
O tratamento que se espera do psicanalista
A escuta é o coração da clínica. Nosso trabalho é escutar o que está por trás do que se diz
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O trabalho do psicanalista é escutar. Escutar – e não explicar o que diz o paciente. O analista não dá sentido seu ao que escuta. Do outro, não sabe nada. O saber do paciente está em seu inconsciente. É único. Portanto, só o cliente sabe o que não sabe... ainda.
Nosso trabalho é escutar o que está por trás do que se diz. Uma lógica inconsciente se transmite nas palavras escolhidas, que são colhidas. Há no inconsciente o saber inquestionável que nos direciona. Por isso, a escuta é o coração da clínica.
Até mesmo o papa Francisco, um querido que nos deixou recentemente, provocando comoção mundial por sua capacidade de comunicação e sensibilidade para as questões mundiais, disse que escutar com o coração é muito importante.
A única condição do diálogo de verdade é a escuta. O papa falou com diferentes e divergentes, conquistando respeito e admiração pela assertividade de seu olhar e sua escuta para o mundo.
A pressa, o individualismo e o consumismo estimulado pelo capitalismo, valorizando o gozo dos objetos, produtos de saúde, beleza, estética, carros, viagens, muito desfrute e a vida de luxo como padrão, trazem desequilíbrio com consequências violentas.
O que se mostra e se vê nas redes sociais faz pensar que a vida é isto: beleza, riqueza, luxo, felicidade plena. Tudo parece tão sedutor que a vida real não tem graça. Poder dizer-se, fazer parecer-se confunde com o idealizado. E encarnar ideais gera um tipo de narcisismo sustentado pela imagem.
O exibicionismo e a autopropaganda, agora, geram fortunas. Todos se promovem. Na época de meus pais e avós, a pessoa se gabar era falta de educação. Falar da vida fantástica e plena se tornou profissão. Todo interesse pela realidade comum, do outro, do semelhante e do Outro (referencial que dita e legisla) não existe mais, porque as regras foram invertidas. Qualquer outro importa menos e escutá-lo interessa pouco.
Lacan falava por meio de enigmáticas expressões carregadas de homofonias, para, com isso, apontar que o inconsciente se serve de significantes sonoros para fazer equívocos que, ao serem escutados, apontam outra lógica. Exemplo disso é a linguagem dos sonhos.
Na análise dos sonhos, que nos parecem desprovidos de sentido, o inconsciente se aproveita dos acontecimentos recentes e dos atos falhos para se fazer escutar, por meio de condensações e deslocamentos, burlando a consciência, oferecendo imagens, cenas surreais.
Também nos equívocos das palavras – os seminários de Lacan são cheios de homofonias que atravessam a língua –, os sons das palavras alertam pela sonoridade alguma coisa que vai mais longe no inconsciente, numa construção hipotética, e o sentido se abre ao subjetivo. É como se eliminássemos a gramática para escutar lalangue, a língua do inconsciente, única em cada um.
Um não sabido, ou “insabido”, que se sabe e que, escutado, se traduz como verdade ocultada. Essa escuta é o que faz o psicanalista diante de uma inibição - quando o imaginário galopa a toda e faz corar diante da vergonha ou bobeira que é tocada. Ou da angústia, sinal de um excesso de sentido que tampa o real em questão no sintoma, que traz o paciente para a análise. Quer livrar-se dele porque sofre, mas resiste, pois há um gozo fruído na dor: pulsão de morte, parceira das pulsões de vida... entre prazer e dor.
O outro sentido do sintoma permite certa distância e liberdade para fazer de outro modo aquilo que só fazia com dor e alto custo, como fracassos, rompimentos, prejuízos que se repetem na vida.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.