Parlamentares bolsonaristas radicalizam e levam a crise para o Congresso
A cena de parlamentares impedindo o trabalho regular do Congresso não encontra paralelo recente na história. Mas ecoa o ambiente que antecedeu o 8 de janeiro
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A volta do recesso parlamentar nesta terça-feira mostrou o agravamento da crise política que abala a República. A prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes por descumprimento de medidas cautelares, desencadeou reação imediata dos parlamentares de oposição, liderados pelo PL, que ocuparam as mesas-diretoras da Câmara e do Senado, afrontaram seus presidentes, o deputado Hugo Motta (PR-PB), e o senador Davi Alcolumbre (União-AP), e ainda ameaçam promover a obstrução total das votações do Congresso.
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A cena de parlamentares impedindo o trabalho regular do Congresso não encontra paralelo recente na história. Mas ecoa o ambiente anárquico e radical que antecedeu a invasão dos palácios da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, como se fosse a retomada de um fio da história da tentativa de golpe de Estado. Ao decretar a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes tirou da garrafa o gênio da desestabilização das relações entre o Supremo e o Congresso.
Com a maior bancada da Câmara, o PL protagoniza a tentativa de emparedamento de Motta e Alcolumbre, para que ponham em votação, nesta semana, a anistia de Jair Bolsonaro e aos demais envolvidos na tentativa de golpe na Câmara, e o impeachment de Moraes, no Senado, onde já há 35 das 41 assinaturas de senadores necessárias para impor essa pauta.
Considerada desnecessária e exagerada por setores da magistratura, inclusive alguns ministros do Supremo, a prisão domiciliar de Bolsonaro foi uma resposta aos ataques que a corte vem sofrendo por parte da oposição e ao descumprimento de medidas cautelares aplicadas ao ex-presidente, como participar de manifestações físicas ou virtuais. Mas fragilizou o amplo apoio que o julgamento do ex-presidente vinha tendo do Centrão e setores moderados da oposição.
Essa fratura facilitou a ofensiva é coordenada pelos senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, e pelos deputados Sóstenes Cavalcanti (RJ), líder do PL, e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos Estados Unidos, onde articulou a adoção pelo presidente Donald Trump do tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros.
Há um realinhamento de forças políticas no país em razão da intervenção direta de Trump em favor de Bolsonaro. Desde o golpe militar de 1964, que foi vitorioso, não ocorre uma interferência dos Estados Unidos dessa magnitude na política brasileira, em apoio aberto a Bolsonaro, seus filhos e seus aliados. Não tem precedentes a forma como o tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros está sendo comemorado pelo ex-presidente e a bancada do PL, como um golpe para desestabilizar o governo Lula e impor ao Supremo uma decisão favorável ao ex-presidente.
Paralelo histórico
Nem de longe as medidas do Supremo têm paralelo, por exemplo, embora de natureza ideologicamente oposta, com a cassação do registro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1947, após declarações de seu secretário-geral, Luiz Carlos Prestes, no ano anterior. A Guerra Fria dava seus primeiros passos. O Brasil, recém-saído da ditadura Vargas e com uma Constituição democrática em vigor, vivia um momento de intensa disputa ideológica. Nesse contexto, respondendo a uma pergunta hipotética e capciosa, Prestes afirmou: “Se houver guerra entre o Brasil e a União Soviética, estarei ao lado da União Soviética.”
Interpretada como prova de lealdade a uma potência estrangeira, a frase caiu como uma bomba no Congresso e na opinião pública. O governo Dutra, alinhado aos Estados Unidos, reagiu com rapidez: o PCB foi acusado de agir contra a segurança nacional. Em 1947, seu registro foi cassado e, em seguida, seus parlamentares perderam o mandato. O partido mergulhou na clandestinidade, e a repressão contra seus militantes se intensificou. Somente em 1985, no governo Sarney, o PCB voltou a ser um partido legal.
O “sincericídio” de Prestes, embora coerente com sua ideologia, foi usado historicamente como argumento para justificar uma medida drástica de exclusão política. A lógica era: uma força que age em sintonia com interesses estrangeiros contra o próprio país não pode permanecer no jogo democrático. Oito décadas depois, o paralelo não está na ideologia, mas no caráter da ação política: a atuação contra a soberania nacional e as instituições democráticas.
Bolsonaro e seus filhos estimulam, de forma aberta, que Donald Trump imponha sanções e tarifas contra o Brasil para constranger o Judiciário e obter vantagens políticas internas. Em momento de grave tensão diplomática, porém, a reação do Supremo nem de longe se compara àquela aplicada ao PCB. O paralelo somente tem sentido para mostrar que certos limites constitucionais estão sendo ultrapassados, em embargo das críticas às medidas cautelares adotadas por Moraes.
Davi Alcolumbre, presidente do Senado, classificou a ação desta terça-feira como “exercício arbitrário das próprias razões”, lembrando que o Congresso tem “obrigações com o país” na apreciação de matérias essenciais. Hugo Motta, presidente da Câmara, adotou tom mais neutro, mas reforçou que decisões judiciais devem ser cumpridas. Ambos, porém, enfrentam o mesmo dilema: como retomar os trabalhos sem ceder à chantagem política.
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