Gustavo Nolasco
Gustavo Nolasco
DA ARQUIBANCADA

Todo dia será dia de ser cabulosa

Pelé e Maradona são deuses. Sendo assim, é tranquilo afirmar que, entre os seres humanos, Marta é a maior jogadora da história do futebol masculino e feminino

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“Terra da jogadora...”. Antes de conseguir ler toda a frase pintada em um portal de cimento, iluminado pelo sol dourado do sertão, o carro freou de forma brusca, assustando a todos. Estávamos em meio a caatinga, na travessia entre os estados de Sergipe e Alagoas, voltando de dias passados às margens dos cânions do Rio São Francisco.

Olhei para o lado, buscando explicações para o breque de supetão. Taitson, ao volante, gritava. Provocado pela surpresa no meio da estrada. Arrancou o cinto de segurança, abriu a porta traseira e jogou o pequeno Dieguito nos braços, devidamente trajado com o Manto Sagrado do Cruzeiro.

O menino – assim como eu – ainda estava um pouco assustado. Sem entender tamanha euforia do pai com a balaustrada de concreto encravada na singela rua de entrada de uma cidadezinha sertaneja. Já eu, ao descer, logo entendi e me senti contagiado pela mesma alegria. Estávamos em Dois Riachos, onde nasceu a Rainha Marta.

Sacamos o telefone celular e fizemos a foto ao lado do portal, onde se lia “a maior jogadora de futebol do mundo” ao lado de uma pintura com a filha ilustre de Dois Riachos ostentando a camisa 10 da Seleção Brasileira.

Pelé e Maradona são deuses. Sendo assim, é muito tranquilo afirmar que, entre os seres humanos, Marta é a maior jogadora de toda a história do futebol masculino e feminino. Nenhum homem ou outra mulher chegaram perto do seu talento e de sua importância para esse esporte.

Marta nasceu em 1986, época em que eu, Taitson e tantos outros quarentões da Nação Azul nos forjávamos cruzeirenses apaixonados. Nossos ídolos, à época, eram Gomes, Balu, Geraldão, Douglas, Ademir, Carlinhos Sabiá, Careca e Carlos Alberto Seixas.

O futebol feminino ainda só existia, de fato, nas sombras, nos pequenos guetos que lhe restavam, massacrado pela onipresença do machismo, da misoginia, da homofobia e de todo o cardápio de preconceitos que sempre foram relativizados e institucionalizados até o século 20.

Nesse mar de ignorância era até permitido vibrar pelas mulheres, desde que em outros esportes, como o basquete de Hortência e “Magic” Paula ou o vôlei de Vera Mossa, Isabel e Jacqueline. Mas a Formiga do futebol feminino – que começava a aparecer nos rodapés das páginas esportivas dos jornais –, ainda não passava de vítima de chacota entre os estúpidos boleiros.

No que tange ao universo celeste, ainda era invisibilizado o legado de figuras femininas fundamentais para nossa grandiosidade, como Ignes Helena, Ângela Azevedo, Rita de Cássia e Joanita Silva, esta a maior guardiã da história do Palestra/Cruzeiro. Tampouco eram idolatradas Osetta Pieri, a torcedora-símbolo da Società Sportiva Palestra Italia, e Maria Salomé, a maior torcedora do mundo.

Mas um nome mudou toda essa história de apagamento das mulheres, tanto no Cruzeiro quanto em todos os outros clubes: Marta Vieira da Silva, a menina do portal de Dois Riachos.

No último domingo, Marta estava muito longe de Minas Gerais, mas sua luta foi coroada, simbolicamente, com um quinteto de estrelas, quando mais de 13.000 pessoas estiveram no Independência para empurrar as Cabulosas, time de feminino do Cruzeiro, para a inédita classificação à final do Campeonato Brasileiro.

Reproduzo aqui as falas do amigo e fotógrafo Vinnicius Silva: “Dos treinos no campo da PUC Minas para a final do Campeonato Brasileiro! E para a Libertadores 2026! E botando 13 mil torcedores no estádio (contra o Palmeiras na semifinal). Isso tudo, depois de fazer a melhor campanha na fase de grupos. É história em cima de história. Parabéns aos envolvidos e a essa torcida cabulosa!”

Como cruzeirense, torcerei de corpo e alma para que nosso escrete das Cabulosas saia campeão brasileiro (título que nossos homens não conquistam há 11 anos). Porém, mesmo se a taça não vier, uma conquista já aconteceu: o Cruzeiro e a Nação Azul já se tornaram eternos aliados da revolução silenciosa capitaneada pela Rainha Marta. Daqui por diante, todo dia será dia de ser cabulosa.

 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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