O presidente Lula tenta, de todas as maneiras, uma saída que não isole definitivamente a Venezuela como única ditadura sul-americana. Na entrevista à rádio T do Paraná, esta semana, Lula disse que ainda não reconheceu o resultado das eleições presidenciais.
Nem a vitória de Maduro, nem de Edmundo González, o candidato da oposição, porque não tem os dados. Importante marcador de posição. Nada propôs concretamente, mas levantou algumas hipóteses de solução do impasse, que poderiam ser implementadas se Maduro “tiver com senso”. Foi isso que ele disse, nem mais, nem menos. E é bastante.
A hipótese de novas eleições, com novas regras, não é absurda, embora seja inviável e tenha sido rechaçada por Maduro e pela líder da oposição, Maria Corina. Mas faria todo sentido, não é nenhuma tolice presidencial. Não seria a primeira anulação de uma eleição por vícios na sua realização. E esta eleição na Venezuela só teve vícios e nenhuma virtude.
Candidaturas impugnadas ilegitimamente e de legalidade duvidosa. Cerceamento de inscrições de candidaturas. Uma cédula desigual e enganosa, com numerosas menções a Maduro. Uma aberração técnica, jurídica e política. E tudo indica que, a despeito de todas as irregularidades, Maduro perdeu. Como toda personalidade autoritária, ele não admite a derrota. o mesmo que Trump e Bolsonaro fizeram, porém ele pode se manter no cargo na marra, o que os dois tentaram e não conseguiram.
Lula também aventou a hipótese de Maduro fazer uma transição no período que lhe restaria como presidente, por meio de um governo de coalizão, passando a compartilhar as decisões com o presidente provavelmente eleito, González. Hipótese igualmente sem chance de prosperar. É uma das maneiras pelas quais Maduro, se quisesse ou pudesse ser forçado, poderia conduzir sua saída negociada do poder. Vamos ser claros: só há três tipos de saída possíveis.
A derrota em uma guerra civil. Um golpe com divisão dos militares. Uma negociação que inclua uma espécie de anistia a Maduro por seus crimes.
Lula ainda disse que “Maduro sabe que deve explicações ao povo brasileiro e ao mundo” e precisa apresentar os dados da eleição para uma avaliação imparcial, multipartidária. Sua palavra apenas ou das instituições sob seu controle não bastam.
As declarações de Lula foram as mais importantes que já fez sobre a Venezuela até então e mostram uma mudança de atitude. Se permanecer no poder, Maduro se torna declaradamente um ditador, o único na América do Sul. Quem me lê sabe que já considero a Venezuela uma ditadura há algum tempo. Mas, agora, fica impossível classificá-lo de outra forma. Chamá-lo apenas de autocrata escamoteia semanticamente o que ele verdadeiramente é. Para Lula, que lutou pela democracia, se elegeu por ela e foi por meio dela que deixou a prisão e teve sua condenação anulada, apoiar a ditadura Maduro seria uma contradição que poderia lhe sair muito cara em termos de popularidade e legitimidade.
A situação continua péssima. Um rompimento formal com a Venezuela seria difícil para o Brasil. A fronteira com a Venezuela é um ponto sensível. A quantidade de imigrantes venezuelanos no país já é grande e há a expectativa de que seu número aumente muito. A Venezuela tem 6% da Amazônia em seu território e ocupa uma posição geopolítica estratégica na América do Sul. Tudo isso pede uma relação diplomática minimamente fluida. Mas, até agora, a relação com Maduro era mais do que fluida, era preferencial. É esta a mudança de atitude, a minimização da relação diplomática e o tratamento mais frio e distante de Lula para com Maduro.
Pessoalmente decepcionado com o presidente venezuelano e se sentindo desprestigiado e desrespeitado por ele, não é estranhável que Lula se afaste dele e passe a ter relações apenas formais com ele. O fato de não ter falado com Maduro desde o final das eleições é eloquente.
Cheguei a escrever que havia risco de dano à reputação de Lula no seu envolvimento tão ostensivo na crise venezuelana. Mas ele, com habilidade, a partir dessas declarações, parece ter encontrado um caminho de, apesar da inviabilidade de uma solução, afastar o risco e manter seu prestígio como liderança regional e global. Agora é ver se é mesmo uma mudança permanente de atitude ou uma inflexãotemporária.