Um mau ano político
O descolamento entre o Legislativo e a sociedade fere a democracia. Gera o descrédito da representação. A anomia legislativa não convive com a governabilidade d
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O ano de 2025 marcou profunda cisão entre o Legislativo e a sociedade. O Congresso, que deveria representar o povo com sua natureza diversa, dedicou-se a expressar os interesses de facções minoritárias, muitas vezes envolvendo interesses anômalos que se contrapõem aos direitos de todos.
A representação de interesses lesivos à coletividade e contrária a direitos consagrados pela Constituição de 1988 levou à aprovação do marco temporal na demarcação de terras indígenas. Tentaram por projeto de lei, que foi glosado pelo Supremo Tribunal Federal por inconstitucional. Tentam, agora, por meio de uma PEC. Terá o mesmo destino. Como adiantou o ministro Flávio Dino, nem mesmo uma emenda à Constituição pode anular um direito nela inscrito como cláusula pétrea pelos constituintes.
Antes, o Congresso aprovou o parcial desmonte do arcabouço legal de proteção ambiental, medida lesiva ao patrimônio natural, ao interesse coletivo e a grupos vulneráveis que têm direito à proteção do Estado, como indígenas, ribeirinhos e quilombolas. O afrouxamento das regras de proteção às florestas e a seus povos faz perdedora a sociedade brasileira e fere gravemente os interesses dessas populações. Quem são os principais ganhadores? Os maus empresários que buscam lucro fácil explorando pessoas e depredando o ambiente coletivo; e os que têm dupla inserção, no mercado legal e na ilegalidade, como garimpeiros, grileiros, caçadores, contrabandistas e atravessadores.
As principais beneficiárias são as bandas podres do agro, dos mercados do ouro, da madeira e da pesca, em associação com contrabandistas de ouro, de madeira, de espécies ameaçadas de extinção. O mais grave é que muitas dessas redes criminosas locais do garimpo, da pesca e da madeira ilegais estão sendo capturadas por facções globalizadas do crime organizado, mais bem armadas. Aumenta a violência contra os locais e a quem ousa enfrentá-los.
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O Congresso não ficou só nisso. A Câmara aprovou, e o Senado ameaça aprovar o projeto de afrouxamento das penas para golpistas, o PL da Dosimetria. É uma forma disfarçada de aliviar a gravidade dos crimes de atentado contra o Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Primeiro passo para a anistia.
Propõe fundir os dois tipos penais, mas um crime não está contido no outro. É possível atacar o Estado Democrático de Direito sem executar um golpe de Estado ou mesmo tentar o golpe. O ataque violento às instituições democráticas e aos direitos civis e políticos é um crime em si, independente da tomada do poder pela força.
O golpe é um crime específico. Embora seja um atentado violento contra o Estado Democrático de Direito, ele implica necessariamente tentar depor ou depor à força o presidente e o vice-presidente da República legitimamente eleitos.
Embora ambos tenham o Estado Democrático de Direito como alvo, envolvem condutas criminosas distintas. De um lado, a tentativa de anular instituições como o voto, o Judiciário e outras instâncias institucionais de freios e contrapesos democráticos. De outro, conspirar para depor ou depor com violência governantes eleitos. No caso, inclusive, com plano de assassinar o presidente, o vice-presidente e ministros do STF.
A sociedade brasileira deixou evidente que repudia golpistas e governos com atitudes antissociais. Por isso, Bolsonaro (PL) perdeu a reeleição. A sociedade é a favor da punição dos golpistas, inclusive do ex-presidente, seus generais, militares, policiais federais e assessores presidenciais. É contra a anistia e quer virar esta página triste da história contemporânea do país.
O projeto pode esbarrar novamente no STF porque está cheio de vícios legais. Deveria ter sido parado numa das comissões de Constituição e Justiça (CCJ) que, além de julgar a constitucionalidade das propostas, têm como objeto avaliar a juridicidade e a boa técnica legislativa. A CCJ do Senado deveria tê-lo rejeitado por seus vícios. O PL é injurídico e de péssima técnica legislativa. É continuidade do projeto golpista.
O descolamento entre o Legislativo e a sociedade fere a democracia. Gera o descrédito da representação. A anomia legislativa não convive com a governabilidade democrática. A fricção interinstitucional acaba em conflito de jurisdições. A governabilidade se debilita a cada rodada um pouco mais. O país perde energia. Aumenta o desperdício de recursos públicos, piorando a capacidade redistributiva do Estado. A democracia claudica. É um jogo de perda coletiva e benefícios muito particulares.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
