Nomes populares podem ajudar a entender o que está por trás de controvérsias políticas que parecem desproporcionais e desnecessárias. Nas últimas duas semanas, interpretou-se como derrota do presidente Lula a derrubada do seu veto à vedação a saídas de presos com bom comportamento para estudar ou trabalhar e a manutenção do veto de Bolsonaro ao artigo da Lei de defesa do estado democrático que tipificava o crime de comunicação enganosa em massa e estabelecia pena de cinco anos de reclusão a quem o cometesse.
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), ameaçou derrubar o projeto que instituiu o programa Mover, de incentivos à indústria automobilística, porque o relator do projeto no Senado, senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), retirou do relatório a taxação em 20% de compras on-line no exterior abaixo de U$ 50, que ficou conhecida como “taxa das blusinhas”.
As mudanças promulgadas, sem o veto de Lula, na lei de execuções penais, ficaram conhecidas como “lei das saidinhas”, que proíbe a saída temporária de presos. É uma questão polêmica em todo o mundo que adota a ideia como parte da ressocialização de prisioneiros.
George Bush, o pai, usou o tema para derrotar o candidato Democrata à presidência, Michael Dukakis, que adotou um programa de saídas no final de semana, quando governador de Massachusetts, no longínquo ano de 1988. Usou um spot político, “a porta giratória”, que falava de seus efeitos negativos.
O filmete ganhou fama como um “polispot” exemplar em campanhas eleitorais. Há décadas a execução de penas de reclusão e a pena de morte dividem progressistas e conservadores. É uma questão de preferências e valores humanos. Não servem de critério para medir a força do governo no Legislativo. O viés do projeto ao apelidar pejorativamente de saidinha era claro, depreciar tema controverso na pauta progressista há pelo menos 50 anos e que tem fundamentos técnicos robustos.
No debate do veto de Bolsonaro ao tratamento como crime da disseminação em massa de informação enganosa, houve quem ouvisse, no plenário, parlamentar dizer que estavam querendo transformar a mentira em crime. Pois é. Perdeu o país a oportunidade de tratar a sério do uso da mentira deliberada espalhada em massa na política, para ganho pessoal, causando danos coletivos, ou para desacreditar instituições e pessoas públicas. A mentira como método político é sim um ato criminoso, desleal e antidemocrático. Bolsonaro usou a desinformação, a distorção de fatos e ataques difamatórios como método – chegou a ser condenado por uma ofensa grave à jornalista Patrícia Campos Mello – é compreensível que vetasse o artigo.
Pode-se discutir uma formulação tecnicamente mais precisa, mas o Brasil, como todas as democracias, terá que enfrentar este problema, que se agravou com o alcance avassalador das redes de comunicação mantidas por plataformas digitais. Não dá para dizer que a derrubada de seu veto e a manutenção do veto de Bolsonaro foram derrota de Lula.
O apelido “taxa das blusinhas” foi usado para marcar a pouca relevância do tema, mas ele provocou uma semana de crise política, estresse na relação Legislativo/Executivo e entre as duas casas do Congresso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ficou irritado com “a narrativa de taxar blusinhas, não é disso que nós estamos falando, estamos falando de emprego, de regulamentação de setor, de justiça de competição, de manutenção da indústria nacional”. Uma taxa de 20% não tem a capacidade de fazer tudo que o deputado atribui a ela. O conflito de fundo era local, envolvendo políticos de Alagoas numa querela que tem a ver com as eleições municipais deste ano e para o Senado, em 2026.
Havia razão para retirar o artigo por ferir a técnica legislativa ao tratar de assunto sem conexão com o objeto da lei. Economicamente seu efeito é praticamente nulo e esconde um velho protecionismo que mantém uma indústria cara e ineficiente no Brasil. A taxa será provavelmente absorvida pela maioria dos sites. Muita falação por nada.
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A política brasileira perdeu o rumo do que é importante para o país desde a ruptura de 2018. Houve perda de qualidade da representação parlamentar, quase exclusivamente voltada para os interesses locais e distante dos temas estratégicos nacionais. A governança do país rateia na impossibilidade de se ter uma coalizão governamental coerente e mais coesa. A democracia engasga na dificuldade de restabelecer e atualizar o sistema de freios e contrapesos depois da ruptura.