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Luiz Carlos Azedo
ENTRE LINHAS

Depois de emparedar o governo, vem aí a crise do Congresso com o Supremo

Cerca de 80 parlamentares beneficiados pelas RP9, as chamadas "emendas secretas", são investigados em sigilo

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Follow the money (“Siga o dinheiro”) é um bordão em língua inglesa popularizado pelo filme Todos os homens do presidente (All the President's Men(1976). O roteirista de William Goldman atribui a frase a Deep Throat (“Garganta Profunda”), o informante que revelou o escândalo de Watergate aos jornalistas. Embora não apareça no livro dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, que investigaram o escândalo do Watergate, a frase é verdadeira. Foi dita por Henry Peterson, durante seu depoimento diante da Comissão de Justiça do Senado dos Estados Unidos, sobre a nomeação de Earl J. Silbert para procurador federal.


O caso resultou na renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon, em 9 de agosto de 1974. Desde então, seguir o dinheiro é uma regra de ouro dos jornalistas investigativos. É o caso, por exemplo, do jornalista Ruben Berta, do UOL, que investigou um esquema milionário envolvendo ONGs contempladas com recursos de emendas parlamentares. Durante seis meses, mergulhou nos mais de 700 contratos de um grupo de sete entidades que receberam cerca de R$ 500 milhões em emendas parlamentares.


No Rio, foram destinadas a projetos de esporte, qualificação profissional e castração de animais. Por lei, as ONGs não podem ter fins lucrativos, mas repassam boa parte do que recebem a empresas que não têm essa proibição, muitas criadas do dia para a noite. Um peixeiro carioca, por exemplo, abriu duas empresas e recebeu R$ 5 milhões de ONGs, oferecendo serviços de treinamento, eventos e monitoramento.

 


Isso não é nada diante de 40 inquéritos nos quais a Polícia Federal investiga a destinação e verbas públicas a municípios. Seguir o dinheiro das emendas parlamentares, principalmente as famosas emendas secretas, inexoravelmente, transformará em caso de polícia a destinação sem transparência de recursos do Orçamento da União. Hoje, esse é o principal ponto de fricção entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).


Subjacente à derrota imposta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na votação do decreto legislativo que derrubou o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), em votações relâmpago da Câmara e do Senado, na quarta-feira passada, também existe uma crise anunciada entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) por causa dessas emendas. A face aparente é a suspensão da execução das chamadas “emendas de comissão” pelo ministro do STF Flávio Dino.


Entretanto, o estresse principal são as investigações envolvendo cerca de 80 deputados e senadores beneficiados pelas RP9, as chamadas “emendas secretas”, que os caciques do Congresso querem manter numa “caixa-preta”. Essas investigações estão a cargo dos ministros do STF Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, além de Dino. Ocorrem em sigilo de justiça por causa da imunidade parlamentar.

 

Escândalos


As emendas secretas ganharam destaque em 2020, no governo Bolsonaro, quando o relator-geral do Orçamento passou a operar bilhões de reais sem transparência. As primeiras denúncias surgiram graças ao trabalho de repórteres investigativos; depois, entraram em campo o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Supremo Tribunal Federal (STF). A então presidente, ex-ministra Rosa Weber, exigiu transparência na execução das emendas secretas.

Em dezembro de 2022, o STF julgou inconstitucional o modelo das emendas secretas; o TCU abriu auditorias para apurar as denúncias de irregularidades na distribuição dos recursos, superfaturamento e direcionamento de obras, empresas de fachada beneficiadas e prefeituras que receberam verbas milionárias. Entre 2020 e 2022, as emendas RP9 movimentaram cerca de R$ 45 bilhões, com destinação altamente concentrada entre parlamentares da base governista, especialmente aliados do então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).


Os atuais presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), foram grandes artífices dos acordos de distribuição desses recursos. Proibidas pelo Supremo, as RP9 (STF, 2022) foram substituídos no Orçamento de 2023 pelas RP2 (emendas de comissão) e RP6 (emendas de liderança), mantendo, de forma adaptada, a lógica da barganha e da falta de transparência.


Quais parlamentares indicaram efetivamente os recursos? Que empresas e operadores lucraram com a execução dos contratos? São duas perguntas que precisam ser respondidas. Alguns escândalos são emblemáticos: o “Tratoraço”, com a compra superfaturada de máquinas agrícolas, num total de R$ 3 bilhões, e superfaturamento de até 259%; licitações viciadas em alguns ministérios e prefeituras; e repasses, muitos repasses, para instituições e ONGs de idoneidade duvidosa.

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O deputado Juscelino Filho (União-MA), por exemplo, teve que sair do Ministério das Comunicações por causa da manipulação de recursos provenientes de emendas destinadas à sua base eleitoral quando exercia o mandato. O município de Turilândia (MA), com 22 mil habitantes, é um “case” de maracutaias: recebeu R$ 46 milhões de emendas secretas, em 2020. Castanhal (PA), outro: sumiu com R$ 15 milhões destinados à pavimentação e construção de uma unidade de saúde.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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