de fim de ano

Talvez o balanço mais honesto que alguém possa fazer no fim do ano não seja sobre peso, estética ou performance, mas sobre função. Perguntas simples, porém reveladoras:

» Estou mais forte ou mais fraco do que comecei o ano?

» Minha mobilidade melhorou ou piorou?

» Sinto mais dor hoje do que sentia há um ano?

» Consigo fazer as mesmas coisas com menos esforço, ou com mais?

» Meu corpo facilita minha vida ou a dificulta?

Essas respostas costumam ser mais incômodas do que qualquer planilha financeira.


O corpo como patrimônio esquecido

Falamos muito em investir no futuro, mas raramente tratamos o corpo como ativo. E ele é. Talvez o mais relevante de todos. Um corpo funcional amplia escolhas. Um corpo limitado restringe possibilidades.

A ironia é que cuidamos melhor de bens substituíveis do que do corpo insubstituível. Fazemos manutenção do carro, revisamos equipamentos, trocamos aparelhos. O corpo, deixamos para depois. Até que o “depois” vira agora.


Um convite, não uma cobrança

Essa reflexão não é um julgamento, nem uma cobrança moral. É um convite à lucidez.

Olhar para o corpo com a mesma seriedade com que olhamos para outros aspectos da vida. Reconhecer limites sem romantizá-los. Aceitar o passado sem se aprisionar a ele.

O corpo que você levou para o ano seguinte não define quem você é, mas revela como você viveu. E isso, ao contrário do calendário, pode ser ajustado.

Sem fogos, sem slogans, sem ilusões de recomeço mágico.

Com consistência, respeito ao tempo biológico e decisões pequenas, porém repetidas.

Porque, no fim das contas, o corpo não entra em recesso.

Ele apenas segue. E leva você junto.

Quer mais dicas sobre esse assunto? Acesse: www.tiagobaumfeld.com.br ou siga @tiagobaumfeld

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

Tópicos relacionados:

corpo negligencia recomeco saude

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay