O presidente Lula aliou-se a José López Obrador e Gustavo Petro, seus pares do México e da Colômbia, para negociar o impasse eleitoral na Venezuela -  (crédito: Evaristo Sá/AFP - 29/5/23)

O presidente Lula aliou-se a José López Obrador e Gustavo Petro, seus pares do México e da Colômbia, para negociar o impasse eleitoral na Venezuela

crédito: Evaristo Sá/AFP - 29/5/23

O presidente Lula aliou-se a José López Obrador e Gustavo Petro, seus pares do México e da Colômbia, para negociar o impasse eleitoral na Venezuela. A escolha de parceiros faz sentido pela afinidade ideológica entre os três e pela importância dos países na região. Fosse outro o presidente da Argentina, provavelmente estaria nesta aliança. Brasil e Colômbia têm fronteiras críticas com a Venezuela e são os maiores países da América do Sul, ao lado da Argentina. O argentino Milei não tem diálogo com nenhum deles. O México é o segundo maior país da América Latina, depois do Brasil. Formam uma coalizão com influência regional e global. O grande problema é que a situação na Venezuela pode ter atravessado o ponto de não-retorno rumo a uma ditadura apoiada nos militares.

 

O Supremo Tribunal Federal, por iniciativa do ministro Gilmar Mendes, instaurou um processo de conciliação entre ruralistas e indígenas que tem tudo para dar errado e consolidar o retrocesso deliberado nos direitos indígenas do governo Bolsonaro. Já é um regresso em relação à decisão amplamente majoritária que considerou inconstitucional o marco temporal. Este, pretendeu anular direitos adquiridos pelos indígenas previamente à promulgação da Constituição, como se o Brasil fosse descoberto em 1988. O argumento de que estão em negociação questões sobre a aplicação da decisão de inconstitucionalidade do marco temporal é capciosa, porque ele está envolvido nessas questões.

 

O envolvimento direto de ministros do STF em uma suposta conciliação põe em risco os direitos indígenas fundamentais e a reputação do tribunal. Ainda mais porque o processo tem sido enviesado contra os indígenas. A indígena Kari Guajajara fez veemente crítica no “plenário” da mediação porque a voz dos indígenas é desconsiderada, não há paridade de armas e sofrem coerção com a ameaça de seguirem com as deliberações se os indígenas se recusarem a participar por não ser uma mesa de diálogo verdadeiramente equilibrada e representativa. São muitas as situações, com suas especificidades, que estão sendo tratadas de maneira uniforme e formatadas pelos interesses ruralistas.

 

Foi estranho o governo brasileiro não acolher as atas eleitorais captadas pela oposição, para só aceitar as oficiais, até agora sonegadas por Maduro. Após toda a demora na divulgação pelo Conselho Nacional Eleitoral, as atas oficiais perderam a credibilidade. Deveriam ser cotejadas com as da oposição e auditadas no caso de incompatibilidade de resultados. Mas, o que aconteceria se a comparação entre elas e a auditoria dos dados discrepantes der a derrota de Maduro? Nada. Ele se recusa a reconhecer o resultado ou a negociar.

 

O Brasil limitou sua participação no processo com interpretação literal do princípio da não-intervenção nos assuntos de outro país. Diante da recusa de Maduro, fica sem ação porque, segundo o assessor internacional, Celso Amorim, a solução tem que ser deles. Maduro já decidiu, ameaça a líder da oposição Maria Corina e todos os opositores sofrem dura repressão. Respondeu ao Brasil, México e Colômbia, dizendo que não se envolve nos assuntos domésticos desses países.

 

Os problemas no STF são distintos. Começam pela própria legitimidade do processo. A constitucionalidade e decisões da suprema corte têm sido atropeladas nessa conversa de desiguais. A Funai e o Ministério dos Povos Indígenas têm sido instados a representar os indígenas. Ora, é elementar que não podem fazê-lo, porque são governo. A Constituição  de 1988 não recepcionou a tutela dos indígenas pelo Estado. A ministra dos povos indígenas Sônia Guajajara e a presidente da Funai, Joenia Wapichana, se recusam, corretamente, a exercer a representação dos indígenas para a qual não têm mandato.

 

Todo tipo de mediação tem dois requisitos essenciais. O primeiro é a concordância das partes. Pelos depoimentos de lideranças indígenas e pelas declarações de Kari Guajajara para constarem em ata, os indígenas não estão de acordo com as condições presentes. O segundo é, mais do que a imparcialidade, a neutralidade do mediador/conciliador. Não há neutralidade no processo pela forma como foi iniciado e pelas contrariedades com a decisão do STF pela inconstitucionalidade do marco temporal.

 

Quando uma liderança se propõe a negociar ou mediar um conflito, precisa estar preparada para qualquer resultado, inclusive o impasse e a desistência. Nos dois casos, é alta a probabilidade de fracasso e há risco de dano à reputação para Lula e para o STF.