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O lobby venceu a sensatez. E derrubou as vantagens estratégicas do Brasil. A liberação do início da exploração do petróleo na costa amazônica, a parte de nossa costa conhecida como Foz do Amazonas, ou mar da Amazônia, é completamente extemporânea, politicamente danosa e um retrocesso na política climática.
O momento não poderia ser pior, às vésperas da COP30, que já avança aos tropeços, com a ausência lesiva dos Estados Unidos, uma União Europeia mais reticente em ser o único parceiro a elevar sequencialmente suas metas para a descarbonização, sérias dificuldades de acomodação de delegações, número relativamente baixo de delegações confirmadas.
A decisão fora do tempo tira a autoridade moral e política do Brasil na negociação da transição energética. Transição que não comporta o aumento do uso do petróleo, seu objetivo é o contrário, abandonar o petróleo em substituição às novas fontes renováveis, eólica, solar, biomassa e, principalmente, o hidrogênio verde.
O ministro das Minas e Energia disse que a exploração garantirá a “soberania energética” do Brasil nas próximas décadas. Fala como se não existisse mudança climática amanhã. Aliás, década é uma boa medida. A Petrobras diz que se encontrar petróleo começará sua produção em uma década.
Sugiro ao ministro e à Petrobras que deem uma olhada nos cenários de mudança climática para os anos 30, especialmente para o ano de 2035, a menos de 10 anos. Será um quadro de forte agravamento dos efeitos do aquecimento. Muitos dos eventos extremos que estavam previstos para 2050-2100 foram antecipados para 2035. Alguns, já estão acontecendo. Anomalias novas emergiram como o inédito aquecimento simultâneo, acima da média, de todos os oceanos do planeta, preocupando ainda mais os cientistas.
Os países se comprometeram no Acordo de Paris a manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2 °C sobre os níveis pré-industriais e envidar esforços para limitá-lo a 1,5 °C. Pois é, a inação dos grandes emissores, como o Brasil, os Estados Unidos e a Índia, e a enormidade do desafio que significa descarbonizar a China, hoje o maior investidor no mundo em energia renovável, já deixou esse compromisso para trás.
Em 2024, a temperatura média global aumentou 1,55C acima do marco zero. E pelos cálculos atuais, se não acelerarmos muito a transição para fora dos combustíveis fósseis, não ficaremos abaixo de 2,5C. Uma tragédia global anunciada.
Todos os argumentos que a Petrobras usa para justificar a exploração no mar da Amazônia serviriam muito melhor para tornar prioridade o investimento na sua transição para empresa de energia limpa. Se os estoques fósseis de hoje devem começar a baixar em uma década, o sensato e inteligente seria ter como meta deixar de ser uma empresa petrolífera em uma década, não aumentar esses estoques de risco climático e empresarial.
A Petrobras tem tudo para ser reciclada e se tornar uma empresa líder em hidrogênio verde. Tem capacidade de pesquisa e desenvolvimento tecnológico de primeira linha. Tem capital para investir. Tem estruturas que podem ser reaproveitadas para produzir energia solar e eólica.
A soberania energética do Brasil nas próximas décadas está muito longe do petróleo. Está no hidrogênio verde, que é seu mais provável sucedâneo, na bioenergia de nova geração, na eólica e na solar, fontes essenciais à produção do hidrogênio limpo. No petróleo está o atraso do Brasil. Quanto mais investir nele para o futuro, mais se afundará no poluído passado que nos leva ao desastre climático. Até hoje os royalties do óleo foram muito mal gastos, aumentando a natureza retrógrada dessa exploração.
A mudança climática, com o aquecimento dos últimos três anos, já levou o mundo a um quadro de emergência crônica. Com mais alguns poucos anos de elevação do acúmulo de gases-estufa na atmosfera – que só cresce – a situação de emergência se tornará um cenário de colapso climático localizado. Desaparecimento de estados ilha, que serão cobertos pelas águas oceânicas em elevação, desertificação de áreas economicamente estratégicas para muitos países, morte de uma porção relevante da floresta amazônica, uma grande onda migratória, com refugiados climáticos se somando àqueles que fogem de outras tragédias humanas em seus países.
O mundo brinca com a ameaça existencial que é a mudança climática, muito mais iminente que o risco nuclear temido por todos. O Brasil dilapida seu futuro mergulhando-o num mar de petróleo. Ainda há tempo para mudar.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
