Na semana que passou, a equipe econômica do governo anunciou alterações nas metas de resultado fiscal estabelecidas pelo chamado arcabouço fiscal, aprovado em 2023. As mudanças basicamente adiam a obtenção de um superávit fiscal de 1% do PIB, que estava previsto para ser alcançado em 2026, para 2028, já no próximo governo.
As reações do mercado financeiro foram muito negativas, embora as alterações em si mesmas não tenham sido tão grandes. Acho justo reconhecer que o anúncio nada mais foi que o reconhecimento de uma realidade. Em governos anteriores do PT nem sempre a sinceridade foi a maior qualidade dos ministros econômicos. Insistir em metas que, com certeza, não serão alcançadas é uma forma bastante grave de mentir para a sociedade, induzindo as pessoas e as empresas a decidirem num ambiente que as autoridades sabem que é falso.
A discussão do equilíbrio fiscal no Brasil está muito contaminada pela emoção política e por ideias preconcebidas. O aumento dos gastos públicos e do endividamento não é uma excentricidade do Brasil, mas um fenômeno que se generalizou após a crise financeira internacional de 2008 e a pandemia de 2020.
O FMI informou recentemente que, em 2025, cinco dos sete países que compõem o grupo de ricos do chamado G7, vão apresentar uma relação dívida liquida/PIB superior a 100%. No Brasil, já com as recentes alterações das metas, em 2027, nossa dívida bruta está prevista para alcançar 77,9% do PIB, devendo chegar a um pico de 79,7% em 2029, uma trajetória que está alimentando muita turbulência.
Vejam que estamos comparando coisas diferentes, dívida bruta e dívida líquida. No caso do Brasil, na apuração da dívida líquida são subtraídos os valores das nossas reservais cambiais, um ativo certo e líquido. No conceito de dívida líquida, o Brasil fechou 2023 com uma dívida de 60,9% do PIB e em 2029 chegaremos, conforme as previsões, a algo em torno de 66% do PIB. Nada que se aproxime de uma situação de catástrofe, embora os mercados continuem a contemplar nossas contas fiscais com olhos sombrios.
Os mercados da dívida brasileira são rigorosos e céticos em relação à gestão pública da economia por alguma razão. Nossos orçamentos públicos são muito rígidos, porque os gastos obrigatórios por lei constituem quase 95% de todas as despesas, tornando quase impossível a tarefa de cortar gastos. Tanto o Congresso Nacional quanto o Poder Judiciário em geral tem sido pródigos em aprovar subsídios e favores tributários, ao mesmo tempo que não hesitam em criar gastos novos. É natural, portanto, a expectativa de que em algum momento as contas fiscais ficarão sem controle.
De qualquer modo, o principal fator para o crescimento da dívida pública ultimamente não tem sido tanto o excesso de gastos e sim os juros básicos necessários para combater a inflação e que determinam o custo de financiamento dessa dívida. Como sabemos, o déficit nominal, que é a soma do excesso de gastos em relação à receita mais o pagamento dos juros da dívida, é que causa o aumento da dívida.
Pois bem, entre 2012 e 2019, por exemplo, o déficit nominal médio foi de 6,4% do PIB ao ano, resultado de um excesso de gastos primários de apenas 0,7% e de gastos com juros de 5,7% sempre em relação ao PIB. Muito mais do que a incontinência fiscal, o custo dos juros é que tem provocado a expansão constante da dívida. No resto do mundo é o contrário e os juros são uma parcela pequena do déficit.
Juros tão altos e tão acima dos padrões internacionais não são um ato de maldade da autoridade monetária, mas o reflexo da falta de confiança do mercado e da sociedade no funcionamento das instituições e na qualidade dos governos. Por isso, para além das frivolidades que dominam o ambiente político, o que mais falta ao país seriam governantes e líderes que superassem sua própria pequenez e assumissem alguma grandeza, mesmo provisória, e buscassem um grande pacto de governabilidade que recuperasse um mínimo de confiança e credibilidade nas instituições e no governo, sem o que os governos democráticos não podem funcionar.