

A fantasia mora no armário
Quando se faz análise, o que se faz é sair do armário da fantasia forjada pelo imaginário para dar sentido ao real
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Se quisermos a psicanálise operando para além do século 21, devemos manter afiada a lâmina que nos separa de desvios que a banalizam. Sem deixar de levar em consideração as mudanças que ocorreram no mundo desde seu surgimento. Quanta água já passou debaixo da ponte do tempo.
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Quanto já vimos costumes transporem portais de preconceitos nomeados, porém ainda não superados. Quanto já avançaram as tecnociências sustentadas pelo capital, que colocou a seu serviço os antigos mestres, reduzidos a atender demandas econômicas e a interesses do mercado, deixando saudade de sua autonomia de outrora.
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A bem da verdade, a liberdade científica desde sempre ameaçou os poderes da Igreja, do Estado, e muitos foram condenados por descobertas que faziam tremer as verdades estabelecidas. Galileu, importante cientista, ao comprovar a teoria copernicana do heliocentrismo – a saber, o Sol, e não a Terra, como centro do universo –, foi obrigado a negá-la publicamente, ameaçado pela Inquisição. Os poderosos dominam as pesquisas que os interessam e nem sempre, ou quase nunca, são o melhor para a humanidade. E não tão distante, nos roubam montanhas por bom dinheiro. De que importa o resto?
A destruição ecológica é um ponto obscuro no futuro, não o único. Por meio da Neuralink, Elon Musk desenvolve tecnologia inteligente para clonagem, experiências híbridas, implantes cerebrais robóticos, implantes de inteligência artificial que nos tornarão transumanos, transespécie. Não duvidem, ele pode chegar a tanto!
Um chip no cérebro e o grande irmão, que tornou o “1984” de Orwell uma ficção, se realiza. Um momento qualquer e a big data nos reduzirá à vida de gado, povo cansado e feliz... O colonizado brasileiro que não sai de seu cantinho para expulsar a corja.
A psicanálise é subversiva. Sempre se levantará contra os absolutos, indicará equívocos notórios trazendo verdades escamoteadas. A negação é tranquilizadora, afasta o que contraria a própria humanidade. É empurrar para debaixo do tapete o sujo, desviar o olhar da miséria ao lado, passar por cima da maioria com direitos especiais. É assim que caminha a humanidade por ora. Pode piorar...
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Por isso, é importante que o sujeito moderno sexuado se autorize e autodeclare em conformidade com sua forma de gozo mais do que com o corpo biológico. Lembrando que a bissexualidade apontada por Freud em todo ser falante causou escândalo e até hoje é negada. É nesse ponto que expressões utilizadas em campo restrito da sexualidade ganham pernas e pulam muros.
Não há como recuar nos avanços da liberdade de gênero. Lacan dizia que “o ser sexuado se autoriza por si mesmo e de alguns outros”. O que o permite sair do armário. E me leva a indagar por que se aplica apenas às questões de gênero.
Penso que ela deveria se estender muito além do campo exclusivo das homossexualidades ou transexualidades. Seu alcance toca o campo do desejo para cada um – cis, hetero, gays, trans, neutro, bi. Quando se faz análise, o que se faz é sair do armário da fantasia forjada pelo imaginário para dar sentido ao real, que é mais furo do que consistência. Criamos nossa ficção e nos aprisionamos. Uma fixação inconsciente que dirige as escolhas, atos, e nos condena a andar às cegas. Em nossa própria autolimitação.
É a psicanálise que nos permite deixar cair o véu fantasmático, as identificações com ideais do Outro (é o que exerce influência afetiva ou intelectual) e lidar com sintomas que carregamos. Isso porque a fantasia fundamental é o nosso armário, lá vivemos com nossas assombrações. É lá que elas arrastam as correntes que nos cerceiam e aprisionam. Por isso, vale para todo ser falante sair do armário e se virar com o seu “isso”.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.