
Um deserto sob nossos pés
Conversamos por zap, há quem odeie ligações telefônicas, nos reunimos on-line, pouco saímos de casa. Isso nos afasta do calor humano e da presença do outro
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Vivemos nestes tempos em que tudo, muito e ainda mais nos é oferecido para nosso conforto e praticidade. Tudo sem prós e contras. Sempre encontraremos quem pensa de modo mais conservador, diante da janela do futuro nos oferecendo novos horizontes.
Em meados do século passado, foram lançadas invenções úteis na linha de eletrodomésticos, como a máquina de lavar roupas (patenteada desde 1851) e o refrigerador. Quando o produto surgiu para venda, um marido acompanhado pela esposa perguntou ao vendedor sobre a utilidade daquilo. O mercador respondeu que máquinas economizam trabalho e tempo.
“Mas se nos tirarem o trabalho, o que faremos?”, indagou o marido. O vendedor respondeu: “Poderão ter tempo livre para outras coisas e mais descanso”. O marido: “Então, em vez de trabalhar para nosso sustento, ficaremos livres e todo nosso dinheiro será para pagar o senhor?”
O mercador ficou sem resposta, e a esposa nem um pouco feliz. Encantada com as novidades, ela logo vislumbrou a solução de muitos de seus problemas. Desejou o refrigerador para manter as carnes de caça conservadas, em vez de penduradas em ganchos no anexo à casa. Se resfriadas, durariam mais. Igualmente, a lavadora pouparia o esforço de esfregar manualmente toda a roupa da casa. Tarefa repetitiva.
Porém, diante da peremptória negativa do marido, ela se calou. Isto é, adiou suas ponderações para momento mais apropriado. Fato é que “água mole em pedra dura” venceu a parada.
Hoje, temos facilidades e a vida facilitada. Vencemos distâncias, falamos por vídeo em tempo real, temos a inteligência artificial até para pensar por nós. Mas a pergunta permanece: o que faremos quando as máquinas nos substituírem? Gastamos nosso dinheiro com tecnologias que trabalham por nós!
Tudo tem limites. Não existem mecanismos para nos deter na autodestruição, ódio, agressividade e desamparo. Máquinas copiam o estilo singular do poeta. Não inventamos máquina doméstica de fazer dinheiro que nos livre da luta pela vida e das flutuações do mercado, regidas por poucos e sofridas por muitos.
Em tempo de inflação crescente, o que se ouve em todos os cantos é carestia, a falta de direção da política e dos governos, enquanto o povo paga caro para alimentar a máquina, que segue indiferente a lamentos e queixas. O mundo segue indiferente aos pobres, aos mendigos que se multiplicam, aos moradores de rua cada vez mais numerosos.
A vida moderna, a ciência e a tecnologia resultam do trabalho do homem contra as fontes de ameaça à vida, como doenças, morte e catástrofes. De fato, elas trouxeram muitas soluções. Todo esse progresso nos trouxe ao mundo moderno maravilhoso, por um lado. Porém, nunca haverá completude ou perfeição no real. Nunca curaram o desamparo inerente à condição humana.
Tudo o que já foi feito não diminuiu nosso sentimento de desamparo. Ao contrário, cada um se satisfaz tanto com seus “brinquedinhos” modernos que prescinde do outro. Ficamos mais solitários. Conversamos por zap, há quem odeie ligações telefônicas, nos reunimos on-line, pouco saímos de casa. Tudo isso nos afasta do calor humano e da presença do outro.
A internet tomou conta da indústria da propaganda e da informação, enfraquecendo canais oficiais de notícias, jornais, televisões abertas, rádio. A consequência disso é não sabermos o que é verdade ou boato. Resultado: estamos perdidos e à deriva em mãos pouco generosas.
Assim, a pergunta permanece: Haverá futuro? Ou haverá, cada vez mais, desamparo e desertos sob nossos pés?
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.