
Uma fraude estrutural
A consequência irremediável de uma fraude destas proporções é a decretação da falência moral do regime geral da previdência
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A denúncia da prática de descontos indevidos sobre os benefícios do INSS deixou milhões de aposentados e pensionistas com cara de bobos. A gestão do presidente Lula ficará para sempre marcada com a suspeita de contribuição passiva ao “esquemão” armado contra os cidadãos e os cofres da combalida Previdência Social. A investigação conduzida pela Polícia Federal já levou à demissão do ministro da Previdência, que pediu o boné sem dar qualquer explicação. O caso ainda vai render muito caldo. A matéria é gravíssima, não só pelos mais de R$ 6 bilhões – em valores acumulados – descontados indevidamente dos contracheques dos aposentados, mas sobretudo, pela repercussão que terá, sobre o nível de desconfiança, já enorme, da população inteira a respeito das regras e condutas do órgão que deveria ser o guardião do pecúlio dos contribuintes ao INSS.
Não bastassem insistentes informações sobre o crescente desequilíbrio financeiro do INSS – que é o órgão dedicado a suprir aposentadorias para os cidadãos que não são militares nem servidores civis dos Poderes – soma-se agora a nítida percepção de que não podemos mais confiar nos seus gestores públicos.
A consequência irremediável de uma fraude destas proporções é a decretação da falência moral do regime geral da previdência. Hoje o INSS não é só um órgão deficitário em mais de R$ 300 bilhões anuais pois, de fato, seu déficit de confiança é muito maior. O regime geral previdenciário está virtualmente quebrado. Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União e especialista em governança pública, vem alertando para a inconsistência estrutural das contas previdenciárias, não obstante a incompleta reforma aprovada pelo Congresso em 2019.
Na época, o ministro Paulo Guedes projetou uma economia de recursos, em 10 anos, de até um trilhão de reais. A realidade se provou madrasta. Além da COVID, que veio para prejudicar o almejado equilíbrio de contas, foi ficando claro que a cobertura previdenciária oferecida pelo governo, via INSS, não é uma boa solução financeira como pecúlio. E por quê? Os valores descontados mensalmente pelo segurado dariam, em 30 ou 40 anos, se aplicados no mercado financeiro, um patrimônio mais gordo do que a soma das minguadas verbas mensais pagas aos aposentados pelo INSS.
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Há, no entanto, exceções a essa constatação. É quando o contribuinte ingressa no sistema via MEI ou Simples, visando à aposentadoria pelo mínimo mensal. Neste caso, o “produto previdenciário” passa a fazer sentido. Não admira, portanto, que milhões de novos segurados venham aderindo ao INSS como microempresários. Situações semelhantes ocorrem em relação aos empregados rurais – cujos patrões pagam o Funrural – e outras modalidades assistenciais, como Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujos beneficiários nunca contribuíram.
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A Previdência Social virou um sistema “Robin Hood” às avessas, que pune seus participantes regulares, contribuintes mensais de vida inteira, para favorecer segmentos da sociedade não contributivos, cuja proteção social deveria correr por conta do Orçamento Geral da União, mas nunca por meio de saques contra as verbas dos que pagam. Pior do que isso. O INSS hoje funciona como um Robin Hood entre gerações.
Como é isso? Os contribuintes de hoje não têm seus aportes guardados e aplicados, como seria o esperado. O governo “toma emprestado” 100% dos valores depositados mensalmente no INSS para pagar os atuais aposentados e pensionistas que, por sua vez, quando contribuintes, nunca tiveram seus aportes aplicados, porquanto também foram sequestrados por governos anteriores. Esse sistema desmoralizado, chamado de Repartição Simples, equivale a um empréstimo compulsório, sem juros, que os governos fazem contra todos os segurados do INSS sem garantia de futuro ressarcimento, já que os valores de benefícios vão sendo encolhidos na medida em que o INSS fica mais quebrado.
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Quem quer participar deste “produto previdenciário”? Fácil responder: ninguém. Urge reformar o regime geral de aposentadoria de alto a baixo, começando pelo resgate da confiança perdida. A conta de pecúlio dos segurados do INSS do futuro precisa ser individual, mostrando os valores que cada contribuinte e seu empregador irão depositando em favor do primeiro. Se o Estado brasileiro precisar recorrer a esses depósitos, deverá pagar juros por isso.
E o INSS do futuro precisa ser só para quem contribui. Os que recebem por meio de assistência social, ou previdência subsidiada, devem migrar para o Orçamento da União. É o que já prescreve o artigo 250 da nossa Constituição. Basta cumprir. Muito a fazer e nenhum tempo a perder. O escândalo da fraude nos descontos aos aposentados nos vem acordar para o esgotamento estrutural da previdência dos trabalhadores. O tal “regime geral” do INSS já estourou seu prazo de validade. Não enfrentar já a fraude estrutural da previdência significará a ruína de gerações futuras. Pelo nível da desordem moral a que chegamos, essa ruína pode nos atropelar ainda na atual geração de aposentados. (colaborou Manuel Jeremias Leite Caldas)
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.