Paulo Rabello de Castro
Paulo Rabello De Castro
ECONOMIA GLOBAL

Do império ao mundo de blocos

O novo mundo que se delineia, para além da momentânea guerra de tarifas, será um mundo de alianças em torno desses três grandes blocos

Publicidade

Mais lidas

Desde que emergiu como grande vitorioso ao fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos vêm atuando em variados papéis no mundo contemporâneo, para além do que essa grande nação nos legou por sua história de 250 anos: é o país onde o fogo da liberdade arde acima da vontade de tiranos e onde a livre expressão política não é apenas um direito de falsete. Entre tantas outras “missões” dos EUA no mundo atual, destacam-se, no campo militar, o guarda-chuva nuclear sobre o Ocidente, a proteção aos suprimentos de petróleo e a defesa dos mares ao comércio seguro. Mas a influência americana, nas últimas oito décadas, vai mais longe. Os EUA controlam a segurança dos pagamentos internacionais, a moeda de reserva dos países (o dólar), um fundo de socorro financeiro (FMI) e recursos para o desenvolvimento (Banco Mundial). No entanto, a moderna influência americana tem acontecido, sobretudo, no campo social; vai do cinema às novas mídias, dos modismos dos adolescentes aos palácios de consumo (os shoppings) e até a banalização da violência.

 


O século 20 foi, sem dúvida, o “século americano”, culminando, em 2000, com a absoluta predominância econômica, militar e ideológica dos EUA no mundo (a prodigiosa era Reagan-Clinton) que determinou a chamada Pax Americana. Porém, a fila anda e outros países avançam. A segurança mundial alcançada pelo fim da guerra fria com a antiga União Soviética e a enorme liberalização do comércio mundial desenharam novas oportunidades para muitas nações, os chamados emergentes, com destaques para Coreia do Sul, Taiwan, Índia, Brasil, Polônia, Turquia, Israel, México, entre outros. Mas nenhum país deu o salto de progresso conseguido pela China, cuja capacidade de poupar e absorver tecnologias de fora a levaram, em apenas 30 anos, a rivalizar com os EUA em termos de potência produtiva e projeção militar. Este é o novo poderio em ascensão no século 21, realidade estranha com a qual os EUA – tão dominantes até aqui – não estão ainda habituados a lidar. O “Império” que surge – se é que surge – não é o americano, mas o chinês, sobre cujas ambições de longo prazo pouco sabemos, para além de projetos de expansão e domínio como a “Nova Rota da Seda”.

 


Nesta perspectiva longa e estratégica, a presente guerra tarifária de Trump é apenas um sintoma do fim do que chamaríamos de “breve século” de domínio americano na cena mundial. Os EUA estão hoje vergados pelo peso do seu alto consumo, insuflado por gastos de governo acobertados por uma inundação de dólares e explosivo endividamento. A crise financeira de Wall Street, de 2008, não chegou a ser saneada, mas foi “barrigada” por toneladas de emissões de moeda e dívida. O grande déficit comercial americano é, hoje, o espelho, do seu grande déficit fiscal, em boa parte decorrente da gigantesca conta de juros anuais sobre dívidas emitidas no passado recente. Trump, de fato, procura simular uma posição de força e poder porque a realidade americana é, justamente, de grande fragilidade financeira. Os EUA não conseguem mais bancar sua posição de mega compradores de mercadorias e serviços no mundo, com um déficit em conta-corrente na casa de US$ 1 trilhão por ano, enquanto a Europa é superavitária em mais de US$ 400 bilhões e a China em outro tanto.

 

EUA anuncia novas tarifas portuárias para navios vinculados à China


Em recente artigo, o emplumado francês Thomas Piketty ataca a estabanada política reativa de Donald Trump ao afirmar que “Os Estados Unidos não são mais um país confiável”. Além de insolente e ressentida, a afirmação do economista não bate com os fatos da história nem da economia. Se lembrasse da história, Piketty teria mais respeito pelas vidas de muitos milhares de americanos, tombados em solo francês para liberar uma França posta de joelhos diante do invasor alemão. E se consultasse os dados econômicos, verificaria, pelo atual desequilíbrio de comércio e cambial, a impossibilidade de os EUA continuarem bancando mega déficits com dívidas explosivas.

 

Contratação de seguro viagem para Europa e EUA exige atenção

 

A forma atabalhoada de Trump de passar o recado da fragilidade americana ao mundo tem, sim, a ilusória conotação de arroubos de grandeza. Aliás, nenhum político anuncia que seu país chegou a um fim de linha fazendo confissão de derrota aos eleitores. Mas não é novidade que a América só será grande de novo se souber, a partir de agora, conviver num mundo de blocos, que já se desenham. No quadro, marcamos ali a China, a Área do Euro e os EUA, este envolvendo o Canadá e México, como países em sua órbita. Os europeus estão espantados com a notícia da redução do tamanho do guarda-chuva americano. Vão precisar colocar a mão no bolso (e na consciência) se quiserem liderar, como bloco, uma parte do mundo do futuro. Europeus, acostumados a subvenções e a planos de reconstrução, vão precisar se virar. Esse é o recado estúpido de Trump. É estúpido, mas verdadeiro.

 

Ucrânia e EUA assinam "memorando de intenção" sobre acesso a minerais


Por fim, o novo mundo que se delineia, para além da momentânea guerra de tarifas, será um mundo de alianças em torno desses três grandes blocos. Haverá adesões de países orbitais a essas grandes economias centrais e haverá alguns “solteirões no baile”, nomeadamente, Rússia, Índia, Japão e Brasil, cujo tamanho e potencial os fazem almejar a ser algo mais além de apenas satélites em órbita de outro astro. Desses quatro solteirões, o mais perdido no baile somos nós – Brasil – que chegamos a almejar uma liderança regional, por nosso enorme potencial, mas estamos pondo tudo a perder pelos erros repetidos de falta de foco e absoluta penúria de visão e liderança. Temos nos tornado, nos últimos anos, não mais do que um desajeitado Forrest Gump. Temos fome de liderar mas não nos dispomos a pagar o elevado preço de uma liderança. Por enquanto, nossa Páscoa tem sido uma passagem para a obscuridade no novo mundo do blocos, “Solteirões” e Noivas.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

Tópicos relacionados:

banco-mundial estados-unidos fmi trump

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay