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Luiz Carlos Azedo

O mundo ficou mais perigoso com entrada de Trump na guerra com o Irã

De todos os personagens envolvidos nos conflitos do Oriente Médio, o grande vitorioso é Netanyahu. Por ironia, pode ser preso quando a guerra acabar

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A ideia de guerra justa (bellum iustum) é um conceito filosófico, ético e jurídico greco-romano e cristão. Estabelece critérios morais para legitimar o uso da força militar. Seus princípios são a defesa contra agressão, a proteção de inocentes e/ou a restauração de direitos violados. Seu objetivo deve ser a paz e não, a vingança, a conquista e/ou interesse econômico. Segundo Santo Agostinho de Hipona (séc. V) e Tomás de Aquino (séc. XIII), os três critérios básicos de uma guerra justa são a autoridade legítima, a causa justa e a intenção reta.

A justiça na condução da guerra (jus in bello) exige separar combatentes e não combatentes; uso da força proporcional ao objetivo; tratamento digno para prisioneiros e feridos. A resistência aos nazistas na Segunda Guerra Mundial; a intervenção internacional no Kosovo (1999), para evitar genocídio; a resposta inicial dos EUA ao 11 de setembro, com ataque ao Talibã no Afeganistão (2001), são considerados guerras justas.

Mas o conceito também foi usado para legitimar guerras consideradas injustas como a guerra do Vietnã, a invasão do Iraque (2003), sem prova de armas de destruição em massa; a invasão da Ucrânia pela Rússia (2022), vista como agressão territorial. É que “a guerra é a continuação da política por outros meios”, conforme a definição clássica do general prussiano Carl Von Clausewitz (1790 – 1831), autor do mais famoso tratado Da Guerra (Martins Fontes).

É aí que surgem as decisões políticas desastrosas. Quando a Itália entrou na I Guerra Mundial, em 1915, ao lado da “Entente” (aliança entre França, Inglaterra e Rússia), por exemplo, os políticos italianos viram uma oportunidade de libertar Trento e Trieste do jugo do Império Austro-Húngaro. Centenas de milhares de jovens foram lançados à batalha. No primeiro confronto, os austro-húngaros mantiveram a defesa de Izonso. Morreram 15 mil italianos. Na segunda batalha, foram 40 mil mortos; na terceira, 60 mil.

Os italianos lutaram “por Trento e por Trieste” em mais oito batalhas, até que, em Caporreto, na décima-segunda, foram derrotados fragorosamente e empurrados para Veneza. No livro Homo Deus, Yuval Noah Harari (Companhia das Letras) classificou o episódio como a síndrome “Nossos rapazes não morreram em vão”, porque foram contabilizados 700 mil italianos mortos e mais de 1 milhão de feridos ao final da guerra.

Depois de perder a primeira batalha, os políticos italianos tinham duas opções. A primeira era admitir o erro e assinar um tratado de paz. Prevaleceu a segunda, porque não tinha o ônus de ter que explicar para os pais, as viúvas e os filhos dos 15 mil mortos de Izonso porque eles morreram em vão. Era mais fácil exacerbar o nacionalismo e continuar a guerra. Entretanto, o povo também apoiou o envio de tropas para o front. Mais tarde, descontente, entregou o poder a Mussolini.


Marcha da insensatez

Harari destaca que decisões políticas e sociais podem não ser guiadas pela racionalidade estratégica, mas por decisões narcisistas e emoções coletivas, como o medo da vergonha da derrota, o luto familiar e o orgulho nacional, luto público e o medo da vergonha. A síndrome “Nossos rapazes não morreram em vão” escala quando se investe vida humana, recursos e tempo de forma equivocada e fica difícil recuar.

É o que está acontecendo com na Rússia, na Ucrânia, em Israel, na Palestina e no Irã. Sem juízos de valor se a guerra é justa ou não. Esse conceito é utilizado e violado, ao mesmo tempo, por todos os lados. Israel tem todo direito de punir exemplarmente o Hamas, mas não de promover um genocídio em Gaza. O Irã não tem o direito de financiar grupos terroristas contra a Israel, mas nem por isso deveria ser atacado pelos Estados Unidos como foi.

Putin não deveria ocupar parte da Ucrânia, a pretexto se defender da ameaça da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mas isso não justifica que os países da Europa gastem 5% do seu Orçamento com armamentos, em vez de usar o dinheiro para combater o aquecimento global. Agora, a Alemanha tem condições de voltar a ser a maior potência militar da Europa. A história mostra que isso não torna o mundo mais seguro.

A Marcha da Insensatez: De Tróia ao Vietnã (BestBolso), da historiadora Barbara W. Tuchman, coleciona exemplos de governantes que prejudicaram a si próprios e ao seu país. Os troianos aceitam o cavalo de madeira dos gregos; a corrupção e arrogância dos papas, no Renascimento, levaram à Reforma Protestante; ao não fazer concessões políticas aos colonos, o governo britânico precipitou a Revolução Americana; e a intervenção militar, mesmo com alertas internos e crescente insatisfação social, levou os Estados Unidos, a maior potência militar do pós-guerra, à derrota no Vietnã. Trump assumiu o poder com a narrativa de acabar com as guerras, porém, com o ataque de surpresa ao Irã, em meio a negociações, tornou os EUA ainda menos confiáveis e o mundo mais perigoso.

Entretanto, de todos os personagens envolvidos nos conflitos do Oriente Médio, o grande vitorioso é o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Por ironia, pode ser preso por corrupção e/ou condenado por genocídio quando a guerra acabar. Conseguiu arrastar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com seu narcisismo, para a guerra com o Irã. Agora, atrai o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, outro vaidoso, que desafia a China para uma corrida armamentista. O Irã é um elo estratégico da rota Transcaspiana, que liga a China com a Europa, via Rússia, Cazaquistão, Azerbaijão, Mar Cáspio e Turquia, ou seja, sem passar pelo Atlântico.

 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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