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O Supremo Tribunal Federal encerrou na quinta-feira, 11/9, julgamento inédito da cúpula golpista. Pela primeira vez um ex-presidente e generais da ativa foram condenados na justiça civil por tentativa de golpe e outros crimes políticos. Não tivemos justiça de transição, como a Argentina, que levou ex-ditadores à prisão. A anistia de 1979, que deveria alcançar as vítimas da ditadura, bloqueou o julgamento dos agentes por seus crimes. Agora, o ministro-relator, Alexandre de Moraes, promotor experiente, dissecou os crimes da cúpula golpista capitaneada por Jair Bolsonaro, em um voto notável pela coerência. Reconstruiu minuciosamente a trama para revelar o enredo da conspiração contra a democracia.
O golpe teve duas fases. Na primeira, um governo legitimamente eleito, tentou anular os freios e contrapesos da democracia e intimidar o Supremo Tribunal Federal. Na segunda, diante da resistência do STF, desviou para a tentativa de um golpe clássico, apoiado nos militares. O brutal evento de 8/01 de invasão e destruição das sedes dos três poderes da República, era parte desse intento. O plano era criar o caos social para justificar a intervenção militar e o estado de emergência. Parou na recusa dos comandantes das Forças Armadas. O relator e o ministro Flávio Dino explicaram a diferença entre os dois crimes. No primeiro, a vítima é o estado de direito, o sistema constitucional-institucional. No segundo, a vítima é o governo legitimamente constituído que os golpistas queriam depor.
Alexandre de Moraes fez um voto íntegro, mostrando os crimes no seu contexto, seu encadeamento no tempo e no espaço, revelando as conexões entre eles. Não deixou margem à dúvida, ao descrever cada tipo de crimes cometidos pela coalizão golpista. Encadeou eventos, provas, depoimentos em juízo tudo no devido contexto do enredo golpista. Seguiu-se o voto do ministro Flávio Dino, bem fundamentado e sereno, que acompanhou o voto de Moraes, ressalvando a dosimetria das penas.
O ministro Fux esqueceu o enredo do golpe e as evidências. Empilhou longas citações para engordar o magro e contraditório voto. Desconsiderou o contexto, desvendo a correlação entre os crimes. Descarnada da história, a ação criminosa perde sentido e esconde a gravidade dos fatos associados ao intento golpista. Em abstrato, todo crime é igual. No seu contexto concreto, cada crime tem suas singularidades. Tratando-se de uma conspiração criminosa, envolvendo uma variedade de ações e de agentes, essas singularidades e a concretude dos crimes só aparecem nítidas no conjunto. Como disse Flávio Dino, as partes perdem sentido fora do todo.
Fux fez uma análise rasteira e equivocada de politólogos sobre democracia e a tipologia de golpes. Não entendeu as análises da democracia e não viu que os autores que falam das modalidades de golpe apontam Bolsonaro como exemplo de retrocesso democrático. A contradição final de Fux foi inocentar o então presidente, comandante em chefe das Forças Armadas, condenar seu Ajudante de Ordens, Mauro Cid, e seu ex-ministro e companheiro de chapa como vice, Braga Neto. Foi além, dando argumentos aos condenados e seus aliados contra o julgamento, ao dizer que a defesa foi cerceada e os direitos dos réus desatendidos. Ofendeu a corte e a verdade.
A ministra Cármen Lúcia optou por contrastar o voto desviante de Fux, sem o considerar, fazendo uma síntese institucional. Em mais um de seus votos para a história, iniciou com poema de Affonso Romano de Sant’Anna. Fez o elogio da democracia e a análise adequada da tipologia de golpes de estado de acordo com a melhor pesquisa histórico-política. Reiterou que a tentativa de golpe foi investigada, julgada e responsabilizada de acordo com a lei, na plena vigência do estado democrático de direito. A condensação do alentado voto foi primorosa, tratando com parcimônia os temas com argumentos precisos. A ministra deu o voto de maioria para a condenação de Bolsonaro e seus comparsas por todos os crimes que compuseram a denúncia de tentativa golpista.
Sem mencionar diretamente, confrontou a posição de Fux. O ministro Cristiano Zanin, impecável na presidência, completou a maioria. As penas foram severas e justas. Este julgamento será um divisor de águas na consolidação da democracia brasileira. Como disse o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, deve encerrar um ciclo de atraso. Sua presença no final foi um desagravo à Primeira Turma e um gesto institucional. O Brasil viu a história se fazendo em tempo real.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.