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Pessoas gordas estão proibidas. Acordo suando e tento me convencer de que foi apenas um sonho ruim. Pego o celular e o app de notícias anuncia: proibido gordas.
Não era apenas meu inconsciente trabalhando? Freud, corra aqui. Não tem linguagem que dê conta de tamanha violência.
A obsessão contemporânea pelo “corpo saudável” opera como uma moralidade que culpa, vigia e pune. Pesquisadores apontam que a obesidade tem sido tratada como falha pessoal, justificando propostas de punição e exclusão social em nome da saúde pública. Isso revela traços fascistas na forma como o discurso biomédico e midiático define quem é “cidadão legítimo” e quem deve ser corrigido ou penalizado.
Essa lógica, que transforma o corpo gordo em ameaça à ordem, reproduz a mesma violência que historicamente inferiorizou corpos negros e periféricos, agora travestida de promoção da saúde .
Essa “neo-frenologia” das corporalidades gordas mede, classifica e patologiza em nome da ciência, legitimando exclusões e abrindo mercados bilionários de dietas, cirurgias e remédios.
Essa lógica escancara o fascismo que tentamos disfarçar, chamando de piada: todos se sentem no direito de vigiar e corrigir o corpo gordo, sustentando uma ditadura estética em que a magreza se confunde com moralidade e valor humano. O que está em jogo não é saúde, mas controle, e, no limite, a negação do direito de existir.
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Não raro, criam-se dispositivos cada vez mais torturantes de emagrecimento, que vão desde remédios nauseantes a travas na boca, dignas das melhores distopias.
E, nessa distopia nossa, quando acordo de um pesadelo e me deparo com notícias como as que elenquei abaixo, não consigo não pensar no filme “Medida Provisória” e na perseguição calçada na eugenia que envolve essa obsessão pela magreza e, sobretudo, pelos corpos ditos “saudáveis”, onde qualquer reivindicação por direito se transforma em: isso é destinado apenas aos corpos saudáveis, como se todos os gordos não pudessem ser incluídos nisso e, consequentemente, fossem indignos de existir.
Não consigo deixar de imaginar que num futuro amanhã - e amanhã mesmo - seremos proibidos de entrar nos lugares, não mais de forma velada, com portas diminutas, bancos minúsculos, cadeiras de praia na calçada, mas com cartazes do tipo que dizem: proibida a entrada de animais. Vamos ler: pessoas gordas estão proibidas. Não toleramos a existência de pessoas gordas. Emagreça e exista, ou recolha-se ao seu espaço e não ouse estar em público.
A obsessão contemporânea pelo “corpo saudável” opera como moral disciplinar. Faço, depois que li Louisa Yousfi, no “Permanecer bárbaro: não brancos contra o império”, uma analogia com o permanecer gorda e resistir. E isso nada tem a ver com ser saudável.
No meu texto na Jacobin, denuncio o regime da magreza como máquina de exclusão que classifica corpos “inadequados” como perigosos, insurgindo contra quem “sai do padrão” e vinculando saúde à obediência estética. Essa lógica transtorna o que deveria ser biologia e sociologia em julgamento moral e legitima a vigilância estatal e social contra corpos gordos — uma violência que se revela estrutural, não individual.
“Proibido Gorda” em rodeio em Sapopema
A relação das pessoas gordas com rodeios é recorrente. Ora com mulheres gordas sendo montadas em universidades, ora com ridicularizações e desumanizações como a que ocorreu no último final de semana.
Em Sapopema (PR), o concurso de Rainha do Rodeio transformou-se em palco de humilhação: após a coroação, a professora Flávia Mainardes, 26 anos, eleita primeira princesa, teve fotos e vídeos veiculados exibindo adesivos distribuídos no evento que mostravam a silhueta de uma mulher gorda com o símbolo de “proibido” — uma afronta cruel à sua imagem e dignidade.
O ataque foi justificado por alguns como “apologia à vida saudável”, mas expôs o preconceito enraizado: Flávia sofreu gordofobia pública e foi reduzida a alvo de escárnio em território que deveria celebrar beleza e orgulho local. Ela denunciou o episódio como crime de injúria, afirmou que seu corpo “não é problema de ninguém” e alertou que tais agressões podem provocar graves danos à saúde mental — inclusive risco de suicídio.
Generais gordos estão proibidos
Em um decreto polêmico nos Estados Unidos, o secretário de Defesa Pete Hegseth anunciou, na última semana, que militares poderão ser punidos, inclusive com demissão, caso não atendam aos padrões de peso definidos pelo governo. Ele chegou a criticar publicamente generais e almirantes “gordos”, afirmando que não seria aceitável ver oficiais acima do peso nas forças armadas.
A medida escancara mais um estilo de gordofobia institucional: ao tratar corpos fora de um padrão como “ineficientes” ou “inaceitáveis”, reforça o estigma de que engordar é falha moral ou risco profissional — e legitima controle, humilhação e discriminação com respaldo oficial.
Cada ramo das Forças Armadas deverá aplicar métodos reconhecidos como válidos pela medicina e pela ciência, baseados na relação entre altura e circunferência corporal. O Departamento de Defesa se comprometeu a divulgar, em até 60 dias, novas diretrizes detalhando os parâmetros exigidos.
O que restará?
Diante disso, me pergunto: o que restará? A compulsoriedade para que um corpo seja magro atinge níveis extremos e, ser uma pessoa gorda é carregar não apenas o próprio peso, mas um desvio de caráter. Uma falha moral.
Nos dizem, o tempo todo, que não podemos existir assim, porém, pouco ou nada além da tortura nós é oferecido, sendo resumido apenas a: é só comer menos e malhar.
Já explanei, aqui, em inúmeras outras colunas, como é difícil que essa fórmula funcione para todos os corpos e como é urgente que enxerguemos uma pessoa e não só uma monstruosidade nesses amontoados de carne e sonhos. Conseguimos? Temo que não.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.