Helvécio Carlos
Helvécio Carlos
Com 30 anos dedicados ao jornalismo, com passagens por emissoras de rádio e assessoria de imprensa, é desde 2001 titular da coluna Hit, do jornal Estado de Minas. Entre 2011 e 2017 foi editor da revista Hit, publicação de lifestyle.
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O dia em que fui a "cobaia" no palco do Grupo Galpão

Colunista Helvécio Carlos revela como foi a experiência de participar da peça "(Um) Ensaio sobre a cegueira"

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• PRÓLOGO

Exatamente às 19h14 de uma quarta-feira, Rodrigo Portella, que dirige “(Um) Ensaio sobre a cegueira”, surge no palco do teatro do Galpão Cine Horto para dar coordenadas aos convidados do ensaio aberto da peça, que estreará daqui a uma semana.

“Vocês estão sendo nossas ‘cobaias’. Estamos testando o espetáculo pela primeira vez com o público. O espetáculo ainda está em processo, ainda temos uma semana até a estreia. Quem faz teatro sabe que uma semana é muito tempo”, revela, sob olhares atentos dos convidados. A surpresa vem na sequência: “Vamos contar com 14 pessoas da plateia, que ficarão com os atores no palco metade do espetáculo, vendadas na maioria do tempo. Como hoje é só ensaio, resolvemos decidir agora quem serão essas 14 pessoas”. Risos amarelos e nervosos.

“Pode ser muito legal, mas pode ser uma furada”, acrescenta Portella, provocando mais risos. Não encaro. Fico de fora da brincadeira, enquanto os 14 mais corajosos do que eu embarcam na aventura. Duas horas e meia depois do ensaio geral, vem o arrependimento. Tinha lá meus motivos. Ainda mais vendado... Cai o pano.

• PRIMEIRO ATO

No dia 30 de abril, abro e-mail. Leio o irrecusável convite para a Experiência Galpão nesta noite de estreia. E lá estou eu no horário combinado, meia hora antes do início da sessão. Vejo o ator Paulo André e Georgina Vila Bruch, diretores assistentes. Ela dá as coordenadas: “O espetáculo tem duas horas e meia. Não parece, porque acontecem muitas coisas”, diz. “O primeiro ato vocês verão na plateia. Vou dar discos que dividem vocês em dois grupos, vermelho e verde. Esperem e serão convocados pelos atores”, explica Georgina.

Começo a ficar tenso. “E agora, meu Deus. O que estou fazendo aqui?”.

O ator Arildo de Barros, que não está na montagem, cruza a sala, cumprimenta a todos e diz que o clima é de estreia. “Misericórdia”, penso, com as mãos geladas. Georgina prossegue, ouço a algazarra que vem do palco, onde atores e equipe vibram na roda, círculo formado antes de cada sessão.

Meus batimentos cardíacos se normalizam. Acredito piamente que é assim o tal clima de estreia citado por Arildo.

Sentado à mesa, Helvécio Carlos recebe instruções da equipe do Grupo Galpão
Sentado à mesa, Helvécio Carlos recebe instruções da equipe do Grupo Galpão Guto Muniz/divulgação

• SEGUNDO ATO

Não há caminho de volta. A única direção é a fila de entrada. Atores recebem o público com abraços e palavras carinhosas. Tranquilidade de fazer inveja ao grupo das 14 “cobaias”, que não parecem preocupar o elenco. E se um de nós sair do roteiro? A ansiedade é tão grande que, a cada abraço, digo que aquela noite será especial por estar com o Galpão em cena. “Eu sei, já me contaram”, brinca o ator Eduardo Moreira.

Com o público ocupando os lugares, a trupe vai para as marcas. Às 20h15, Júlio Maciel fecha as cortinas. Minhas mãos não estão geladas. Mas bate o temor: E se precisar ir ao banheiro? E se der fome?

Voluntários com vendas nos olhos em volta de ator durante a encenação da peça Um ensaio sobre a cegueira, do Grupo Galpão
Voluntários ouvem, mas não veem, o personagem em desespero durante a peça '(Um) Ensaio sobre a cegueira' Guto Muniz/divulgação

• EPÍLOGO

Até a metade do primeiro ato, teoricamente, emoções sob controle. Mas... Basta olhar à esquerda e ver Simone Odornes virando a garrafa d'agua para minha boca, do nada, secar. Eu e a turma dos discos vermelhos somos convocados para a cena. Nem fome, nem sede, nem banheiro. O medo é outro. E se eu travar? E se tropeçar, cair no chão, atrapalhar a encenação? 

Paulo André venda meus olhos. Vem a esperança de que uma fresta me permita ver alguns vultos, pelo menos. Entre a venda e o cantinho do nariz, vejo um pé. E a mão, que só mais tarde descobri ser de Simone Ordones, protagonista de uma das cenas mais emocionantes da peça.

Alguém me veste o moletom. É a minha deixa. Brinco: é a hora de me revelar um ator atento aos sinais. Trato de incorporar o figurino à personagem, dando certa dramaticidade a ele.

A encenação é um jogo: devo reagir ao colega, mesmo sem vê-lo. Trançar pelo palco é legal, mas não é tudo para a experiência inesquecível. Eduardo Moreira me dá o pé de um sapato e sussurra para tirar o cadarço. Tento e não consigo. Vem o desespero por não executar a tarefa. Me sinto o personagem: vítima da epidemia de cegueira, jogado naquele manicômio sem saber para onde ir. 

Quase no fim da peça, as vendas são retiradas. Vejo a plateia e os atores. Com certeza, é um dos espetáculos mais bonitos e emocionantes do Galpão.

“(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA”

Peça baseada no romance de José Saramago. Direção: Rodrigo Portella. Com Grupo Galpão. Até 1º de junho. De quarta a sábado, às 20h, e domingo, às 19h, no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto). Ingressos esgotados até 11/5. Preço: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia). Ingresso experiência: 14 por sessão, no mesmo valor. À venda na plataforma Sympla. Interpretação em libras às quintas e domingos.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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