Henrique Portugal
Henrique Portugal

Entrevista com John Lennon em 2025

Se eu fui um precursor dos influencers? De certa forma, sim, mas com uma diferença fundamental: foi acidental

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“Olá. Disseram-me que você tinha o sonho de conversar comigo. Sabe, eu sempre disse que a realidade deixa muito a desejar, por isso é que eu sonhava tanto. Mas aqui estamos nós, de alguma forma, conversando através do tempo e do espaço. É estranho, não é? Mas a vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos. Então, meu amigo, o que está na sua mente? Quer falar sobre música, sobre a paz, sobre o absurdo que é o mundo lá fora ou só quer saber como eu fazia meu chá?”

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HENRIQUE PORTUGAL: Primeiro, é um prazer conversar com você. Adoro o seu senso de humor e a sua visão diferenciada dos problemas sociais do mundo. Você escreveu a música “Imagine” pensando no que estava acontecendo no mundo da década de 1970. Quais as diferenças daquela época para os dias de hoje?
John Lennon: O prazer é todo meu. Fico feliz que você entenda o humor. Sabe, muita gente sempre me levou a sério demais, como se eu fosse algum tipo de profeta santo. Eu era apenas um cara de Liverpool que gostava de fazer barulho e questionar a autoridade. Sobre “Imagine”... Sabe, quando eu escrevi essa música, eu a cobri com açúcar. Yoko e eu dizíamos que era uma mensagem antirreligiosa, antinacionalista, anticonvencional e anticapitalista, mas porque tinha uma melodia doce, todo mundo engoliu a pílula. Agora, olhando para 1971 e olhando para o seu 2025... as diferenças são gritantes, mas as semelhanças assustam. Naquela época, o “bicho-papão” era muito claro. Tínhamos a Guerra do Vietnã, tínhamos o Muro de Berlim, tínhamos o medo constante de alguém apertar um botão nuclear. O mundo era dividido em dois blocos, preto e branco, comunismo e capitalismo. Nós gritávamos nas ruas porque queríamos que os governos nos ouvissem. Havia uma esperança ingênua, uma ressaca dos anos 1960, de que, se gritássemos alto o suficiente, a guerra acabaria. Hoje? Vocês derrubaram os muros de concreto, mas construíram muros digitais invisíveis. Vejo o mundo de 2025 e parece que todos estão gritando, mas ninguém está ouvindo. Vocês têm essas caixinhas brilhantes nas mãos que conectam todos, mas parece que as pessoas estão mais solitárias do que nunca. Na minha época, a ignorância era falta de informação; hoje, a ignorância parece ser uma escolha no meio de muita informação. E a parte de “imagine no possessions” (imagine não haver posses)... Bem, isso é ainda mais difícil para vocês agora, não é? Na minha época, o materialismo era sobre ter um carro grande ou um casaco de pele. Hoje, vocês são possuídos pelos dados, pela necessidade de serem vistos, pelos “likes”. O sistema ficou mais inteligente; ele não vende apenas produtos, ele vende a sua própria atenção. Mas a diferença fundamental? Naquela época, achávamos que os líderes políticos eram o problema. Hoje, percebo que o medo se democratizou. O medo do vizinho, o medo do diferente. No entanto, o sonho continua o mesmo. A paz não é a ausência de guerra, é a presença de compreensão. E por mais complicado que o seu mundo tecnológico seja agora, a solução ainda é aquela coisa simples e “cafona” que eu passei a vida toda repetindo: o amor é a resposta. Vocês só precisam descobrir como fazer o amor viralizar mais rápido que o ódio nessas suas redes. Faz sentido para você, ou estou soando muito como um velho hippie?

HENRIQUE PORTUGAL: Faz total sentido...
John Lennon: Fico contente. Às vezes, a gente se perde tentando explicar o inexplicável, quando a verdade costuma estar bem ali, na nossa cara. Eu costumava dizer que a realidade é aquilo que sobra quando você para de acreditar nas suas próprias ilusões. É difícil encarar o mundo sem o filtro do cinismo hoje em dia, não é? O mundo gira cada vez mais rápido, e parece que ninguém tem tempo para sentar e ver as rodas girando, como eu gostava de fazer. Mas me diga você: já que concordamos que o mundo ficou mais barulhento e complexo, onde é que você encontra o seu refúgio? É na música? É tentando mudar as coisas? Ou você também está tentando construir sua própria “Nutopia” – aquele país conceitual sem fronteiras e sem leis que eu inventei? O que te mantém são?

HENRIQUE PORTUGAL: Mudando de assunto, gostaria de saber se os Beatles chegaram a pensar em fazer um álbum novo junto depois da separação. Já pensaram um fazer uma turnê, como o Oasis acabou de fazer?
John Lennon: Ah, a grande pergunta de um milhão de dólares. Ou melhor, a pergunta de 50 milhões de dólares, que foi o que um promotor maluco nos ofereceu uma vez para tocarmos com um tubarão-branco como ato de abertura. Sério, as pessoas perdiam a cabeça. A verdade? Nós pensamos nisso, sim. De vez em quando a ideia passava pela nossa cabeça, geralmente depois de alguns drinks ou quando a nostalgia batia mais forte do que o senso comum. Houve uma noite famosa em meados dos anos 1970. Eu e o Paul estávamos no meu apartamento em Nova York, no Dakota, assistindo ao “Saturday Night Live”. O produtor, Lorne Michaels, entrou no ar e ofereceu “piadisticamente” US$ 3 mil para os Beatles se reunirem no programa. Eu e o Paul nos olhamos e quase descemos lá. Estávamos a poucos quarteirões do estúdio. Teria sido hilário, nós dois entrando lá e dividindo a grana.

Mas estávamos cansados, pedimos pizza e deixamos para lá. Foi o mais perto que chegamos de uma "reunião" espontânea. Mas um álbum novo, sério? Turnê? Veja, os Beatles eram quatro caras que cresceram juntos, viveram o impossível juntos e depois precisaram desesperadamente crescer separados. Éramos como um suflê: quando baixa, não dá para fazer subir de novo do mesmo jeito. Sobre o Oasis... ah, os garotos Gallagher. Eu gosto deles. Eles têm aquela arrogância do Norte da Inglaterra que me é familiar. Eles brigam como irmãos porque são irmãos, e isso é visceral. Eu e Paul éramos como irmãos, mas também éramos rivais, parceiros e, no final, empresários cansados de discutir contratos. O que o Oasis fez agora em 2025 é bom para eles. Se eles conseguem subir no palco, tocar aquelas músicas e não se matarem nos bastidores, fantástico. Mas entenda a diferença: eles pararam quando ainda parecia haver gasolina no tanque. Nós? Nós esprememos a laranja até a última gota. Deixamos tudo no estúdio. De “Love Me Do” a “The End”, o ciclo estava completo. Voltar para uma turnê de estádios, com todos aqueles lasers e telões de hoje, tocando “She Loves You” aos 40, 50 ou 80 anos? Pareceria uma paródia. Eu sempre disse: “Não acredite nos Beatles, acredite em você”. Se tivéssemos voltado, teríamos nos tornado estátuas de nós mesmos, peças de museu ambulantes. E eu preferia ser um ex-Beatle vivo e criando coisas novas do que um monumento empoeirado repetindo o passado. Mas me diga, você foi ver o Oasis? Eles ainda tocam alto pra cacete ou a idade abaixou o volume dos amplificadores?

HENRIQUE PORTUGAL: Nao fui ver o Oasis, mas meus filhos foram. Falando em filhos, como foi parar a vida para ver o Sean crescer?
John Lennon: Ah, que ótimo que seus filhos foram. O rock and roll é uma tocha que a gente passa adiante, mesmo que a chama esteja sendo segurada por uns rabugentos de Manchester! Mas sobre o Sean e aqueles cinco anos... Sabe, foi a coisa mais importante que eu fiz. Mais importante que Sgt. Pepper's, acredite se quiser. Foi um período estranho no começo. Imagine: eu passei a vida inteira, desde os 20 anos, correndo. Turnês, gritos, estúdios, contratos, advogados. Eu era propriedade pública. E de repente, em 1975, eu simplesmente disse: “Chega. O contrato acabou”. Virar um “dono de casa” (ou house husband, como eu gostava de dizer) no edifício Dakota foi minha reabilitação da loucura. Eu precisava fazer isso por um motivo muito doloroso: a culpa. Eu não fui um pai para o Julian. Eu era uma criança tendo uma criança. Eu estava assustado, egoísta e sendo engolido pelo furacão dos Beatles. O Julian pagou o preço pela minha fama e pela minha imaturidade. Eu carrego essa cicatriz. Então, quando o Sean veio... era minha segunda chance. Eu queria provar para mim mesmo que eu podia criar uma vida, não apenas criar músicas. Eu passava os dias assando pão. Você já fez pão? É uma arte. Você mistura a farinha, a água, o fermento... e espera. Exige uma paciência que o rock nunca me ensinou. Eu tirava fotos polaroid dele todos os dias. Eu trocava fraldas. Eu alimentava os gatos. Eu assistia “Vila Sésamo”. As pessoas lá fora, a imprensa, os fãs, eles ficavam loucos. “O que há de errado com o John? Ele perdeu o jeito? Ele ficou preguiçoso?”. Eles não entendiam que eu estava vivendo pela primeira vez. Como eu escrevi em “Watching the Wheels”: eu estava apenas sentado vendo a roda girar. E eu adorava. Não ter que provar nada para ninguém, não ter que competir com o Paul nas paradas de sucesso... apenas ver aquele menino aprender a andar. Foi ali que eu entendi que a vida não é o que você produz, é quem você ama e quem você cuida. Meus filhos são meu legado real. As músicas são apenas as notas de rodapé. E os seus filhos, que foram ver o Oasis... eles já são grandes, imagino. Você conseguiu ter esse tempo com eles ou a vida te atropelou também? Porque, vou te dizer, o tempo é o único luxo que o dinheiro não compra de verdade.

HENRIQUE PORTUGAL: Como sou músico, também tive problemas com a criação dos meus filhos. Perdi vários momentos especiais na vida deles. Mas faz parte da nossa profissão. E você que sempre foi uma pessoa midiática, dizendo frases impactantes, como, por exemplo, “Os Beatles são mais populares que Jesus”, se sente um precursor do conceito de influencer?
John Lennon: Escuta, companheiro de estrada... Primeiro, tire esse peso das costas sobre seus filhos. A estrada é uma amante ciumenta. Ela nos dá a glória num dia e nos rouba o jantar em família no outro. O importante é que você está aqui agora, consciente disso. O amor é elástico, ele estica, mas se for verdadeiro, não arrebenta. Eles entendem, ou vão entender. Agora, sobre essa história de influencer e a frase de Jesus... Sabe, aquilo foi uma confusão dos diabos. Quando eu disse que éramos “mais populares que Jesus”, eu não estava dizendo que éramos melhores ou maiores que Jesus. Eu estava fazendo uma observação sociológica, quase triste, sobre como a garotada na Inglaterra sabia mais sobre nós quatro do que sobre os discípulos. Eu estava lamentando o declínio do cristianismo, não celebrando a ascensão dos Beatles. Mas na América? Eles queimaram nossos discos. Foi um pesadelo. Eu tive que pedir desculpas por dizer o que eu via. Se eu fui um precursor dos influencers? De certa forma, sim, mas com uma diferença fundamental: foi acidental. Nós não acordávamos de manhã pensando: que corte de cabelo vou fazer hoje para engajar a audiência ou que roupa vou usar para vender mais? Nós fazíamos o que queríamos, e o mundo copiava. Nós deixamos o cabelo crescer porque tínhamos preguiça de cortar ou porque gostávamos, e de repente o mundo inteiro estava cabeludo. Nós usamos jaquetas sem colarinho, e virou moda. Nós fomos para a Índia buscar paz espiritual (e fugir da loucura), e de repente todo mundo queria meditar. A diferença para os influencers de hoje, pelo que vejo nessa sua telinha mágica, é o propósito. Hoje, me parece que muita gente quer ser famosa para... ser famosa. Eles são influenciadores de quê? De consumo? De vaidade? É a fama pela fama, o “olhe para mim”. Nós tínhamos a música primeiro. A influência era o efeito colateral, não o produto principal. Mas, admito, eu aprendi a usar isso. Quando Yoko e eu fizemos o Bed-In, ficando deitados na cama em Amsterdã e Montreal pedindo a paz, nós estávamos hackeando o sistema. Sabíamos que a imprensa viria ver “o beatle maluco e a bruxa japonesa" pelados (que decepção para eles, estávamos de pijama), então usamos essa atenção para vender um produto: a paz. Como se fosse sabão em pó. “War is Over! (If you want it)”. Então, se usar a fama para tentar parar uma guerra ou fazer as pessoas pensarem me torna um influencer, então eu aceito o rótulo. Mas se for para vender creme para rugas ou fingir que a vida é perfeita com filtros... aí eu passo. Eu preferia ser um agitador. E você? Como músico, você sente que tem que entrar nesse jogo de “influenciar” para que sua música seja ouvida? Deve ser exaustivo ter que ser sua própria agência de publicidade o tempo todo.

HENRIQUE PORTUGAL: Sinto que, no futuro, o legal será não ter redes sociais. Mas hoje em dia é praticamente impositivo fazer um trabalho nesse sentido. Para fechar a nossa conversa, todo mundo fala que a Yoko foi a grande responsável pelo final dos Beatles. Mas já li algumas entrevistas dizendo que você já estava com essa ideia na cabeça. O que realmente aconteceu?
John Lennon: Você tem toda a razão sobre essa história de redes sociais. O anonimato vai ser o novo luxo. A privacidade vai ser o novo rock n' roll. Se você puder desaparecer, você será a pessoa mais livre do mundo. Mas entendo você, é o “mal necessário” do mercado hoje. É como quando tínhamos que sorrir para prefeitos e usar terninhos no começo da carreira. Faz parte do show. Agora, sobre a Yoko... [respira fundo e ajeita os óculos]. Olha, essa é a maior mentira, a maior calúnia e a maior bobagem racista e machista da história da música pop. E fico feliz que você tenha lido as entrevistas certas, porque a verdade é bem diferente do mito. A Yoko não separou os Beatles. Eu separei os Beatles. E os Beatles se separaram a si mesmos. Vamos aos fatos, de homem para homem. O tédio e o crescimento: muito antes de a Yoko entrar no estúdio, a gente já estava de saco cheio. Éramos quatro homens crescidos presos num casamento adolescente. Depois que o Brian (Epstein) morreu, em 1967, ficamos sem pai. O Paul tentou assumir o comando e nos liderar, e Deus o abençoe por tentar, mas isso nos irritava profundamente. O George estava florescendo como compositor e não tinha espaço (só deixávamos ele colocar duas músicas por álbum, o que era ridículo). Eu queria sair. Já estava com um pé fora. Eu estava buscando algo mais real. Eu estava cansado de ser um “fab four”. Eu queria ser apenas o John. O que a Yoko fez não foi me tirar da banda. O que ela fez foi me mostrar que existia vida fora da banda. Ela não fechou a porta dos Beatles; ela me mostrou onde ficava a porta de saída de uma sala onde eu já estava sufocando. Ela me deu a coragem de que eu precisava para dizer “chega”. Lembro-me claramente da reunião. Foi em setembro de 1969. Estávamos discutindo o futuro, e eu soltei a bomba: “Eu quero o divórcio. Assim como o divórcio do meu casamento com a Cynthia”. O queixo de todo mundo caiu. O Paul e o Allen Klein (nosso empresário na época) me pediram para ficar quieto, para não anunciar nada, porque estávamos renegociando contratos com a gravadora. Eu fiquei calado. Meses depois, o Paul lançou o disco solo dele e anunciou que estava saindo. Ele levou a fama de ter acabado com a banda, mas eu já tinha saído meses antes na minha cabeça e no meu coração. A Yoko não “roubou” o John dos Beatles. Ela salvou o John dos Beatles. Se eu tivesse continuado naquela rotina, naquela máquina de fazer dinheiro, eu teria morrido de tédio ou de overdose muito antes. Então, meu amigo, quando ouvir alguém culpar a Yoko, diga a eles que ela apenas teve a “audácia” de se apaixonar por um cara que precisava desesperadamente crescer.

Foi um prazer imenso conversar com você. Mantenha a música viva, cuide dos seus filhos e lembre-se: não tenha medo de largar tudo se isso significar salvar a sua alma.
Peace and love,
John

Gostaria de agradecer ao Gemini, inteligência artificial do Google, que possibilitou esta entrevista.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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