Sem roleta-russa: 10 pilares para reduzir litígios na cirurgia plástica
Na cirurgia plástica, resultado bonito sem lastro jurídico vira obra exposta à intempérie — e a tempestade, hoje, chega pelo feed
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Embora nada tenha mudado ‘de ontem para hoje’, a justiça segue exigente nas cirurgias eletivas: persiste a presunção de culpa quando o desfecho frustra a expectativa, cabendo ao cirurgião demonstrar técnica, diligência e informação adequadas. Esse é o tabuleiro; a estratégia jurídica reduz o risco.
Quando o assunto é responsabilidade civil em cirurgia plástica, não há espaço para romantismo: a judicialização cresceu, a opinião pública polarizou, e as redes sociais transformaram qualquer dissabor estético em “caso”. Em paralelo, o entendimento judicial continua a tratar o procedimento estético eletivo com um grau elevado de exigência: se o resultado frustra expectativas, presume-se a culpa — e cabe ao cirurgião demonstrar técnica, diligência e informação adequadas. Traduzindo: quem joga sem estratégia jurídica preventiva, joga contra as probabilidades.
A boa notícia é que risco se administra. O objetivo desta coluna é organizar, de maneira prática, os 10 pilares de uma gestão jurídica para cirurgiões plásticos de alta performance — o mesmo norte que apresentarei sábado 15/11 às 9:30 da manhã, na minha MasterClass na Jornada Brasileira de Cirurgia Plástica, organizada pela SBCP.
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1) Antes de aceitar o caso: seleção, expectativa e elegibilidade
• Filtro de risco (triagem clínica + psíquica): histórico de queloide, tabagismo, cirurgias prévias complexas, expectativas irreais, sinais de TDC (Transtorno Dismórfico Corporal) e pressões externas (companheiro, “data de viagem”, “evento”). O ANADEM Paciente Legal é uma excelente ferramenta para auxiliar nessa demanda.
• Enquadramento do pedido: alinhe o que é possível (medicina) com o que é desejado (estética). “Foto de referência” não é meta clínica.
• Termo de recusa documentada: não hesite em não operar quando o risco de frustração superar o benefício. Estruturar junto ao seu jurídico um termo de recusa específico para cada caso, poupa litígios.
2) Consentimento que realmente protege (TCLE “vivo”, não genérico)
• Personalização obrigatória: riscos específicos do caso, alternativas terapêuticas, possibilidade de procedimentos complementares e tempo real de recuperação (não “recuperação de Instagram”).
• Material visual e linguagem clara: ilustrações simples, glossário e checklist de compreensão assinada pelo paciente.
• Anexos essenciais: política de comunicação pós-operatória, prazos de retorno, uso de malhas, restrições de atividade e política de retrabalhos (o que é retoque, o que é novo ato).
• Diretrizes de imagem: autorização separada para fotos clínicas; vedado “antes e depois” fora das normas éticas. Consentimento para ensino/pesquisa não autoriza uso promocional.
• Fuja dos documentos genéricos: Crie os seus, específicos para cada tratamento e condizente com suas técnicas, junto ao seu departamento jurídico.
3) Prontuário é defesa (e é agora, não na véspera da perícia)
• Regra de ouro: se não está escrito, não aconteceu.
• Sinais que o perito procura: exame físico completo, medidas, fotografias padronizadas, lote e validade de insumos, checagem de lateralidade/implantes, checklists de sala, registro de intercorrências minuto a minuto.
• Comunicação pós-operatória registrada: orientações reiteradas, horários de contato, condutas em caso de alerta (dor desproporcional, assimetria súbita, cianose, febre, sangramento).
- Prontuário minucioso não só evita processo; ele vence o processo, quando este é inevitável.
4) Cirurgia é equipe + protocolos (responsabilidade solidária existe)
• Hospitais, day clinics e salas locadas: contratos escritos, com responsabilidades, cobertura de materiais e suporte a complicações. Revise tudo com seu jurídico.
• Integração com anestesia e enfermagem: protocolos compartilhados (antibiótico, tromboprofilaxia, analgesia, alta segura).
• Plano B pronto: disponibilidade de leito, hemocomponentes quando indicados, e rota de contingência para intercorrências. Improviso é bonito no cinema, não em centro cirúrgico.
• Anestesistas: não intermediar a relação deles com os pacientes, respeite a autonomia e fuja de responsabilidades indevidas.
5) Publicidade, redes e “padrão Instagram”
• Promessa é contrato: evite linguagem de garantia (“resultado perfeito”, “100% harmonioso”). Use probabilidade e variabilidade biológica.
• Depoimentos, influencers e sorteios: alto risco jurídico. Respeite estritamente as normas éticas de publicidade. Nada de ‘antes e depois’ fora das balizas éticas nem promessas tácitas em copy de Instagram; probabilidade, variabilidade biológica e linguagem sóbria.
• Crises on-line: não debata caso clínico em público, e não aja se orientação e acompanhamento. Preserve sigilo; acione assessoria jurídica e plano de gerenciamento de crise. O tribunal da internet não absolve ninguém — só amplifica.
6) Contratos que evitam batalhas
• Escopo e preço por fase: avaliação, ato, materiais, internação, malhas/curativos, revisões e eventuais retoques.
• Política de cancelamento e reagendamento: prazos, multas e exceções médicas.
• Canais oficiais de contato: horários e meios (nada de prontuário “dentro do WhatsApp”).
• Resolução de conflitos: acione o jurídico ao primeiro sinal de crise (funciona muito). Deixe essa parte com quem sabe conduzir, e cuide do que mais importa.
7) Seguro de RC Profissional — sem autoengano
• Saiba o que a sua apólice não cobre: marketing, promessa de resultado, procedimentos fora de protocolo, publicidade irregular.
• Claims-made vs. ocorrência: retroatividade e prazo de denúncia são decisivos; leia a apólice com o auxílio de quem entende.
• Franquia e limites realistas: subseguro dá a sensação de segurança — até o primeiro sinistro relevante.
8) Quando algo dá errado (e às vezes vai dar)
• Gerenciamento de crise: acione sua assessoria jurídica desde o primeiro momento, para evitar agravamento e solucionar com agilidade.
• Registre tudo imediatamente: fatos, horários, quem foi acionado, condutas adotadas.
• Fale cedo, fale certo: comunicação empática, objetiva e documentada com paciente/família; evite “defesas técnicas” frias que parecem confissão travestida.
• Segunda opinião e referência: convide, não resista. Ajuda clínica e prova diligência.
• Não altere prontuário. Nunca. É a linha entre um percalço administrável e um desastre penal.
https://renatoassis.com.br/difamacao-de-cirurgiao-plastico/
9) Cinco erros que mais viram processo (e são fáceis de evitar)
a. TCLE genérico (não informa, e gera vício no consentimento do paciente).
b. Promessa estética (marketing que gera obrigação de resultado).
c. Pós-operatório solto (paciente sem rota de acesso e conduta diante de alarme).
d. Preventivo jurídico deficiente (o advogado especialista deve estar sempre próximo).
e. Contratos pobres (sem política de retoque/custos, cada caso vira briga).
10) Checklist de bolso — alta performance jurídica na prática
• Triagem de elegibilidade assinada (inclui red flags psíquicas).
- TCLE personalizado + check de compreensão (itens marcados pelo paciente).
• Política de retrabalhos por escrito (objetiva e exequível).
• Planilha de materiais/implantes com lote/validade anexada ao prontuário.
• Protocolo jurídico de crises (quem liga, para quem, em quanto tempo).
• Contrato completo (escopo, preço por fase, materiais com lote/validade, cancelamento, foro, mediação).
• Política de publicidade (o que pode e não pode em redes sociais).
• Apólice revisada (coberturas, exclusões, retroatividade).
• Auditoria trimestral de prontuários (amostra real, não “prontuário de vitrine”).
• Registro de satisfação e NPS (gestão de expectativa é gestão de risco).
Em síntese
Cirurgia plástica de alto nível não é só bisturi e senso estético; é governança clínica + precisão documental + comunicação honesta. Isso não “engessa” a prática — liberta. Quem domina o risco opera com mais tranquilidade, melhora o desfecho e reduz ruído jurídico.
Alta performance nasce da soma entre bisturi preciso e documentação impecável. Quem governa o risco opera com mais calma, entrega melhor desfecho e desaparece do radar do litígio. Sábado (15/11, 9h30), na MasterClass da Jornada da SBCP, vou abrir a caixa de ferramentas — modelos, cláusulas e um ‘kit de sobrevivência’ jurídico para o dia a dia. Leve sua técnica; eu levo a blindagem.
Renato Assis é advogado há 19 anos, especialista em Direito Médico e Empresarial, professor e empresário. É conselheiro jurídico e científico da ANADEM. Seu escritório de advocacia atua em defesa de médicos em todo o país.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
