Trump aposta no "efeito elefante" para manter hegemonia dos EUA
O tarifaço levou o banco JP Morgan Chase a elevar de 40% para 60% a probabilidade de recessão nos EUA e, por consequência, na economia mundial
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Os mercados globais encerraram a semana com previsões de nova recessão mundial, devido ao tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ao adotar a reciprocidade tarifária, a reação da China à sobretaxa, que começou a valer para 185 países, fez as bolsas desabarem e o preço das commodities caíram. O cenário global lembra a teoria do caos, um ramo da matemática e da física que estuda sistemas dinâmicos que são extremamente sensíveis às condições iniciais.
Essa sensibilidade significa que pequenas variações no ponto de partida podem levar a resultados drasticamente diferentes. É daí que vem a ideia do “efeito borboleta” – o conceito de que o bater de asas de uma borboleta em um lugar pode, eventualmente, causar um furacão do outro lado do mundo. Entretanto, estamos diante de uma espécie de “efeito elefante”, desculpe-me a analogia com o símbolo dos republicanos, mas tem tudo a ver com Trump na Casa Branca.
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O tarifaço levou o banco JP Morgan Chase a elevar de 40% para 60% a probabilidade de recessão na economia americana e, por consequência, global. “As políticas disruptivas dos EUA foram reconhecidas como o maior risco para as perspectivas globais durante todo o ano”, afirmou Bruce Kasman, economista-chefe do banco norte-americano. Esse choque macroeconômico não foi previsto nem por governos nem por empresas.
Na “teoria do caos” não existe desordem total, mas uma nova ordem complexa e imprevisível. Os sistemas caóticos – como o clima, o trânsito e o mercado financeiro – seguem leis matemáticas, mas têm comportamento aleatório. É impossível prever com precisão o que vai acontecer depois de certo ponto, ou seja, o que vai acontecer a partir de agora.
Trump toma decisões ou faz declarações imprevisíveis, que surpreendem até seus aliados; suas ações e comentários desencadeiam reações em cadeia nos mercados, na política externa e nas redes sociais; e sua resistência ao controle, característica dos sistemas caóticos, coloca em xeque a institucionalidade da economia mundial e a própria democracia americana.
A democracia se estrutura a partir de atores racionais e previsíveis. Trump rompe esse paradigma no confronto direto com o status quo. Seu tarifaço pode sepultar de vez o que ainda restava do Acordo de Bretton Woods, de 1944. É a segunda grande crise desse sistema, que buscava estabelecer uma ordem econômica estável após a Segunda Guerra Mundial, com base em taxas de câmbio fixas atreladas ao dólar americano e ao padrão-ouro (35 dólares por onça-troy).
Desglobalização
Na década de 1970, o sistema entrou em crise. Os EUA gastavam mais do que arrecadavam, devido à Guerra do Vietnã; muitos países começaram a acumular dólares e houve uma corrida para o ouro, num ambiente de inflação global com taxas de câmbio engessadas. A antiga União Soviética, de um lado, e o Japão, Alemanha, França e Inglaterra, de outro, ameaçavam a hegemonia americana.
Em 15 de agosto de 1971, o presidente Richard Nixon virou a mesa: suspendeu a conversibilidade do dólar em ouro (fim do padrão-ouro) e regulou preços e salários nos EUA. O câmbio passou a variar com base em oferta e demanda, o que trouxe mais volatilidade ao comércio internacional. A confiança no sistema monetário passou a depender da credibilidade dos governos.
A crise do sistema coincidiu com choques do petróleo (1973 e 1979), que gerou “estagflação”: alta inflação com baixo crescimento. Com maior instabilidade cambial e crises, o FMI ganhou importância como agente de apoio a países em dificuldades financeiras. O fim do câmbio fixo afetou diretamente os países que dependiam de um sistema relativamente estável para importar bens e pagar dívidas.
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Somada à instabilidade cambial e choques do petróleo, a crise mundial contribuiu para o início de um longo ciclo inflacionário no Brasil, que só terminaria com o Plano Real, em 1994. A estabilização da nossa moeda, no governo Fernando Henrique Cardoso, coincidiu com um novo ciclo de expansão da economia mundial, protagonizado pelos Estados Unidos e a China, que aceitou as novas regras do jogo estabelecidas por Ronald Reagan (EUA) e Margareth Thatcher (Reino Unido).
A partir do Consenso de Washington, a globalização intensificou relações econômicas, culturais, políticas e tecnológicas, formou-se uma rede de interdependência e conexão em escala mundial, com cadeias de valor integradas e uma nova divisão internacional do trabalho.
Internet, redes sociais e comunicação em tempo real; o transporte aéreo e marítimo mais rápido e barato; e inovação fluindo entre países com mais velocidade, bem como ideias, músicas, filmes, marcas; hábitos, estilos e valores estrangeiros, tudo globalizado.
Isso parecia ser uma tendência irreversível, após o fim da antiga União Soviética e da guerra fria, ainda mais depois da integração da China e do Vietnã às regras do jogo do comércio mundial com as economias de mercado. Entretanto houve aumento das desigualdades e do desemprego nos Estados Unidos, tanto quanto na Europa e na América Latina. Trump é uma resposta à perda de protagonismo dos Estados Unidos diante da China. Seu lema “America First” aposta na desglobalização de sua economia, num mundo que se tornou mais interdependente.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.