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Luiz Carlos Azedo
ENTRE LINHAS

Lula precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre os EUA e a China

Quando se olha a balbúrdia no Congresso, tomado de assalto pela bancada bolsonarista, há que se considerar que o posicionamento desses parlamentares

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Se imaginarmos um triangulo ligando o Brasil aos Estados Unidos e à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa traçar uma bissetriz entre os dois países que possibilite achar um ponto de equilíbrio e sair do impasse em que se encontra, a partir de relações bilaterais com o presidente Donald Trump, que hoje não existem, e com o presidente Xi Jinping, cada vez mais próximas. O multilateralismo, no curto prazo, não dá conta de evitar a escalada da crise.

Na geometria, um triângulo possui dois tipos de bissetrizes: internas e externas. Para não complicar a analogia, o que nos interessa aqui é o ponto de encontro das bissetrizes internas do triangulo. Imagine uma circunferência dentro do triângulo, seu centro é equidistante de todos os lados. Por isso, é chamado de “incentro”. Bissetrizes são traçadas com régua e compasso; na analogia política, é muito mais difícil achar esse ponto de equilíbrio e equidistância.

Nesta quarta-feira, o presidente Lula disse à agência de notícias Reuters que só pretende ligar para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quando sentir que há disposição real para diálogo. Até lá, não vai se humilhar para isso. Na mesma entrevista, anunciou que pretende debater o tarifaço com o Brics — grupo de países em desenvolvimento do qual o Brasil faz parte, junto com a China, a Rússia e a Índia, dentre outros. Lula e Trump nunca conversaram. Enquanto isso, a crise diplomática e comercial se consolida com a entrada em vigor do tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros.

A postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante de Donald Trump, expressa na recusa em “se humilhar” e na decisão de acionar a OMC e mobilizar o Brics, deve levar mais em conta a longa e complexa tradição da política externa brasileira, considerando ainda uma contradição interna que contrapõe o “iberismo” conservador e hierárquico herdado do período colonial ao americanismo democrático e igualitário que inspirou nossa modernização.

O ponto de sustentação da política externa brasileira deve ser a vocação universalista, multilateral e emancipatória, porém, sem perder de vista que somos uma nação simultaneamente enraizado no Ocidente e protagonista do Hemisfério Sul, com o qual dividimos o passado colonial e a ambição do desenvolvimento.

Em um artigo recente, publicado na Revista Política Democrática (Fundação Astrojildo Pereira), o embaixador e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero ressalta que, desde o século 19, a relação Brasil-EUA tem sido marcada por uma assimetria estrutural. Ao mesmo tempo, revela que o Brasil sempre oscilou entre o desejo de reconhecimento como nação ocidental e o impulso autonomista. Lula, ao colocar o Brics como eixo alternativo de diálogo diante da agressão tarifária de Trump, reafirma essa ambiguidade estratégica. Lula é coerente com a política externa independente inspirada nos governos Jânio Quadros, João Goulart e Geisel, que marcaram a busca por autonomia na ordem mundial, sem abandonar os valores do Ocidente.

Regressão de valores

O que mudou? Ricupero ressalta que o retorno de Trump ao poder representa uma regressão nos valores iluministas que os EUA legaram ao mundo. Sua retirada do Acordo de Paris e da OMS, seu unilateralismo econômico e seu ataque ao sistema multilateral enfraquecem os princípios que tanto o Ocidente liberal quanto o Sul cooperativo valorizam. Lula, ao se recusar a aceitar o tarifaço como fato consumado e ao buscar apoio no Brics, rechaça esse “americanismo regressivo” e reivindica um novo equilíbrio, sem o servilismo ideológico de Bolsonaro. Mas isso não pode reeditar o antiamericanismo da Guerra Fria.

A autoridade internacional do Brasil precisa da legitimidade multilateral, da institucionalidade democrática e do prestígio dos fóruns plurais, como o Brics e a OMC — mesmo enfraquecidos. Mais “pragmatismo responsável” de Geisel e Silveira e alinhamento automático de Oswaldo Aranha. Embaixador nos Estados Unidos de 1905 a 1910, Joaquim Nabuco, porém, dizia que “não se fica grande por dar pulos”. Essa crise não se resolverá no gogó.

Havia um certo consenso nacional e continuidade em torno da política externa brasileira pós-redemocratização, a partir do governo de José Sarney, que restabeleceu as relações com a Cuba e a China. O ex-presidente Jair Bolsonaro rompeu essa tradição, alinhando o país aos Estados Unidos a tal ponto que chegou a bater continência para Trump no primeiro mandato. Entretanto, por pressão dos interesses do agronegócio, teve que retroceder em relação às hostilidades com a China. Não à toa, Trump utiliza todo o poder dos Estados Unidos para anistia Bolsonaro e livrá-lo da inelegibilidade e de condenações penais por tentativa de golpe de estado.

Quando se olha a balbúrdia no Congresso, tomado de assalto pela bancada bolsonarista, há que se considerar que o posicionamento desses parlamentares a favor de Trump e do tarifaço não é estranho à nossa realidade: somos um país marcado por uma tradição ibérica de Estado forte e sociedade hierárquica, tensionada pela modernidade igualitária e democrática do Ocidente, da qual o modelo americano historicamente até recentemente foi a principal referência. A política externa de Lula precisa ser calibrada levando em conta essa equação.

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As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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