Tornozeleira: aliada ou muleta?
Se usada de maneira indiscriminada, a tornozeleira deixa de ser aliada e passa a representar um risco
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Poucos acessórios despertam tantas dúvidas no consultório de ortopedia e fisioterapia quanto a tornozeleira. Esse suporte simples, feito de tecido elástico, neoprene, tiras ajustáveis ou estruturas mais rígidas, é visto ao mesmo tempo como um amparo indispensável e como um possível vilão da recuperação. Afinal, a tornozeleira ajuda ou atrapalha? É aliada ou muleta? Para responder essa questão, precisamos compreender a função desse dispositivo, o contexto em que é indicado e os riscos do uso indiscriminado.
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A função da tornozeleira
O tornozelo é uma das articulações mais exigidas do corpo humano. Ele sustenta o peso corporal, absorve impacto a cada passo e precisa ser estável o suficiente para garantir segurança em mudanças bruscas de direção, mas ao mesmo tempo flexível para permitir corrida, saltos e movimentos finos. Quando ocorre uma entorse – especialmente aquela em que os ligamentos laterais se estiram ou rompem – a estabilidade da articulação é comprometida. É aí que entra a tornozeleira.
A ideia central é simples: fornecer suporte externo, limitando movimentos que poderiam agravar a lesão e, ao mesmo tempo, transmitir ao sistema nervoso um reforço de segurança. Esse estímulo mecânico e sensorial é chamado de propriocepção, e está diretamente ligado ao equilíbrio.
Quando a tornozeleira é uma aliada
A tornozeleira pode ser extremamente útil em várias situações.
- Fase aguda de lesão ligamentar
- Retorno ao esporte
- Prevenção em tornozelos instáveis
- Atividades do dia a dia
Se usada de maneira indiscriminada, a tornozeleira deixa de ser aliada e passa a representar um risco. Isso acontece por alguns motivos:
Falsa sensação de segurança
O paciente acredita que, com a tornozeleira, está totalmente protegido. Essa confiança exagerada pode levar a comportamentos mais arriscados, como voltar precocemente ao esporte ou descuidar da reabilitação.
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Atrofia muscular e dependência
O corpo humano tem mecanismos de adaptação. Se a musculatura e os receptores de equilíbrio percebem que há suporte externo constante, podem reduzir sua atividade. Em longo prazo, isso pode gerar enfraquecimento, atraso no ganho proprioceptivo e até dependência psicológica do acessório.
Uso sem indicação
Muitos pacientes, após uma torção simples, compram tornozeleiras por conta própria e passam a utilizá-las por meses, mesmo sem dor ou instabilidade. Essa medicalização do dia a dia não traz benefício comprovado e pode atrapalhar o desenvolvimento da força natural.
O que dizem os estudos científicos
A literatura médica reforça que a tornozeleira tem papel importante na prevenção de recidivas e no retorno ao esporte, especialmente em atletas de quadra. Revisões sistemáticas apontam que ela pode reduzir em até 50% o risco de uma nova entorse em indivíduos já lesionados.
Por outro lado, não há evidência de que o uso indiscriminado previna lesões em pessoas sem histórico prévio. Além disso, trabalhos de longo prazo indicam que a reabilitação ativa, com fortalecimento muscular e treino proprioceptivo, é mais eficaz do que a simples dependência de suportes externos.
Tipos de tornozeleiras e suas indicações
Elásticas simples: indicadas para leve compressão, conforto e pequeno suporte. Úteis em casos leves e no dia a dia.
Neoprene: oferecem maior compressão, auxiliam na redução de edema e na sensação de firmeza.
Com tiras ajustáveis (estilo figure-of-eight): aumentam a estabilidade lateral, sendo indicadas no retorno esportivo.
Rígidas (com hastes plásticas): recomendadas em entorses graves ou em fases iniciais, quando se deseja limitar movimentos.
A escolha depende da gravidade da lesão, do momento da reabilitação e da necessidade específica do paciente.
A visão do paciente e do médico
O simbolismo da tornozeleira também precisa ser considerado. Para muitos pacientes, ela representa segurança psicológica. Saber que existe uma camada de proteção traz confiança, reduz medo de novos episódios e favorece o engajamento em atividades físicas.
Cabe ao médico e ao fisioterapeuta orientar: usar quando necessário, retirar quando não for mais indicado e explicar que a verdadeira recuperação vem do fortalecimento interno. A educação do paciente é, nesse contexto, tão importante quanto o tratamento físico.
Tornozeleira e performance esportiva
Há ainda o debate sobre impacto na performance. Alguns atletas relatam que a tornozeleira limita a agilidade, outros sentem melhora por se sentirem mais firmes. Estudos biomecânicos indicam que o efeito na velocidade e salto é mínimo, mas o ganho em estabilidade pode compensar em modalidades de alto risco de entorse.
Em corridas de rua, por exemplo, a tornozeleira pode ser dispensável, a não ser em casos de instabilidade prévia. Já em esportes coletivos, como o basquete, seu uso temporário pode ser estratégico.
Mensagem final para o leitor: se você sofreu uma entorse ou sente insegurança no tornozelo, não compre uma tornozeleira por conta própria. Procure avaliação médica e fisioterapêutica. O acessório pode ser útil em um momento específico, mas o que vai garantir sua recuperação e prevenir novas lesões é um programa individualizado de exercícios e reabilitação ativa.
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As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
