Defesas tentam desconstruir denúcia da PGR e invalidar delação de Cid
Advogados reconhecem que a absolvição é improvável. Trabalham para reduzir as penas a condenações de 12 a 13 anos, contra a possibilidade máxima de 43 anos
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No primeiro dia do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus acusados de tentativa de golpe de estado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal federal (STF), entre os quais três generais de exército e um almirante de esquadra, os advogados de defesa dos réus atuaram com objetivo de desconstruir, desqualificar e enfraquecer as acusações do procurador-geral da República, Paulo Gonet. E invalidar a “delação premiada” do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência e peça-chave do inquérito da Polícia Federal que investigou a tentativa de golpe.
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O julgamento de uma tentativa de golpe de Estado envolvendo um ex-presidente da República e oficiais de alta patente das Forças Armadas suscita muitas polêmicas, porque não há precedentes e, portanto, jurisprudência sobre um caso como esse. Na abertura dos trabalhos da Primeira Turma, Moraes sinalizou que o seu voto como relator será duríssimo: disse que “a impunidade não é opção para a pacificação do Brasil”. Destacou que optar pela omissão significaria permitir a corrosão da democracia, como já ocorreu em outras tentativas de golpe ocorridas no passado.
Sem citar diretamente Donald Trump, que impôs sanções a ministros do STF, Moraes também afirmou que a Corte não se submeterá a pressões externas nem internas, reagindo às tentativas de intimidação. O julgamento ocorre em um ambiente internacional de tensão, por causa da adoção de sanções de Trump contra ministros, em especial Moraes, numa frustrada de interferir no funcionamento do Judiciário brasileiro. Moraes ressaltou que a “coragem institucional” e a defesa da soberania nacional são marcas do Supremo, que não será afetado por coações estrangeiras.
No resumo técnico da tramitação da ação penal, desde a abertura do inquérito até as alegações finais, Moraes esclareceu que foram ouvidas 149 testemunhas, produzidas provas e analisados documentos que ultrapassam dezenas de terabytes. O relatório não antecipou o voto do ministro, previsto para a próxima semana. Já o procurador-geral da República, Paulo Gonet, centrou sua manifestação na contestação da tese de que houve apenas “cogitação” de golpe. Chamado de “Punhal Verde e Amarelo”, para a PGR, o plano envolvia monitoramento de Moraes, reuniões com militares e movimentação de armamento.
Gonet frisou que Bolsonaro pressionou comandantes militares e que o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria avalizado a empreitada. A acusação também incorporou episódios de violência: incêndios de veículos, ataque à sede da Polícia Federal, a bomba no aeroporto em dezembro de 2022 e as convulsões de 8 de janeiro. Para Gonet, esses eventos serviram como instrumentos de convencimento dos militares, demonstrando que a execução já estava em curso.
Corpo fora
A tese da PGR de que os requisitos legais de “violência” e “grave ameaça” previstos nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal estariam, assim, plenamente configurada. Ontem à tarde, os advogados dos réus iniciaram as sustentações orais. A defesa do tenente-coronel Mauro Cid, delator premiado, adotou estratégia dupla: reforçar a credibilidade da investigação e da relatoria de Moraes, para salvar os benefícios do acordo, e ao mesmo tempo retratá-lo como mero executor de ordens, no sentido de minimizar sua responsabilidade diante dos fatos. Os advogados exaltaram a Polícia Federal e defenderam que Cid não tinha poder de decisão política, apenas acesso privilegiado.
Os advogados do deputado Alexandre Ramagem tentaram afastá-lo do “núcleo crucial” da trama, lembrando que ele deixou a Abin em março de 2022 para disputar mandato parlamentar. Argumentam que o acirramento golpista se deu após julho daquele ano. O ex-comandante da Marinha foi defendido por Demóstenes Torres, que criticou a denúncia da PGR por falta de individualização. Para ele, a acusação é uma “narrativa globalizante” que não discrimina de forma clara as condutas de cada réu. Garnier, único comandante formalmente acusado de apoiar o golpe, nega adesão à empreitada.
Nos bastidores, os advogados reconhecem que a absolvição é improvável. Trabalham para reduzir as penas a condenações de 12 a 13 anos, contra a possibilidade máxima de 43 anos. Uma das teses é fastar a dupla imputação de “golpe de Estado” e “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.
Argumentam que se trata do mesmo ato e não caberia punição em dobro. Outra linha de contestação é processual. Advogados alegam cerceamento de defesa pelo prazo exíguo entre denúncia e julgamento, apenas seis meses, e pela inclusão de 80 terabytes de documentos sem tempo para análise.
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Também acusam Moraes de não levar recursos relevantes ao colegiado, como o agravo contra a prisão domiciliar de Bolsonaro. É um choque de estratégias. De um lado, Moraes e Gonet enquadraram os fatos como execução de um golpe, afastando qualquer relativização. Do outro, as defesas buscaram enfraquecer a denúncia, preservar benefícios de colaboração e reduzir penas. A atmosfera é de tensão máxima, com muita repercussão internacional e agitação no Congresso, onde a oposição intensifica as articulações para aprovar uma anistia antes mesmo de o julgamento ser concluído. Estamos diante de um momento histórico que testará os limites da democracia brasileira.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.