Paulo Delgado
Paulo Delgado

OS ESTEREÓTIPOS DE TRUMP

O Brasil, que é ótimo para os EUA, figura apenas em torno da décima-oitava posição entre os parceiros comerciais dos EUA, ficando bem atrás de países bem menore

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Na era atual, em que ter alguma função é mais importante do que ter sentido e alcança melhor ressonância quem abusa da dissonância, Donald Trump, sanguíneo e veloz como é, também é rápido no acordo e na busca de expandir semelhanças. Ao espelhar bem o estereótipo do encrenqueiro, ele deixa também claro que a concorrência feroz que expressa, por palavras e leis, não deve impedir a convergência que existe no mundo dos bons negócios.

China, México e Canadá, seus principais parceiros comerciais, foram os primeiros alvos do estilo imperial de Trump. Os três se beneficiam mesmo de um bom acesso ao mercado dos EUA. O Brasil, que é ótimo para os EUA, figura apenas em torno da décima-oitava posição entre os parceiros comerciais dos EUA, ficando bem atrás de países bem menores como Vietnã, Irlanda e Taiwan.


Evidentemente, é boa política buscar entendimentos especiais com os EUA que incrementem nossas trocas. Todavia, o fato inescapável é que, em nossas relações, a balança comercial favorece sistematicamente os EUA, que se beneficiam da venda de produtos de alto valor para o mercado brasileiro, tanto em termos de bens de consumo quanto de bens de capital. Já faz mais de quinze anos que nunca vendemos mais para eles do que compramos de lá. Por isso, seguindo à risca a lógica mercantilista de Trump, é o Brasil que sai perdendo, há anos a fio, no comércio com os EUA. Sendo assim, pensar em tarifar o Brasil não apenas seria uma aberração de acordo com o seu próprio argumento, como prejudicaria muito mais as empresas dos EUA.


Não apenas as importações brasileiras de bens vindos dos EUA totalizaram mais de US$ 40 bilhões apenas em 2024, mas, principalmente, o Brasil desempenha um papel fundamental no fluxo de investimentos estrangeiros diretos e na geração de lucros para multinacionais estadunidenses. Nosso mercado é um dos mais importantes do mundo para as multinacionais estadunidenses.


Se, em termos de comércio internacional, o peso relativo dos produtos brasileiros nos EUA (cerca de 1,2% de tudo que os EUA importam vem do Brasil) já é apenas metade do peso relativo dos produtos estadunidenses exportados para o Brasil (cerca de 2,3% de tudo que os EUA exportam vem para o Brasil), a situação é ainda mais dramática no âmbito da atuação das multinacionais. São milhares de empresas dos EUA operando no Brasil, enquanto há apenas um número bem menor de empresas brasileiras operando nos EUA.


Aliás, em termos de protecionismo, os EUA são um mercado cada vez mais protegido pelo CFIUS, o Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos, que recentemente encaminhou o veto à aquisição de uma grande empresa estadunidense por uma empresa japonesa, mesmo sendo o Japão um aliado fortemente alinhado aos EUA. No Brasil, ainda sequer temos uma agência com funções parecidas de defesa dos interesses nacionais.


Os EUA figuram entre os maiores investidores no Brasil, com aportes significativos em setores como tecnologia, manufatura, energia e agronegócio. Somando tudo, empresas dos EUA detêm o maior estoque de capital investido no Brasil, entre os investidores internacionais. Em contrapartida, essas empresas remetem anualmente bilhões de dólares em lucros para suas matrizes nos Estados Unidos, reforçando a balança de pagamentos estadunidense e a riqueza de lá.


A presença de suas multinacionais no Brasil não só assegura o acesso dos EUA a um sólido mercado consumidor, mas também à riqueza de recursos humanos e naturais estratégicos que são transformados em produtos para exportação ou utilizados em suas cadeias produtivas globais. Ainda que os investimentos sejam extremamente bem-vindos, a verdade é que nenhuma multinacional fica se não estiver levando de volta para casa múltiplos daquilo que investe.


A verdade também é que a grande maioria dessas multinacionais opera em mercados com competidores qualificados de outros países, que aceitariam de bom grado ampliar sua fatia de mercado. Não custa lembrar que, embora o avanço da China e de suas corporações se deva, em parte, ao mérito de Pequim, ele também ocorre, em grande medida, devido à insistência dos EUA em abusar da regra três. Aquela regra, como cantou Vinícius, “onde menos vale mais”.


Por tudo isso, que tenhamos sabedoria e aproveitemos o chacoalhar do mundo. Como propusemos no artigo anterior - Trump, o Atirador de Pedras – há, por exemplo, um caminho para a autonomia nas comunicações, cruciais na economia política atual e vindoura. Vendo que os políticos brasileiros decidiram imitar a mania de boné do presidente dos EUA, melhor é logo aprender a lidar com Trump e tentar usar seus estereótipos a nosso favor.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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