
O Cruzeiro é o legítimo bamba do Rio de Janeiro
Do calçadão, Nandão correu pela areia. Um banho salgado para lavar a alma antes de seguir para o estádio. Era dia de Cruzeiro e Botafogo
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O céu azul celeste, lindo como a camisa do Cruzeiro, emoldurava a estátua de uma figura humana em bronze, próximo ao posto 6, na orla do Rio de Janeiro. As costas magras, voltadas para a longa faixa de areia e para a muralha de pedra do Forte de Copacabana, ambas lambidas pelas ondas do mar. Virado para o calçadão, o rosto do maior poeta de Minas Gerais e do Brasil, Carlos Drummond de Andrade.
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Sentado, com as mãos pousadas sobre as pernas cruzadas. Olhar meio baixo. Semblante típico de mineiro tímido. Os pequenos olhos escondidos por detrás dos aros grossos dos óculos. O poeta, imóvel, como preza a uma estátua, não escapou ao efusivo cumprimento – de voz rouca e potente – do cruzeirense Márcio Chaves, o Nandão. Ele abraçou a figura de Drummond como se encontrasse um amigo íntimo dos clubes das esquinas de Santa Tereza ou da sua turma da Cru-Chopp.
Iniciado o monólogo. Por respeito e admiração, Nandão não questionou Drummond por ter escolhido o Vasco da Gama para ser o seu time do coração, mesmo sendo ele filho das montanhas de Itabira. O poeta (para sua sorte), agora, só estátua, escapou de ouvir as reclamações pelo “roubo” do título brasileiro de 1974, quando o Cruzeirão foi garfado no Maracanã.
Nandão também preservou o ouvido bronzeado da estátua, apesar de possuir toda a licença poética para fazer chacota em rima, lembrando que o Vasco foi exatamente o primeiro dos cariocas a ser batido pelo Cruzeiro neste Brasileirão: 1 a 0, em Uberlândia.
Aquele jogo, inclusive, marcou a virada de chave do time estrelado na temporada. Saindo de um vexame na Copa Sul-americana para a arrancada no campeonato nacional.
Algumas rodadas depois, bateríamos o Flamengo, de Bezerra da Silva (2 a 1), no Mineirão, e o Fluminense, de Cartola (2 a 0), no Maracanã, bem aos pés do Morro da Mangueira. Reafirmando a vocação do Rio de Janeiro para ser a quadra do Grêmio Recreativo Escola de Futebol Unidos da Raposa.
Despedida com abraço nos ombros e carinho na careca da estátua de Drummond. Do calçadão, Nandão correu pela areia. Com seus quase dois metros de altura, o doce gigante se lançou ao mar. Um banho salgado para lavar a alma antes de seguir para o estádio. Era dia de Cruzeiro e Botafogo.
Da zona sul para a norte. Os bairros do subúrbio carioca iam ficando para trás. São Cristóvão, Mangueira (de Jamelão), Vila Isabel (de Noel Rosa), Riachuelo, Sampaio, Engenho Novo, Méier.
Quando Nandão saltou no Engenho de Dentro, seu corpo paralisou. O olhar ficou vidrado por longos segundos. Encantado ao ver à sua frente centenas de outros cruzeirenses reunidos em festa. Excursões, famílias e a Confraria Celeste. Todos esperando o momento de transformar as arquibancadas do estádio Nilton Santos em uma roda de partido alto azul e branco.
Do alto da rampa da estação de trem, Nandão posicionou o corpanzil. Encheu o peito e soltou um grito que ecoou por todo o entorno do estádio: “ZÊEERROOO!” Foi um dos mais lindos chamamentos ao amor pelo Time do Povo Mineiro. Ali, tivemos a certeza absoluta de que o Engenhão seria nosso!
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Foi. Duas horas depois, o escrete do Cabuloso sacramentou a quadra de vitórias sobre todos os times cariocas no primeiro turno do Brasileirão, dando um baile no Botafogo.
Quando os portões se abriram, liberando a Nação Azul para evoluir em harmonia pela avenida, lá estava Nandão. Sorrindo. Cantando. Sambando. Dizendo para o mundo que o seu Cruzeiro era o legítimo bamba da cidade do Rio de Janeiro.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.