O menino e o sonho do Mineirão
Os meninos adoravam quando o "Seu Yustrichi" chegava, pois falariam sobre o tal estádio. O treinador dizia que seria grande, tão grande, igual ao Maracanã
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O futebol se tornou a paixão daquele menino, aos sete anos. Afinal de contas, ele tinha à sua disposição, junto com a turma de vizinhos, todos amigos, dois campos. Um, no pátio de estacionamento do prédio onde morava. O outro, na rua. Aliás, era um desafio, pois a gente precisava dominar a bola, driblar e chutar a gol num piso de pedra, de paralelepípedo, como era o calçamento das ruas naquele tempo.
Além disso, seu pai adorava futebol e o levava aos estádios. Ele dizia: “Vamos ver pra quem você vai torcer…” E assim, ia à Alameda, o campo do América, na região dos hospitais, em Belo Horizonte. Ao Antônio Carlos, o campo do Atlético, em Lourdes. Ao acanhado Estádio JK. E, várias vezes, também, a Nova Lima, no Estádio Castor Cifuentes, o campo do Villa Nova.
Era assim naquela época. Quase ninguém tinha televisão. Por isso, aos domingos à tarde, era comum ir à casa de um vizinho, seu Walter, para assistir à transmissão, da TV Itacolomi, de um jogo de futebol. Não eram jogos daqui, mas do Campeonato Carioca. Mas o que importava assistir futebol.
Até que naquele 1965, seu pai comprou a primeira televisão para casa. Aí as coisas ficaram melhores, pois no domingo à noite podia assistir, com consentimento dos pais, ao vídeo tape dos jogos do Campeonato Mineiro, aliás, todos realizados nesses campos acanhados.
De vez em quando, pai e filho iam para o Estádio Independência, na época chamado “Campo do Sete”, por ser o estádio do Sete de Setembro, que o menino via, naquele tempo, como um “campão”. E a capacidade era muito pequena. Apenas 23 mil lugares. Mas, para ele, era o máximo ver as arquibancadas cheias.
Mas naquele ano aconteceria uma novidade. Um estádio, verdadeiro, seria inaugurado na Pampulha. Nasceria o Mineirão, o apelido do Estádio Governador Magalhães Pinto, nome dado em homenagem ao então governador de Minas Gerais e que foi quem ajudou a viabilizar a sua conclusão.
O menino e seus amigos eram vizinhos de um famoso treinador de futebol. Era Yustrich, também chamado de “Homão”, por ser grande e muito forte. Para eles, os meninos, “Seu Yustrichi”.
Ele treinava o Siderúrgica, de Sabará. Tinha sido o campeão de 1964. E levava para os meninos as bolas velhas do clube. Era com elas que eles batiam as peladas ou brincavam de controle.
Pois os meninos adoravam quando o “Seu Yustrichi” chegava, pois falariam sobre o tal estádio. O treinador dizia que seria grande, tão grande, que seria igual ao Maracanã.
As histórias do “Seu Yustrichi” se juntavam às de quatro jornalistas, dois deles ligados à cobertura esportiva, que também moravam no prédio. Eles acompanharam, passo a passo, a construção do Mineirão.
E o pai do menino era um deles. Lhe contava tudo à noite, quando chegava, e no dia seguinte era atração dos momentos que antecediam a pelada, contando o que sabia de novidade sobre o estádio.
E com a confirmação da data de inauguração, a ansiedade crescia. O sonho de todos aqueles meninos era poder, um dia, jogar no estádio, que para eles seria o maior do mundo. Muito maior que o Maracanã.
Quem vai ser o primeiro a jogar? Bom, só podia ser a Seleção Mineira, para não melindrar ninguém, pois a rivalidade clubística já existia. Era maior entre Atlético e América, mas o Cruzeiro estava chegando. O Villa Nova, pentacampeão mineiro, e Siderúrgica, bi, também se impunham. Tinham torcedores em BH.
Todos queriam ir no jogo. Mas somente um, o menino, foi levado por seu pai. E ele viu a Seleção Mineira vencer o River Plate, da Argentina, com gol de Bougleux.
Não foi só o autor desse gol, e o balançar das redes que viu. Ficou fascinado com o estádio. Era muito grande. Nunca poderia imaginar aquela coisa gigantesca. Os pilares do andar inferior, então, o fascinaram. Tinham amortecedores.
Ouviu o engenheiro Gil César Moreira de Abreu explicar que eles tinham de comportar o peso da arquibancada, que ficava acima, que sacudiria principalmente quando a torcida vibrasse.
Mas viu, também, três destaques, três craques, Tostão, Dirceu Lopes e Jair Bala. Ficou fascinado.
Desde então, por 60 anos, o menino viu as grandes conquistas do futebol mineiro. A Taça Brasil do Cruzeiro, assim como suas duas Copas Libertadores, os títulos brasileiros de Atlético e Cruzeiro. A Copa Sul-Minas do América. Jogos da Seleção Brasileira.
Pois lá se vão 60 anos do segundo maior estádio do país. E com momentos inesquecíveis. E olha, que, depois, o menino veio a disputar jogos no estádio, em preliminares, mas jogou, e assim realizou um sonho de infância, não só deles, mas de todos os amigos: Caqui, Chiquinho, Popola, Pelau, Nando, Juleba, Murilão, Nilo, Junior, Serginho, Mal-Acabado, Adair, Quinzinho, Cadinho, enfim, de muita gente.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.